Encontros e desencontros do Caminho - Final do Capítulo 14



Autor Fernando Tibiriçá
Assunto EspiritualidadeAtualizado em 2/18/2006 12:55:54 AM
Já era noite. Um clínico geral me atendeu e eu pedi uma lavagem intestinal. Ele me disse que um médico logo me veria. Pouco depois, entra o dr. Marcelo Averbach, que me examinou, pediu uns raio-x e me disse para eu dormir no hospital. Fui internado, meu filho comigo, apreensivo. Nada de lavagem intestinal, graças a Deus, porque, senão, eu teria morrido. Às 6h da manhã de sexta, 17 de março, uns enfermeiros entraram no quarto para me preparar para uma operação. Falei que era engano, que não era comigo. Eles se entreolharam e acharam melhor chamar a enfermeira chefe. Alguma coisa estava errada.
A enfermeira chegou e me pediu desculpas pelo fato de não terem me avisado da operação. Pedi para falar com o dr. Marcelo, que logo foi chamado. Quando ele entrou no quarto, esfreguei uma mão na outra, como sempre faço quando estou animado, e perguntei a que horas teria alta. Disse ainda que tinha que voltar rapidamente para a produção da festa de um ano do Manga Rosa. Ele me olhou e calmamente confirmou que eu não sairia do hospital e que me lembrasse do caso do presidente Tancredo Neves.
Gelei. Meu filho Rodrigo quase desmaiou e os enfermeiros passaram a se preocupar com ele. O diagnóstico era um só: diverticulite.
Na verdade, só percebi a gravidade da situação quando comecei a sentir as dores do lado direito do abdômen. Como havia tomado muita morfina por causa do trapézio esquerdo, o remédio acabou mascarando a diverticulite. Agora era tarde. Fui operado. Quase morri. Quando acordei, me informaram que teria que usar uma bolsa, colostomia. Fiquei arrasado. No dia seguinte, fui tomar meu primeiro banho e vi a tal da bolsa pendurada no meu abdômen. Olhei no espelho do banheiro e realmente vi a morte. Ela estava ali comigo.
Fui à luta, em busca da recuperação. Foram dias e dias no hospital e mais três meses em casa. Consegui reverter a situação com muita paciência e ajuda do meu filho, dos meus irmãos, da minha família e amigos e da equipe médica e, principalmente, de Deus. E também com uma nova operação, que foi um sucesso. Perdi uma parte do intestino, mas fiquei bom, sem a bolsa. As dores no ombro só foram corrigidas com fisioterapia, johrei e muita reza. Tempos depois, com o Rolfing, aplicado por uma especialista chamada Nádia, consegui a cura completa do problema no ombro. Do intestino, ficaram marcas, cicatrizes e enormes despesas financeiras.
Animado com o carinho divino e empurrado pelos guardiões do caminho, segui em frente desfrutando das belezas e riquezas que me eram oferecidas: Triacastela, Sancristobo, Renche, Samos e seu monastério majestoso, Sarria e seu convento, além de uma seqüência de povoados muito simpáticos até chegar a Portomarin, um vilarejo maior, que literalmente mudou de lugar por causa da construção de uma barragem. A igreja foi tirada de seu lugar e posta da mesma forma em outro. Cada pedra foi numerada e nada foi alterado. A igreja é linda, o homem realmente fez um trabalho maravilhoso. Algo que parecia impossível, mas eu vi.
A ansiedade e o cansaço me levaram a uma noite agitada. Senti algo se movimentando no meu peito, pus a mão, peguei no escuro mesmo e amassei. Fiz uma bolinha e deixei no criado mudo. A essa altura, sonho e realidade se misturavam. Achei que tinha pego uma linha de um ponto eventualmente solto porque costumava fazer os curativos sempre sentado na cama. Só no dia seguinte, fui ver que tinha mesmo matado uma aranha.
De Portomarin, por um caminho arborizado, mas não mata quase fechada, como na região de O Cebreiro, fui seguindo e encontrando cada vez mais peregrinos. Em Portomarin, conversando com a recepcionista de um hostal, ela comentou que muita gente começava a fazer o caminho desde Sarria, apenas os 100 quilômetros mínimos necessários para se obter o certificado de peregrino do Caminho de Santiago de Compostela. Compostela e não Compostelana, como muita gente fala. Compostelana é a pessoa que nasceu em Santiago de Compostela. Então, a multidão estava perfeitamente explicada – eram as pessoas que iniciavam o caminho em O Cebreiro (a 152 quilômetros de Santiago) mais as que começam em Sarria (a 113 quilômetros de Santiago).
Mas, no fundo, não importa muito onde o caminho começou. O importante é fazer o trecho escolhido do caminho ou mesmo o caminho todo com a consciência do que se está fazendo. É o coração que deve guiar, mérito dado por Deus. Muitos começam bem antes, mas não aproveitam um quilômetro sequer. Outros começam bem depois e o fazem de forma autêntica. A questão é: fazer o caminho apenas para se conseguir o certificado? Fazer em respeito a Santiago, a Jesus, a Deus? Fazer sem questionar as dificuldades? Ou fazer tentando se passar por um mártir, por um herói? O caminho é o caminho e o caminho é o caminho.
Deixando Lugo, cheguei à Província de A Coruña. A partir de Leboreiro, era nítida a mudança nas construções. A arquitetura era variada, já não havia os mesmos padrões anteriores. Tudo começava se misturar. Às vezes, parecia que caminhava pelos bairros mais populares de São Paulo, onde não há exatamente nenhum padrão de construção urbana.
Em Árzua, me preparava para entrar em Santiago de Compostela e homenagear o apóstolo e santo por sua luta na propagação do cristianismo, me preparava para homenagear Jesus Cristo por sua sabedoria e ensinamentos. E, principalmente, me preparava para agradecer a Deus por toda a felicidade que Ele me proporcionava a todo o momento na minha vida. Lições do caminho.
No jantar, fui contemplado com a folia de 14 alemãs, senhoras e jovens senhoras. Elas bebiam, cantavam, declamavam. Não entendia nada, mas dava para perceber que estavam extremamente felizes. Disciplinadas, quando chegaram ao hotel, no final da tarde, fizeram alongamentos. Fizeram exatamente o que eu não fiz. Alongamento é essencial antes, durante e após cada etapa. Eu estava com tendinite na perna esquerda, a dor era realmente grande.
Quando acabei de comer, só restava a mim e as alemãs no restaurante. Eu, as alemãs e um papagaio na sala ao lado, que gritava Ana!! Ana!! As alemãs, enchendo a cara de vinho, não perceberam os gritos do papagaio, nem a minha presença. Elas queriam comemorar. Pensei em pegar a máquina para tirar uma foto. Desisti – a farra era grande e, sem querer, eu poderia ser vítima de um ataque de 14 alemãs bêbadas. Falou mais alto a prudência. Era a folia no caminho.
Leia os 18 Capítulos neste Site ou peça o livro completo via e-mail que o enviarei gratuitamente com prazer.









Pude informar e amenizar leitores que buscam o comentário preciso e um agrado para sua alma. Por isso sinto-me feliz... E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |