VIVENDO UM DIA DE CADA VEZ parte 5
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Autor Lucya Vervloet
Assunto AutoconhecimentoAtualizado em 6/3/2010 1:08:04 PM
Quando me confirmaram que o sacrifício pelos outros aumentaria após o mês de abril, não duvidei, a gente acostuma... Olhar a realidade, nossa dor e a dos vizinhos nem sempre apazigua nosso coração. Muitas das vezes é preciso agir, sair da zona de conforto, arregaçar literalmente as mangas e lançar-se em prol do todo. Muitas das vezes o resultado surpreende, no entanto, se sentirmos algum rancor e desconforto que torne insuportável tal atitude, então podemos aproveitar o momento e ir fundo nas razões inconscientes que nos levam a sofrer.
Ontem à noite voltando para casa, deparei-me com uma cena comum em minha cidade e em muitas por este país, não sei como a coisa acontece nos países de primeiro mundo, talvez seja pior, talvez camuflada. Uma moça devolvia às ruas uma gatinha de uns dois meses, magrinha e fraca, mas que tinha o choro mais comovente que já ouvi de um animal. Mesmo porque não faz muito tempo que venho tendo contato com nossos irmão menores. Não resisti, fui ter com ela e do jeito que me olhou, sou segura em dizer, só não falam nossa língua por falta da instrumentação adequada. Segurei-a por alguns instantes e a bichinha enroscou-se em meus braços, dengosa e carinhosa. Fui andando com ela e de repente seu automatismo a fez querer o chão e a volta à liberdade. Depositei-a num canteirinho mais alto para livrá-la momentâneamente dos cães de rua, mas qual não foi minha surpresa quando deu um salto certeiro, agarrou-se em minha bota de camurça macia e não mais a largou. Diante disso, não raciocinei, levei-a ao veterinário da próxima rua, foi examinada, medicada e trouxe-a para casa.
Sei que não posso ficar com ela e mais uma responsabilidade talvez me colocasse em situação de vítima de mim mesma. O que temos de bom em nosso país é que em algumas comunidades, quando o governo está ausente ou inoperante, pessoas se unem e procuram ao menos aliviar as condições precárias e até sub humanas em que vivem grande parte da população animal e humana. Sei que uma hora terei que pedir ajuda a um dos dois grupos de mulheres que fazem este trabalho voluntário por aqui. Não vou repetir a cena anterior trazendo mais sofrimento ao animal, mas sim verificar em mim o quanto estou disponível e forte para os momentos de urgência que a vida vem me propondo.
Na lógica do transcendente olhamos para os objetos, pessoas, animais como algo separado de nós e assim perpetuamos a ilusão da separatividade. O que obscurece a nossa capacidade de ter uma visão clara e lúcida de nossa vida é a dificuldade e falta de treino em olhar tudo o que acontece como um fluir e nada mais. O fato de termos construído um "eu" e seus sedutores apelos é tão forte que apesar de todos os sinais vermelhos e alertas demonstrarem que o tempo de "brincar no parquinho" se esgota, é com grande dificuldade e lerdeza que conseguimos nos desvencilhar de nossas criações.
Quando encontrei a gatinha em apurros, nossa sintonia era única, ambas estávamos no mesmo comprimento de onda, o animal e o humano. Houve alí apenas uma troca daquilo que chamamos de energia, mas ambas estávamos sofrendo. Ela um bebê em pleno abandono de tudo e todos, num mundo desconhecido, frio e cheio de perigos e atrativos. Por outro lado, o que considero "meu" sofrimento moral com as condições de vida no planeta era um agregado do ego que atraiu tal situação naquele momento. A dificuldade maior no caso humano é evitar que uma ação passada de sabe-se lá quem finalize em nós. Mesmo assim algo em nossa mente insiste em continuar a criar fantasia e esperança de tempos melhores, ou sonhar e imaginar que a felicidade quem sabe encontra-se na próxima esquina. Difícil!
Aonde está a solução deste koan chamado mente humana? Na observação e atenção permanentes de seus sinuosos movimentos? Dizem que quem faz o nosso tempo somos nós e que somos responsáveis pelo que nos acontece, simples assim. Mas, todo mundo sabe que são vários os fatores que interferem em nossa frágil e vulnerável vida. O mais complicado ainda é deixar a mente e seus conceitos de uma só vez e trilhar o caminho da liberdade, da paz e satisfação plenas. Ela tem medo, muito medo, e isso é incontestável, por isso tenho tanta dó dos animais. São completamente dirigidos e manipulados, quase que sem nenhuma chance de defesa. Podem até não possuir uma estrutura de ego tão potente quanto a nossa, mas a programação última e definitiva herdade da mãe natureza continua sendo a da luta pela sobrevivência. Pelo menos resta a nós o desenvolvimento da consciência e a possível diminuição ou mesmo a eliminação total do sofrimento, mas mesmo assim, ainda continuamos a nos distrair e a nos esquivar do aqui agora e continuar aguardando pelo próximo trem, pois quem sabe não haverá algo mais interessante em outra estação? O porquê da continuação de nossos dramas, apesar de todos nossos esforços é bem esclarecido no estudo sobre os doze elos da originação interdependente, por mestres do budismo tibetano. Vale a pena se inteirar.
Bom, sofri com a situação de ontem, projetei meu pseudo abandono e solidão na "mocinha" que chorou durante toda à noite e hoje pela manhã, após um intragável banho, um belo leite quente com vitaminas e a ração de meu cãozinho, dorme o sono dos inocentes inconscientes até o momento. E amanhã um novo destino a aguarda junto a uma Ong protetora dos animais. Espero de coração que ela seja bem tratada e feliz e de longe, também de perto a estarei amadrinhando. Eles merecem todo nosso carinho e proteção.
Que assim seja!
Lucya
Lucya
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Astrologia (básico na Regulus/SP) e autodidata. Participei de workshops de Runas, Tarot místico/terapêutico com Veet Pramad. Estudei Numerologia e quirologia. Iniciei-me na energia Reiki. Estudei 12 meses do Curso de Psicanálise/ES. Com uma visão universalista da vida dediquei-me ao aprendizado de idiomas e culturas estrangeiras. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Autoconhecimento clicando aqui. |