Encontro com o Sufi Kiran Kanakia
Atualizado dia 08/11/2012 12:17:00 em Espiritualidadepor Enildes Corrêa
"Sufi é uma pessoa plena de vida, dançando e cantando com a vida, em harmonia com a vida, cheia de êxtase e aceitação".Desde jovem, sentia uma irresistível atração pela Índia, pelos seus gurus e pelo autoconhecimento. Parte de mim, que eu não sabia qual era, guardava a vontade de encontrar um Mestre vivo e aprender com ele os ensinamentos milenares da filosofia oriental, que exercia um fascínio sobre meu ser. Havia lido o livro O Fio da Navalha, de W. Somerset Maugham, que ativou ainda mais o meu desejo de visitar aquele longínquo país. Porém, dizia para mim mesma que sair de Cuiabá, viajar para o outro lado do mundo, conseguir encontrar um Mestre espiritual iluminado e poder receber, de forma direta, os seus ensinamentos era apenas um sonho, ou melhor, mera fantasia.
Kiran Kanakia
Mas a Existência nos reserva muitas surpresas. Não poderia imaginar que, após muitos anos, inesperadamente, eu viajaria para a Índia, e a vida tornaria realidade aquele desejo quase esquecido e iria vivenciar algumas das experiências do personagem Larry Darrell. Em 1994, conheci o místico sufi indiano Kiran Kanakia. Quando o encontrei em Poona, na busca pelo autoconhecimento, já havia passado por vários processos terapêuticos - da psicanálise às terapias corporais ocidentais e orientais. Mais tarde, compreendi que nenhuma técnica terapêutica poderia nos conduzir ao estado de plenitude.
Ao encontrar Kiran e olhar nos seus olhos, reconheci estar diante de alguém que expressava a totalidade da presença divina em um ser humano. Seu olhar era diferente, profundo, emanava muita paz e amor. Vi tanta luz, amor e compaixão em seus olhos, como nunca havia visto em nenhum outro ser humano que tive oportunidade de encontrar. Percebi e testemunhei naquela expressão a existência de um mistério. Através daquele olhar soube que estava face a face com um Ser Acordado, cuja presença e compreensão ajudam a despertar o Mestre que habita dentro de todos nós: a conexão dentro de mim foi instantânea.
Fui testemunha de muitos atos de compaixão por parte desse Mestre, o qual chamamos simplesmente de Kiran, que se colocou sempre na postura de amigo. Jamais deixou que o considerássemos diferente ou acima de nós. Insistiu em nos dizer que acordar e poder viver em estado de equilíbrio e harmonia é direito de nascimento de todo ser humano. Revelou-nos que a aceitação da vida com compreensão é a chave mestra para o nosso despertar. Que espiritualidade é crescer em entendimento e o principal deles é a autoaceitação com amor: "Aceite-se do jeito que você é".
Kiran nos abriu a cortina da natureza da vida interna e externa. Guiou-nos com segurança à compreensão dos nossos mais complicados labirintos emocionais e mentais. Desvendava o jogo da mente, os mal-entendidos que a pessoa carregava, às vezes, por uma vida inteira, os quais a impediam de viver em paz consigo e com o seu entorno. A sua expressão, simples e clara, tornou as coisas mais complexas dos universos emocional, mental e espiritual de fácil acesso e compreensão para nós. Ainda assim, eu percebia que muitos não concebiam a ideia de que tudo pode ser tão simples... A mente tem extrema resistência para aceitar e validar o que é simples.
Desmistificou muitas coisas, procurou nos sacudir, nos tirar do torpor do sono para trazer-nos de volta à realidade da vida. Entretanto, os verdadeiros mestres são menos atrativos do que os falsos gurus, pois oferecem apenas água pura para matar a sede daqueles que batem a sua porta. Não servem coca-cola, não dão soníferos, não vendem sonhos, ilusões e nenhuma promessa de salvação ou de iluminação, pois não exploram as fraquezas de ninguém. Simplesmente nos ajudam a tratar e a abrir os olhos para retornarmos à nossa própria casa.
Sentada à mesa de jantar com ele, sua família e os seus amigos de diversos países, tinha a impressão de que o tempo transcorria em câmera lenta. A atmosfera era preenchida com tanta vida -vida em abundância, como dizia Jesus- que o meu coração se aquecia pelo sentimento de amor e gratidão por ter a bênção de estar lá - um momento único de encontro com a Fonte. Como foi bendita a acolhida que eu e tantos outros recebemos naquela casa!
Foi na presença desse amado Sufi, em seus satsangs, que me tornei íntima do silêncio interior. Unificava-me com o silêncio da Eternidade e sentia que as partes soltas e feridas do meu espaço interior eram curadas, reunidas e rejuntadas, sem qualquer esforço, pela argamassa do amor. A meditação acontecia naturalmente e aprendemos com ele a ir para dentro de nós mesmos com aceitação e amizade, a não nos exigir perfeição.
Ajudou-nos a entender que somos perfeitos, com todas as nossas imperfeições. Que cada um é necessário do jeito que é, na sua própria expressão. Assegurou-nos que a vida não é miserável e pode ser vivida em celebração.
Recebi seus sagrados ensinamentos, inclusive via DDI. Para ser mais precisa, Kiran mais que ensinava, ele partilhava o silêncio, a paz, o amor do seu Ser e a sua compreensão sobre a vida com todos que a Existência colocava diante dele, de forma incondicional. Não quis ter discípulos nem seguidores, mas simplesmente amigos, num encontro de igual para igual. Não fundou nenhum instituto ou ashram nem permitiu a ninguém ficar dependente dele e transformá-lo num ser superior ou em muleta espiritual. A ênfase foi totalmente dada à mensagem transmitida. Nenhum ritual, nenhuma adoração, nenhum jogo da mente com a sua pessoa
Deixou o corpo aos 65 anos, repentinamente, sem aviso prévio, durante o repouso noturno. Contribuiu com a sua presença nesse tempo e espaço para florir, embelezar e perfumar a vida com a fragrância da consciência e do amor. E esse deveria ser o compromisso maior dos seres humanos: perfumar ao seu redor com amor e consciência.
A sua súbita partida colocou-me diante desta verdade expressa por ele: "A vida é mudança e movimento. Não há nada permanente na vida. Se há, o tempo todo, alguma coisa mudando e se movendo, não existe perfeição. Existe movimento. Existe mudança. Essa é a natureza da vida, a qual é insegura, incerta e tem um futuro desconhecido".
No momento do adeus, foi inevitável chorar a dor da sua partida. Contudo, além da dor, fica o reconhecimento da graça de ter feito parte do seu grupo de amigos e convivido por um período de 12 anos com Kiran, cuja expressão é de uma grandeza e beleza incomparáveis para quem teve olhos abertos para vê-lo em sua totalidade.
O seu divino compartilhar tem permitido a inúmeras pessoas de várias partes do mundo viverem de maneira mais relaxada, harmônica e com clareza na mudança de cada passo.
A sagrada fragrância desse amado Mensageiro Sufi ainda está no ar e podemos aspirar o seu perfume. Fica o desejo profundo de que possamos abrir os olhos e ofertar à Vida a prece do nosso despertar - o mais belo presente a Kiran Kanakia, eterno Mestre e Amigo.
Namastê!
Texto revisado
Avaliação: 5 | Votos: 82
Administradora e Terapeuta Corporal Ayurveda. Formação e especialização na Índia. Ministra palestras e seminários vivenciais a organizações governamentais e privadas. Autora do livro "Vida em Palavras" - coletânea de crônicas. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |