Entre dois mundos - Capítulo 3
Atualizado dia 9/16/2010 4:22:43 PM em Espiritualidadepor Satyananda
De um lado, existia uma memória se desfazendo, parecendo que ele nunca a tinha vivido... fatos que pareciam irrelevantes, como se viajasse em um ônibus olhando pela janela, vendo lugares bonitos ou feios, dependendo da situação, mas sem descer do ônibus para vivenciar, respirar, sentir os cheiros, comer a comida local e caminhar por aqueles pisos, cores e texturas. Ele sabia que não tinha vivido, fora uma experiência de passagem...
Com todos esses sentimentos aflorando e novas percepções físicas, parecia que havia um entendimento do que era a alma. Onde cada objeto tinha sobre si uma camada de sentimentos que nos animavam.... A Alma... era o gostar quando se sente animado e o desgostar quando se sente desanimado... um véu que cobria cada um dos objetos, cada uma das pessoas, e se estendia... antes do nosso corpo chegar à frente de pessoas ou objetos... era possível senti-los.
O tempo havia perdido seu sentido linear e passara a ser pulsação... a ser circular... não havia mais leitura de nada nem ninguém, nem o passado qualificando o presente... Então, quando cada pessoa surgia na frente desse jovem, de fato, era como se ele olhasse para elas pela primeira vez, pois percebia o tom da pele, o brilho nos olhos, percebia agora a alma de tudo. Passou a entender isso como intenção... Cada objeto teria a intenção daquele que o criou, e isso praticamente representava a alma do objeto. Cada pessoa tem um gesto, um tom de voz, um olhar e isso era e é regido pela intenção.
Daquele tempo até hoje, é percebida a intenção em cada pessoa, é como se soubesse que o tom de voz expressa alegria, angústia, dor... como se soubesse que a comunicação não-verbal é mais eficiente que a comunicação verbal.
Parecia não haver mais aprendizado, já não se sentia vontade de aprender e falar sobre qualquer assunto. Não existia mais a necessidade da convivência com quem quer que seja ou em qualquer lugar; parecia realmente que o mundo estava morrendo e que a consciência estava nascendo, ou renascendo, em um mundo de intenções... onde era mais importante saber o por quê de tudo.
Assim, o jovem procurou em casa... e poucos livros religiosos puderam ajudá-lo a entender o que era aquela sensação, sendo que tudo isso acontecia sem intenção nenhuma, não havia o chamado de uma busca espiritual. Parecia que a natureza tinha virado de pernas para o ar e os frutos estavam nascendo antes das flores; era algo que não fora pedido, e sim dado, sem nem saber para que servia.
Procurou um padre, um frei franciscano da Igreja onde fizera sua Primeira Comunhão, que fora marcada por um momento muito feliz na vida desta criança que o Márcio um dia foi. Lembrando desse Frei, exatamente porque ele pegou na mão dessa criança, apontou para todos os altares da igreja e falou: aqui estão os santos, os santos são homens e mulheres como todos nós... a diferença é que eles não desistem de ser felizes. E disse para aquela criança que a felicidade não estava só na satisfação pessoal, a felicidade de verdade estava em se ver refletidos os nossos atos de afeto nos olhos dos outros seres, e sua felicidade eram os sorrisos que nós conseguíamos estampar no rosto dos outros...
Aquilo calou tão fundo naquela criança que, quando chegou em casa depois da sua Primeira Comunhão, pegou todos os presentes que tinha ganho e doou, um por um, ele não lembra de ter ficado com nenhum, mas ao mesmo tempo sentiu que fora o momento mais feliz da vida daquele ser, até o dia do cinema.
E aí procurou o Frei Ângelo, impulsionado pela memória, a única memória espiritual que ele carregava até aquele dia. Mas o Frei Ângelo já havia falecido, o pátio onde ele vivia tinha sido demolido e isso intensificou mais ainda a sua busca. Mas quem seria capaz de auxiliar um jovem surfista que já não conseguia mais pensar em lazer, nem em convivência, uma pessoa só e em busca de algo? Se existiu alguma angústia antes dessa experiência, ela não chegava aos pés da sensação de solidão e abandono quando a consciência se parte e a plenitude se contrai. Não havia mais nada a fazer...
A única saída era tentar procurar alguém ou livros... Procurou rabinos e gentilmente recebeu explicações sobre os níveis de atuação da alma... mas aquele jovem pouco entendeu... com o tempo ele passaria a entender melhor.
Foi a livrarias e procurou situações e livros que pudessem definir o que era aquilo. Leu Lao Tsé, o Bhagavad Ggita... pulava de um para outro, como se aquilo fosse a coisa mais simples e óbvia do mundo, pois todos tratavam do mesmo assunto.
Leu aproximadamente durante três anos escondido em seu quarto, embaixo da cama ou do edredon, para a família não achar que ele estava enlouquecendo, mas estava mesmo! E passou um tempo sozinho entre aquele que ele foi, e algo que ele não sabia que viria a ser, só sabia que queria ir para lá, um lugar de paz, verdade e comprometimento com a felicidade.
A partir desse dia, desse momento, a vida se transformou em um sonho, um sonho real, onde nada tinha importância e tudo era insubstancial... parecia que os objetos e as pessoas viviam em sonhos pessoais... cada um conversando consigo próprio e, raríssimas vezes, percebendo o olhar da presença nos adultos e nas pessoas ativas. Só conseguia perceber isso no olhar das crianças bem pequenas, com até três anos, e em todos os animais. Mas observava que todos os pensamentos que passavam pela sua cabeça não eram apenas pensamentos, traziam uma experiência de vida... Cada pensamento era um “pacote” de sensações que mudavam a alma do mundo, a película que ficava sobre todos os objetos, pois o pensamento tem o poder de fazer um objeto maravilhoso transformar-se em um objeto triste e sem valor no dia seguinte...
Mudando a freqüência do pensamento, os objetos também respondiam, fazendo-o começar a enlouquecer, pois tudo era vida... até uma cadeira tinha a possibilidade de se comunicar e se transformar... Existia um mundo sobre o mundo físico, o mundo de vontades emocionais... talvez esse mundo de vontades e emoções fosse a nossa alma. E como viver na alma... onde tudo se sente e se percebe, enquanto as pessoas estão em um patamar abaixo, o de sentir pelos sentidos, o tato, o olfato, o paladar?
A alma não tem nada a ver com os sentidos físicos. A alma não é o paladar, a alma é o gosto que se altera o tempo todo; A alma não é a fogueira, o seu calor; a alma é a luz da fogueira que está em constante transformação, que dança projetada na parede; a alma é o sentimento que faz a gente se manter vivo e se alimenta de belezas de verdade.
Como viver na alma e aproveitar o máximo possível esta sublime sensação?
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