A sacola que carregamos
Autor Carolina Luz de Souza
Assunto PsicologiaAtualizado em 01/07/2009 17:32:24
A sabedoria popular muitas vezes é expressa em máximas e histórias que nos acompanham através de gerações e tem muito a nos ensinar. Muitas vezes não percebemos o quanto essas histórias são profundas e como estão conectadas conosco.
A história que contarei a seguir é atribuída à sabedoria budista mas ela poderia ter sido criada em qualquer civilização, em qualquer era, pois trata de assuntos relacionados à alma humana.
Sem mais delongas, vamos a ela:
Conta-se que os discípulos de Buda deveriam ficar longe de todas as tentações desse mundo para que pudessem alcançar a iluminação. Uma das proibições aceitas por tais discípulos era a de travar conversação ou mesmo encostar em uma mulher, para que não cedesse à tentação da luxúria.
Uma tarde, caminhavam pelas campinas dois dos discípulos mais ferrenhos. Estavam justamente indo ter um encontro com o Mestre. No meio do caminho, passaram por um caudaloso rio cuja ponte encontrava-se quebrada. Para continuar seu caminho, deveriam atravessá-lo a nado. Dispuseram-se a tal empreitada e eis que encontram uma mulher no meio do rio lutando para manter-se a tona. Ela carregava uma trouxa de roupas na cabeça e, quando viu os discípulos de Buda, suplicou sua ajuda. O discípulo mais velho ignorou a moça terminantemente porque se lembrava muito bem de suas proibições. O outro, no entando, mais novo e com o coração ainda não contaminado pelas mazelas deste mundo, decidiu ajudá-la. Carregou a mulher e sua trouxa de roupa para o outro lado do rio, para horror de seu companheiro. Chegando na outra margem, a mulher caiu-lhe aos pés, beijando-os em forma de agradecimento. Seguiram seu caminho. O discípulo mais velho não conseguia entender a atitude do outro. Por toda a viagem até seu destino, o homem ministrou um grande sermão sobre a forma como o outro havia quebrado seus votos carregando aquela mulher através do rio. Como suas mãos haviam tocado-lhe a carne, como os lábios dela haviam roçado-lhe os pés e como ele seria provavelmente expulso da ordem por tal comportamento vil. O discípulo mais novo apenas escutava sem nada dizer. Quando finalmente chegaram ao seu destino e se viram diante do próprio Buda, o discípulo mais velho não se conteve e contou ao Mestre o ocorrido. "Ele a carregou mestre, tocou-lhe". Buda, em sua grande sabedoria, olhou seus discípulos com compaixão e exclamou: "Ele carregou a mulher até a outra margem do rio. Você a carrega consigo até agora!"
Essa história nos mostra que muitas vezes temos sentimentos que consideramos errados e procuramos não agir, reprimindo-os. Deixamos de pensar nesses sentimentos e fingimos que não os temos. Como o discípulo mais velho, escondemo-nos atrás de convenções sociais e daquilo que consideramos mais adequados e esquecemos que esses sentimentos e impulsos também fazem parte de nós. Mas aquilo que é reprimido não some simplesmente. Em nossa psique, esses sentimentos que não queremos encarar continuam atuando mesmo que não nos demos conta. Eles fazem parte do que Carl Gustav Jung denominou Sombra. A sombra constitui-se de todos aqueles impulsos, sentimentos e experiências que, sob nosso ponto de vista, são errados. É tudo aquilo que não queremos ser ou sentir. Mas, mesmo reprimidos, esses conteúdos continuam carregados energéticamente, porque é preciso muita energia psíquica para repimi-los. Acontece que, vez ou outra, esses conteúdos escapam da repressão e invadem nossa consciência. É nessa hora que nos pegando falando coisas que não queríamos, magoando outras pessoas, fazendo fofocas mesmo quando sempre nos consideramos acima desse tipo de ato. A sombra é como uma grande sacola, ou uma trouxa de roupas que carregamos às nossas costas. Quanto mais verdades sobre nós mesmos queremos reprimir, maior e mais pesada fica essa sacola, causando-nos mais trabalho e demandando mais energia para carregá-la. Como o discípulo mais velho, carregamos a "mulher" por toda a vida, porque não nos demos conta de nossos desejos e anseios e preferimos fingir que não existiam.
A saída para essa situação não é sair agindo como bem entender e atuar todos esses desejos. Para não negá-los, perceber sua importância em nossa vida é de vital importância. Aquela agressividade que você acredita não estar de acordo com sua personalidade calma e cordata pode, se bem empregada, ajudá-lo a conquistar suas metas já que, para colocarmos qualquer plano em ação, precisamos de uma certa dose de agressividade. Aquela inveja causticante que você finge não sentir pode, se analisada, ajudá-lo a perceber o que está faltando em sua vida, onde o seu desejo está localizado para que você possa trazer para si aquilo que lhe falta e lhe desperta a inveja. Sentimentos não são bons nem maus, primariamente. A forma de colocá-los em ação vai implicar em consequências.
Portanto, em vez de reprimirmos nossos desejos e sentimentos mais secretos como fez o discípulo mais velho, passemos a encará-los de frente e entender o que eles significam. Assim, poderemos reconhecê-los antes que nos tomem de assalto e estaremos em melhores condições de, como o discípulo mais novo, agir eticamente. Por mais luxúria que ele pudesse ter sentido, transformou esse sentimento num ato de compaixão e amor ao próximo quando ajudou a pobre mulher. E, como reconheceu seus sentimentos, deixou-a na outra margem do rio e seguiu em paz seu caminho.
Paz e luz a todos!
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