O vazio e o desejo sem fim
Atualizado dia 02/06/2014 16:08:32 em Espiritualidadepor Mariana Montenegro Martins
Ele não tenta assim, fugir do vazio, mas ao contrário, busca-o em tudo o que faz e considera que dele brota toda a sua excelência. Vê no vazio a essência de todas as coisas criadas e, por isso, enaltece a presença da vacuidade nas suas artes e atividades diárias. Reconhece assim a sua natureza de recipiente, de incompleto, de vir a ser. Mas sem lutar contra ela, nem tentar controlá-la visando o ideal do progresso, como faz o ocidental. O paradoxo é inerente à vida e, por isso, o oriental vai dizer que: “as coisas não são o que parecem ser, mas também não são outra coisa”. Ele vê sempre o invisível no visível, o movimento na quietude. Reconhece no vazio, no incriado, no silêncio, a mais alta transcendência.
A Cabala fala de um Desejo Supremo, que é a Luz, sendo aquilo que na verdade desejamos. Pois a Luz é a síntese da felicidade, do amor, da paz, da plenitude. Então, ao invés de buscarmos nos nutrir dos reflexos finitos da Luz, e nos frustrar, devemos buscar a Fonte dela e receber tudo. Pois a Fonte nos criou como seu recipiente com o intuito de ter para quem dar tudo o que Ela tem. O 1 se fez 2 para se reconhecer e para se dar. Somos o recipiente feito para receber tudo, mas não nos contentamos em apenas receber. Passamos a querer dar também, como o Criador, por isso o desejo é nossa natureza. E é por termos a natureza do desejo, que criamos sonhos e esperanças. Mas existe uma diferença sutil entre ter esperança e sonhar.
A esperança tem a ver com uma expectativa, e o sonho com uma possibilidade, o primeiro tem uma ansiedade, o segundo não. A esperança pode deixar a pessoa amargurada, frustrada se não conseguir. Sonhar é próprio da natureza humana, leva a humanidade adiante, na direção de ser como o Criador. Mas se desesperamos com a presença do vazio e da incompletude é porque não nos voltamos para a Fonte. Para aplacar a angústia do devir, agarramo-nos à tábua de salvação das esperanças. Elegemos objetos, atividades, pessoas, progressos, com o anseio de, através deles, dar fim ao vazio. Ao contrário da cultura do Tao, que busca antes encontrar o vazio em tudo o que faz. Ao invés de ir contra a essência e de buscar a plenitude nas aparências efêmeras, aprende-se a amar o vazio e a incompletude. Pois é de onde brotam todas as coisas fecundas. Ser presente num simples gesto, numa atividade corriqueira de tomar chá, torna-se um grande acontecimento, e nele se goza da plenitude.
Contempla-se na “plenitude oculta do vazio” o potencial de todas as coisas. Nosso desejo sem fim não pode ser suprido pelo que tem fim. O outro, que tanto desejamos amar, é um recipiente como nós, feito de vácuo e desejo. No lugar de ver o outro como o universo, ver o universo no outro. Ligar-nos à Fonte sem fim, para preencher nosso recipiente sem fundo. Até que tudo seja Campo diante de nossos olhos, círculo sem circunferência, onde não se sabe onde a Fonte começa e eu termino. Lembrando o poema do poeta do infinito, Rabindranath Tagore: “Fizeste-me sem fim, pois este é teu prazer. Continuamente esvazias este frágil vaso para, em seguida, preenchê-lo com as Águas vivas de teu amor. Levaste por vales e montanhas, esta flautinha de bambu, e nela sopraste tuas melodias imortais".
Texto revisado
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Escritora, jornalista, educadora e terapeuta. Nascida no Rio de Janeiro, no solstício de verão, sob o signo de sagitário. Site: http://trilhasdoser.com.br/site/ E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Espiritualidade clicando aqui. |