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A arte de atravessar fronteiras

Atualizado dia 25/09/2014 14:53:50 em Psicologia
por Anna Karina de Pontes Leite


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 Para quem me conhece, sabe que uma das profissões que mais admiro é a do professor apaixonado pelo que faz. Que se entrega na arte de ensinar e aprender, continuamente, sintonia de mente e coração. Que é mestre do que sabe, construtor do que ousa saber... Por isso e por admirá-los trago meu último trabalho, reflexões dentro da psicologia escolar com referência de um livro e um filme a seguir.

LAGRAVENESE, R. O filme: Escritores da Liberdade. Alemanha/EUA, 2007 Drama, 122 minutos. Estúdio Paramount Pictures.

MARINHO, C. M. A. & ALMEIDA, S. F. C. de. Professor e Escola: trabalho e profissão. In.: ALMEIDA, S. F. C. Psicologia Escolar: Construção e Consolidação da Identidade Profissional. 2ª edição. Campinas-SP: Editora Alínea, 2008. p. 39-54.

A proposta deste trabalho é estabelecer os “pontos de encontro” entre o capítulo três do livro e o filme assistido em sala de aula. Para realizar a tarefa, decidimos recorrer inicialmente aos pontos relevantes que chamam a atenção do texto e traz de maneira bastante elucidativa a natureza do trabalho docente, suas implicações a partir da formação profissional, contexto político institucional, desempenho e subjetividade do professor.  Marinho & Almeida (2008) cita Kruppa (1994) quando este indica o saber e o poder do professor como elementos básicos que se correlacionam, aproximando-se e se distanciando em seu exercício profissional. Por estar subentendido que o docente detém o saber, isso implica como resultado o poder, sendo o mesmo utilizado para favorecer ou dificultar o exercício da educação quando socializado com os alunos. Para isso, além de saber o que se conhece, deve-se aprender e desenvolver o pensamento crítico, contextualizado e dinâmico, com prática argumentativa e habilidade na interpretação.

No filme proposto, temos a história da professora Erin Gruwell, com pouca prática em lecionar, porém, sensível à realidade que se apresenta à sua volta, a partir da observação, reconstrói sua aula convencional em uma nova forma de ensinar. Faz parte de um Programa Institucional que propõe a reintegração no ambiente escolar de adolescentes com origens raciais diferentes, em situação de vulnerabilidade social, muitos deles provenientes de reformatórios para menores infratores, participantes de gangues de rua, envolvimento com furtos e homicídios. São grupos bem definidos que não se misturam nem interagem dentro da própria sala de aula.  A professora a partir de uma visão apurada da situação, com muita criatividade e força de vontade, inicia um processo de socialização entre os jovens.
Com “brincadeiras” que os estimulam a atravessar as fronteiras criadas entre eles e até mesmo em relação a ela própria, vai ressignificando os espaços, superando os estigmas herdados por gerações inteiras de preconceito e rompimento de relações sociais.  É um processo bonito de assistir, a construção de novos olhares através da ampliação do saber de outros momentos históricos de segregações que representaram perdas enormes para a humanidade. O holocausto é utilizado para exemplificar, no filme, a dureza criada pela visão preconceituosa a respeito do semelhante. A professora, com maestria, toca o sentimento e a humanidade de cada jovem que almeja paz, mesmo vivenciando em seu cotidiano a guerra. A estes jovens ela não oferece apenas o que foi dito ou vivido historicamente, mas acima de tudo, pede para que eles falem, reescrevam suas próprias histórias, dando-lhes o ouvido para escutá-los. Poderiam a partir daquelas aulas escolher novos caminhos e não repetir como um eco surdo a história dos que os antecederam.

Ao voltarmos ao texto, observamos a regulamentação profissional do professor no Brasil, com reconhecimento de seus direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, que passou a exigir concurso público para o preenchimento de pessoal nos quadros de docência nas instâncias do Governo. A luta da classe serviu também para estabelecer oportunidades de acordos e pactos nacionais, plano de cargos e carreiras, garantindo recursos significativos de investimento à educação continuada deste profissional no exercício de suas funções, aprimorando sua identidade. Este processo gera duas vertentes, o professor está entre aquele que se aprimora para exercer dignamente o que a sociedade espera dele, mas por outro lado, tem sua vida pessoal, sua subjetividade, suas crenças e histórias pessoais. Nesta vertente, a maneira como o educador realiza seu trabalho está diretamente relacionada à sua maneira de ser e ao seu momento de vida.

No filme, podemos vislumbrar este momento quando a professora se dispõe a doar-se por inteiro alegando ainda não ter filhos e inclusive incentivando o marido em buscar o mesmo, a se dedicar a sua carreira e a seus sonhos. Ele não suporta compartilhar daquele momento e sente-se até inferiorizado, abandonado, recusando-se a participar e pede o divórcio. Seu pai também a desestimula inicialmente, dizendo para não ir contra as regras e que deveria manter o emprego até alcançar uma situação mais vantajosa. Pai e marido: figuras de grande influência na vida da jovem professora. Ela, embora triste, consegue superar o rompimento do casamento e reverter a posição do pai quanto à maneira de ensinar àqueles alunos, transforma-o, inclusive, em um aliado nas excursões e passeios que realiza extraclasse. Superar a perda do seu amor sem colocar-se como vítima, resignificando a relação dela com o pai.

Continuamos no texto que traz a importância das áreas de Sociologia e Psicologia na vida profissional do educador. Este é o sujeito ativo, vivendo numa sociedade contraditória, de valores diversos, de um sistema sócio-econômico que muitas vezes propaga um discurso, mas atrofia-se diante da máquina política administrativa. Existem sujeitos de todos os tipos e formação. Há aqueles que se sentem ameaçados e não querem sair da “zona de conforto” e aqueles que favorecem a quebra de paradigmas; há os que deixaram de acreditar nas transformações inerentes no que tange as relações humanas e suas organizações e os que ousam arriscar e fazer diferente. Pode-se optar em estagnar em seu meio, propagando a idéia de que é impossível mudar e acreditar num novo jeito de fazer as coisas, pois o mundo do trabalho exige o tempo todo mais dinamismo, maior capacidade de resiliência, mudança de estratégia, adequação a novas tecnologias, agilidade com maior competitividade e distanciamento entre as pessoas.

 Também é citado por Marinho & Almeida (2008), o burnout, síndrome pesquisada segundo as autoras, por Codo e Vasques- Menezes (1999), que vem afetando os professores, colocando-os numa posição de desânimo, sensação de incapacidade, cansaço e desesperança diante das situações cotidianas da Instituição escolar. Psicologicamente afetados, os sujeitos sentem-se divididos entre a satisfação e a desmotivação, a “desistência” e o compromisso, onde a escuta clínica de um psicólogo poderá servir de auxílio para que este professor consiga confrontar-se consigo mesmo e observar, reestruturar, escolher um novo caminho para seguir em frente. O psicólogo escolar serve de mediador entre os atores deste processo, onde a conscientização é necessária como meio de crescimento e aceitação das mudanças.

O filme não traz o psicólogo como colaborador das conquistas de uma nova maneira de estabelecer o ensino- aprendizagem, porém, está implícito que é através da autossuperação da professora, dos desafios enfrentados, da disposição em ajudar aqueles jovens, que ela estabelece um vínculo de respeito, amizade, confiança que vai além da sala de aula e opera mudanças nas vidas daqueles adolescentes.

O filme é uma oportunidade, principalmente por basear-se em relatos da vida real, que mesmo em situações aparentemente desfavoráveis a capacidade de provocar reflexões é possível. Se o contexto devastador da pobreza e do descaso pode impedir uma comunidade a se desenvolver, este mesmo contexto pode servir de mola para saltos que almejem novas realidades. O conhecimento e a informação podem ser ferramentas utilizadas como pontes e não como entraves. A professora desperta em cada um o que todos indistintamente mais desejam – a paz, a alegria, o afeto. Ela consegue tocá-los pela humanização das relações, a reconhecer o semelhante mesmo sendo ele tão diferente. É na humanidade que somos iguais e almejamos ser felizes. Pretendemos construir uma família, sermos aceitos socialmente, respeitados em nossos direitos. É na humanidade que aqueles jovens se descobrem jovens ainda, tão vividos e tão doídos, mas que ao atravessar as fronteiras do preconceito mútuo, descobrem do outro lado um significado novo para a palavra, o gesto e o sentido. Ao darmos amor, receberemos amor mais cedo ou mais tarde e como conseqüência de nossa ousadia, receberemos a conquista de estarmos em paz com nossa própria consciência e identidade.

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Conteúdo desenvolvido por: Anna Karina de Pontes Leite   
Terapeuta Floral.
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