OS DROGADINHOS - Órfãos de pais vivos 2/11

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Autor Dante Bolivar Rigon

Assunto Espiritualidade
Atualizado em 23/05/2012 17:58:41


  Continuação 2/11 -

A partir desse momento minha vida mudou, pois se antes meus pais não se preocupavam comigo, muito menos agora que faltara o sustentáculo dos avós agravado pela desilusão de se verem destituídos daquilo que acreditavam ser seus. Inicialmente abandonado nas mãos de governantas passei os próximos cinco anos envolto comigo mesmo. Aos oito, livre e abandonado de afeto, tomei gosto pelas ruas e companhia de colegas escolares também provenientes de famílias desestruturadas, seguindo nossos passos de acordo com o momento, a vontade e a oportunidade. Ao completar nove anos já me enturmava com colegas mais velhos, de doze a catorze, filhos de famílias abastadas, pobres, remediadas ou paupérrimas, fazendo todo o tipo de travessuras e impropriedades. O motivo que nos unia era um só: o total desinteresse dos pais por nossas pessoas. Ficávamos na rua até a hora que nos aprouvesse, às vezes ausentávamo-nos de casa por dois ou três dias, pois como convidávamos colegas para pernoitarem conosco também dormíamos em suas casas. Incrivelmente nunca me descuidei dos estudos sendo sempre distinguido com notas altas embora ninguém se preocupasse em analisá-las a não ser a velha cozinheira, única que me dava atenção e carinho mantendo-me sempre limpo, bem vestido, agasalhado e alimentado.

 O dia dez de cada mês era o dia das brigas. Tanto meu pai como minha mãe seguiam o curso da vida conforme suas vontades e interesses, especialmente festas, reuniões, viagens e outros compromissos por mim desconhecidos. No dia dez de cada mês a imobiliária responsável pelos meus bens e aluguéis depositava o numerário em conta vinculada em determinado banco e para ser retirado havia necessidade da assinatura de ambos. Invariavelmente separavam o necessário para a manutenção da casa o qual era passado à governanta, minha mesada que era substanciosa, e o resto dividiam entre eles sempre à base de discussões acaloradas e ameaças descabidas, pois cada um reclamava para si a maior parte alegando necessidades prementes. Talvez fosse esse o único momento em que se encontravam e trocavam idéias, na maioria agressivas e contundentes.

Aos dez anos, já acostumado com a mecânica das ruas não me surpreendi ao ser apresentado a um garoto de outro bairro aparentando catorze ou quinze anos, bem vestido, elegante, gentil, bonito, que na verdade terminou sendo meu melhor amigo. O garoto chamava-se J.P. e contou que sua família mudar-se-ia em breve para a cidade, e seu pai pediu que se inteirasse da possibilidade de estudar na escola, a mesma que eu frequentava, acabando por matricular-se lá. Todas as manhãs seu pai pilotando luxuoso carro importado o deixava à porta da escola, despedia-se carinhosamente dele afagando-o e beijando-o amorosamente o que me despertava um certo ciúme, vindo à noitinha buscá-lo, quase sempre em frente a pequena praça perto de minha casa. Entrosou-se muito bem em nossa turma e certa tarde em que seu pai não pôde vir buscá-lo pernoitou em minha casa estreitando os laços de amizade que nos uniam. Após duas semanas, aproveitando um feriado prolongado, J.P. convidou-me para o passar em sua companhia pois seu pai daria uma festinha. Bela residência no bairro Glória no Rio de Janeiro, passamos agradavelmente em festa e extravagâncias meu amigo, eu e mais uma dezena de garotos entre dez e dezesseis anos. Foi a primeira vez que experimentei drogas. Na verdade o homem carinhoso que levava  J.P. para a aula não era seu pai, mas um dos principais traficantes do Rio que matriculava garotos nas escolas para distribuírem o produto. Inicialmente surpreso, medroso e indeciso, aos poucos fui-me acostumando com a realidade de meu amigo e seguidamente aceitava seu convite para passar o fim de semana em sua companhia. Quando me dei conta já era um drogado. Daí para o tráfico foi apenas questão de detalhes.

Aos doze anos eu já era um expert no assunto e assistia J.P. em todos os seus compromissos e andanças, inclusive auxiliando-o nas tarefas escolares. Mesmo sendo mais velho e iniciando o científico havia sempre alguma dificuldade que eu prazerosamente tentava resolver consultando livros, dicionários, enciclopédias, horários, etc. Nessa época éramos tão íntimos que quando ele ficava em minha casa ou eu na dele, após tomarmos nossa cota de cocaína dormíamos juntos, abraçados, pois seu calor, carinho e atenção faziam-me retornar aos meus três anos quando meus avós eram vivos e me tornavam o centro de suas atenções, amor e dedicação. Drogado e nos braços de meu amigo sentia-me mesmo no paraíso.

Nessa época minha casa já havia se tornado o centro de distribuição de Nova Friburgo. A cozinheira ao descobrir que eu era drogado tentou de todas as formas possíveis fazer com que abandonasse o vício e as companhias que segundo ela eram indesejadas. Não conseguindo seu intento, por amor ou dedicação passou a proteger-me, não só aceitando mas aderindo ao trabalho a que me propusera, convencendo o motorista da casa que também era jardineiro e ocasionalmente mordomo a acompanhá-la na empreitada. Assim, pensavam eles, eu estaria mais protegido. Eu usava a suíte que fora de meus avós e nela havia um cofre atrás de um quadro e outro embutido na parede com acesso pela tomada de força do ar condicionado que comportava até dois quilos da droga. Esse cofre secreto eu ainda desconhecia, sendo conhecido apenas pelos meus avós e a velha cozinheira.

Ao completar treze anos, após a festa em que estiveram presentes perto de quarenta garotos todos aliciados no tráfico, fomos informados de um violento tiroteio onde perderam a vida diversas pessoas. Foi uma guerra entre traficantes, diziam as pessoas horrorizadas. Dessa guerra resultou a presença de um belo garotinho de doze anos que veio compartilhar de minha vida.

Minha intimidade com J.P. era tal que ele passou a morar comigo, nos complementando emocional e funcionalmente. Já mais velho, ganhou um carro do traficante, e com o despertar da masculinidade passou a namorar distanciando de nosso afetuoso relacionamento, o que me enchia de ciúmes e tristeza, pois ele representava para mim meus avô, avó, pai, mãe e irmão que nunca tive. O garotinho por ele trazido serviria de companhia quando ele passava fora. Seu nome era M.A.P, e na primeira noite que passamos juntos, após nos picarmos despiu-se e veio para a cama. Desconfiado de sua atitude indaguei se por acaso era bicha, respondendo que nunca havia feito sexo mas dormia assim com seu amigo traficante. Era gostoso ficar nu após a dose de narcótico. Contou-me sua odisséia e disse-me que era irmão de J.P., e quando o irmão descobriu que era viciado e dormia com o traficante ficou desesperado e fez com que seu chefe invadisse a casa dele e o destruísse. Aí então eu entendi a chacina. Havia muita gente no pedaço, disse-me depois J.P., e o chefe resolveu limpar o território. Faz parte do jogo.

                                                                           Continua sexta-feira


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