ESSA É MINHA CRUZ
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Autor Oliveira Fidelis Filho
Assunto EspiritualidadeAtualizado em 13/06/2010 10:19:15
"... tome sua cruz e siga-me." Jesus.
A cruz é a resultante da intersecção de duas retas, fenômeno universal resultante da natureza binária do pensamento humano, símbolo também cristão e muito mais...
A cruz é fruto da coexistência de duas dimensões, de duas naturezas, de duas realidades, uma essencial e outra construída, a partir de formas-pensamentos oriundas de crenças e repetições cristalizadoras de padrões comportamentais. Há também os que acreditam tratar-se de uma maldita herança.
Em nós a cruz se faz, não é pré-existente.
Não a encontramos no reino vegetal, animal ou mineral. É uma criação e uma experiência inerente a dimensão estritamente humana. Basta uma leve consciência para constatar o drama e o desafio de sua existência.
A cruz é conseqüência de duas tendências, duas forças, duas direções que atravessam o homem, gerando uma área de tensão e energia carregada de possibilidades. Na direção horizontal encontram-se as limitações bem como as possibilidades de expansão humana, enquanto que na vertical o desafio da expansão sagrada.
Para muitos a cruz simboliza o sofrimento nas mais variadas áreas e níveis. Entretanto, o simbolismo da cruz tem muito mais a revelar.
O sentido ou significado da cruz extrapola dificuldades particulares, familiares e sociais, vai além de limitações econômicas, físicas, psíquicas ou relacionais. Não se limita a algum tipo de carma, herança ou contingência infeliz com a qual somos forçados a conviver.
Quando declaramos: "essa é minha cruz", "fulano tem uma cruz pesada para carregar", atribuímos ao objeto significante, no caso a cruz, uma compreensão limitante. Tomar a cruz não é conformismo, frustrada rendição diante de situações inalteráveis e muito menos masoquismo ou penitência.
Aos que desejavam seguir a Jesus, a primeira orientação foi: "tome sua cruz".
A cruz que Jesus desafia a tomar não é a dele, não se relaciona ao crer nele nem a eventuais dificuldades atraídas a partir de padrões comportamentais (pensamentos, sentimentos e atos), resultantes de observâncias religiosas que cansam, sobrecarregam, escravizam, alienam e assassinam a vida.
O apóstolo Paulo expressa, como poucos, a dupla natureza da cruz que, segundo Jesus, precisamos tomar - perceber, assumir, entender - como pré requisito pra segui-lo.
Numa declaração dramática, Paulo expõe sua percepção: "Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro e sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isso já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem esta em mim; não, porem, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim..."
Há um angustiante conflito nas declarações de Paulo, explicitando o eterno desafio de ser ou não ser, apontando para a inexorável natureza binária à qual o pensamento humano se submete.
O que Paulo declara como "Lei, o bem, o que prefiro, o querer esta em mim", relaciona-se a sua essência, a natureza divina, ao ser. Por outro lado: "o que detesto, o que não quero, o mal que não quero, o pecado que habita em mim", relaciona-se ao não ser. O não ser é, obviamente, a negação de ser, a força que nega a Vida, a energia anticrística.
A cruz, portanto, é a conflitante existência de duas naturezas de forças que nos habitam e que precisam ser entendidas e direcionadas. Os benefícios de tomar - perceber, entender, sentir - a cruz são muitos.
1. O primeiro é a consciência de que assim é. Que somos habitados por luz e sombras, do bem e do mau, do bom e do mal. Somos seres em formação, oriundos do barro e do sopro de Deus.
A percepção deste espectro existencial pode ser humilhante e frustrante, sobretudo para o narcisista embriagado com sua projetada perfeição. Insuportável, também, para qualquer perfeccionista ou legalista. Entretanto, um alívio para quem não possui maiores pretensões, desejoso simplesmente de lidar, da melhor forma possível, com a idiossincrasia de seus pensamentos e sentimentos.
2. Compreensão de nós mesmos. Entendimento do como e do porque pensamos, sentimos e agimos desta ou daquela forma. Entendimento que nos liberta da tirania da culpa, do medo e da condenação sem os quais a religião, tal qual a conhecemos, não existiria.
Conscientiza-nos da transicionalidade, que somos hebreus, ou seja, que percorremos um caminho de constante transformação na busca do estado perfeito, dentro e fora de nós.
Quem assim se percebe, não enxerga melhor alternativa senão seguir a Cristo.
3. Vontade de "seguir a Cristo": desejaremos nos livrar do impasse, do mal estar que a percepção da cruz nos trás.
Não mais suportaremos permanecer presos à cruz, pois transbordará a vontade de libertar-nos da angústia que a compreensão de tal realidade produz. Tal aspiração leva-nos a seguir Jesus, movidos pela irresistível atração da Luz. Gera o desejo de crescer em Graça e do libertar progressivo da desgraça.
Seguir a Cristo torna-se, então, fruto do inconformismo em relação à ausência de plenitude. Do desejo de perceber a Sabedoria exorcizando a ignorância, de ver o caos transformando-se em Cosmo, o vazio sendo preenchido pela Vida.
Seguir a Cristo como um navegante que se orienta por uma Estrela: ele sabe que não ira alcançá-la, mas fixa seu rumo sempre em relação a ela.
4. Tomar a cruz libera o Amor. Saber que em todos habita o mesmo dilema, que somos potencialmente bons e potencialmente maus, leva-nos a diferenciar as pessoas de suas atitudes, impedindo-nos de estigmatizá-las.
Jesus possuía plena consciência deste dilema humano, dessa percepção derivava sua bondade, compaixão, misericórdia, acolhimento e perdão. Quando na cruz, pouco antes de morrer, afirmou que aquelas pessoas não sabiam o que faziam, Ele sabia o que dizia.
São poucos os que compreendem o dilema da cruz, menos ainda os que procuram libertar-se deste angustiante dilema, seguindo a Estrela, indo em direção da Luz e do Amor Crístico.
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Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |