Ouvindo e deixando a Música entrar...
Atualizado dia 3/13/2011 6:57:01 PM em Espiritualidadepor Eloisa Lopes
Conto uma experiência recente: um dia desses, estava "naqueles dias" de alma cinzenta, meio desanimada, meio vazia (não o vazio criativo...) e, depois de terminar umas atividades, sentei-me na mesinha do meu quarto, meu cantinho de leitura e escrituras, para arrumar e ler um pouco. Era tardinha, acendi a luz da mesinha e, na arrumação, peguei umas fitas-cassete que estavam por ali, daquelas que, segundo meus filhos, já deviam estar morando no museu. Confesso que gosto muito delas, foram tantas que enchiam gavetas e gavetas durante mais de 20 anos, fitas que usava para aulas, oficinas de música, gravações para trabalhos, montagens sonoras, experiências variadas nos tempos das "experimentações koellreuttianas e uaktianas", no aparelho do carro, no gravadorzinho meio fubeca, mas tão companheiro que ainda hoje vive comigo na minha cozinha!
E como fazia um tempinho que não as ouvia - os CDs tomaram conta dos espaços musicais de todos nós - fui conferir. Meu aparelho de som, felizmente, conta com um sistema ainda íntegro para elas. Dei o start para Mozart, Sinfonia Concertante. Som limpo, perfeito. E chega Mozart, inteiro, mágico, trazendo a vida pulsante, vibrante, na bandeja dos sons... Pára tudo, pára tudo, abre, abre espaços, vai, vai, alarga, alarga, fica aí, criatura, presente, inteira, entregue, profundamente grata, seja toda ouvidos, ouça a música da vida...
E assim fiquei, toda ouvidos, presente naquele presente.
"Touching the moment with eternity", diz Sri Aurobindo, é isso, melhor tradução impossível.
Virei a fita e veio o belo concerto para oboé, aquele desenho da sonoridade espiritual e intimista do oboé margeando a alma... Tudo é o mesmo e tudo mudou. Tive muitas e muitas experiências dessas com música ao longo da minha vida. Quem ofereceu a linda energia? Ela! Quem fez o trabalho de acolher e abrir espaços para ela entrar? Eu! Então, esse trabalho conjunto é que faz a coisa, ela e nós.
O poder curativo da música atua na escuta intensa e concentrada. Esse é um tipo de escuta que, junto com um material sonoro de "primeira", pode deslocar entulhos alojados há séculos e fazer o sol brilhar e atravessar nuvens pra lá de escuras... E não é preciso saber "onde" mexeu, se nisso ou naquilo, se atingiu o sacro ou a pineal ou o que mais... Isso ainda carrega os elementos do mental. Na verdade a mexida é no cardíaco, porta de entrada para o ser interno, que é onde interessa.
Rolf Gelewski se refere a isso, quando diz que "ouvir é uma atividade do silêncio, uma vivência da concentração, um abandono-de-si e gesto puro de entrega" e que "essencialmente, ouvir significa abrir-se, receber, e simples e silenciosamente, deixar o recebido entrar em si, lá dentro, despertando ou aquietando, trabalhando, modificando"...
Sou ligada com vários tipos de música, adoro MPB, bossa-nova, dance music (porque adoro dançar...), de Caymmi a Naná, de Uakti a Gil e Caetano, do som do Mawaca a Piazzola e por aí vai... Percebo a conexão entre Se eu quiser falar com Deus de Gil e a Sinfonia Concertante de Mozart , entre o segundo movimento do concerto para piano de Grieg e o Caymmi de "quem vem pra beira do mar, nunca mais quer voltar, ai..." e por aí vai, ai...
E se a gente tirar a música erudita do pedestal, do altar onde ela ficou durante muito tempo e der um carinhoso "alô" ao querido Mozart, ao querido Bach, ao amado Beethoven etc..., a esses puros "canais" da música, a esses mediuns da música, e deixar a música deles trabalhar lá dentro, daquele jeito que Rolf fala, lá dentro, e aí vamos entrando logo atrás nos sulcos abertos por ela em direção a nós mesmos... que lindo trabalho de cura, tão disponível a nós! Vamos juntos?
Texto revisado
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