Servir - Capítulo 8
Atualizado dia 11/12/2010 12:41:12 PM em Espiritualidadepor Satyananda
Não sei quanto fiquei lá, nessa meditação de iniciação, provavelmente entre meia hora a uma hora; o corpo pela primeira vez em meditação ficou rígido a tal ponto que eu abri e fechei os olhos sem que tivesse tido nenhum tipo de descanso. Era exatamente a mesma postura de quando tinha começado. A respiração praticamente parou, o batimento cardíaco foi diminuindo, diminuindo até que eu já não o percebia mais. E aí com um leve toque na testa, senti o dedo do meu mestre sutilmente fazendo círculos em minha testa, em uma das poucas vezes que ele nos tocou e, neste exato momento, eu sai da meditação. Não me lembro mais de ter tocado nele, chegado perto dele, ou encostado em algum pertence dele, havia um respeito ímpar de todos nós em relação à figura daquele servo. E nesse dia, mais que nos outros dias, eu tinha me perdido, o ego tinha morrido e eu tinha me esquecido de mim mesmo, de uma idéia pessoal, de uma noção de mundo; não havia mais desejo, vontade, nem o anseio principal de servir, aquilo do monge franciscano do início dessa história de autoconhecimento.
Levantei daquele transe, caminhei de volta ao vestiário, ganhei um manto branco de algodão que veio acompanhado de um convite para poder frequentar esse ashram quando os discípulos se reuniam, aos sábados a partir das 15h até umas 21h e nos domingos de manhã bem cedo. Chegávamos lá antes do amanhecer, por volta das 4 da manhã e ficávamos lá até o meio-dia junto com ele, recitando mantras e meditando.
A semana passou como o vento e o primeiro contato com todos os outros discípulos foi como o de uma criança chegando à escola no primeiro dia. Naquele ashram, a gente não entrava em contato com nenhuma figura feminina porque o nosso dia era diferente do das mães, como nós chamávamos a forma de manifestação feminina... toda mulher era chamada de mãe, não importava se estivesse em um corpo de menina com 5 anos ou no corpo de uma anciã, olhávamos sempre apenas do joelho para baixo ou somente nos olhos. Preocupávamos-nos mais com o olhar e com os gestos do que com a própria forma; raríssimas vezes eu vi um monge prestando atenção à forma, ou olhando para alguma coisa que não fosse a ação que deveria ser feita no encontro de um com o outro ou do pedido de um para com o outro. Havia um respeito ímpar e até hoje tenho dificuldade em conviver com as pessoas do mundo por conta desse paraíso, que era como nós chamávamos esse lugar de encontro entre os discípulos.
Era uma disciplina que nos envolvia o tempo inteiro, uma prática sem mestre, sem pedido, só pela convivência, cada um percebia no outro o que tinha que fazer e simplesmente fazia, o chão se mantinha limpo, as paredes limpas e bem cuidadas, as flores bem cuidadas, o perfume dos ambientes era sempre sensível... sem exagero nos gestos, nas falas, em nada...
Nesse dia, toquei a campainha fui recebido, subi a escada e fiquei sentado sem olhar para as pessoas, simplesmente percebendo sorrisos gentis, um “shanti prem hare om”, que era como os monges se cumprimentavam e que significa paz, amor, e uma saudação a uma forma de manifestação de Deus, que é o som de Deus, o verbo divino, que o ocidental chama de OM ou AUM, um som que em pouquíssimo tempo o yogi já ouve dentro dele, um som interno, um zumbido interno: é o pranava, tem sete variações distintas e nós éramos aconselhados a trabalhar essa leitura até o momento em que esse som saísse exatamente igual nos dois ouvidos e até hoje esse som nos acompanha quando fechamos os olhos, sinal de que se tudo está em harmonia.
E lá, de cabeça baixa esperando ser convidado para trabalhar. É fantástico entender que o convite para o trabalho -qualquer ação que o corpo venha a fazer-, na verdade, é um convite para a iluminação e mais fascinante ainda é entender que não importa se você vai cuidar do jardim, lavar o chão, se vai recepcionar as pessoas no primeiro dia -uma honra enorme-, ou simplesmente vai limpar o banheiro para essas pessoas, abrir a porta para essas pessoas. Qualquer situação era muito agradável.
Nesse dia, vendo e ouvindo todos esses monges passando, um deles, que se chamava Mokunda (o nome do Krishna adulto e também o nome do Paramahansa Yogananda, se não me falha a memória), um ser de uma gentileza enorme pelo qual tinha um enorme carinho, tocou no meu ombro, me pegou e falou para eu ir até um bonito tapete verde -até então eu era um simples aluno-, e me colocou sentado à sua direita. Nós nos sentávamos em círculo, em uma sala grande, com aquelas dimensões que nós já descrevemos, onde à nossa esquerda ficava o circulo das mães, e na frente o círculo dos pais.
À nossa direita ficava o mestre, Mahakrishna Swami, e lá na outra ponta ficava a Mãe Sutra, sempre gentil, mas definitivamente enérgica.
Esse foi o meu primeiro contato com ela, levantei meus olhos, olhei para ela e ela sorriu para mim; então, olhei para todos os outros discípulos, para as mães e elas olharam e deram um sorriso de criança, um sorriso de gentileza que dava para perceber um som escondido de “seja bem-vindo”.
Fechei os olhos -eu era muito tímido e não queria de forma nenhuma incomodar ninguém com o meu olhar-, e abaixei um pouco a cabeça quando meu mestre apareceu; sempre que entrava na sala, qualquer tipo de ruído silenciava; era recebido sem nenhum gesto e sem movimentos.
Ao passar por mim tocou na minha testa, levantou minha cabeça para ficar numa postura mais ereta, sentou-se, sorriu e proferiu aquele tão familiar: “Shanti prem hare om”, recitou o mantra Gayatre, uma saudação a Shiva, falou com todos os Mestres e começou a vida prática de um monge... entender a alma se diluindo, a manifestação do espírito, a nossa natureza eterna. É exatamente esta a morada de uma sensação ininterrupta que envolve o conhecimento do que é a vida na Terra, o que nós estamos fazendo aqui e para que serve todo esse trabalho, que na Índia é chamado de Samsara, roda da vida, mundo das ilusões...
Capítulo 7
Capítulo 9
Texto revisado
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