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Dor aguda, dor crônica e o gemido - uma leitura psicanalítica

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Autor BARBARA DIERKERS BOESEL

Assunto Psicologia
Atualizado em 1/16/2017 7:10:08 PM


“Nem todo aquele que está sofrendo busca alívio para sua dor.” Parece absurdo, mas é real. Será a dor e o gemido uma forma inconsciente do paciente provar a si mesmo a continuidade de sua existência? A partir do gemido escuta-se e incomoda os outros para sentir-se vivo – prova cabal da existência que perdura – a vida ainda pulsa, pois os resultados são verdadeiros. A ladainha do gemido traz um significante quase ecumênico de existência. Ao mesmo tempo que denota uma sensação de submissão e assujeitamento, existe a constatação de que “se ainda me ouvem é porque não morri. Se ainda dói é porque estou vivo ”. A dor é a prova de que o corpo existe e é capaz de sentir, ter desejos e atuar. Ainda existe vida pulsando e é possível senti-la porque dói.

Porém, sentir não é suficiente. É preciso ter expressão e certeza de que isso é verdade e não uma fantasia. Somente a partir da percepção do outro sobre as minhas atitudes, posso admitir de forma inequívoca que ainda estou vivo. O lamento vocaliza então a abstração da dor que não cessa e dessa forma a lógica é a de que a vida não cesse. “Enquanto houver dor, haverá corpo. Enquanto houver voz, haverá vida”. O lamento para se escutar e a dor para se sentir. Garantia ilusória de controle da própria finitude, ainda que através do sofrimento gozoso, apesar de legítimo.

A impressão que segue é a de que o paciente sente-se sujeito a partir da constatação da dor e daí a necessidade de vocalização desta, como modo de expressão social. Me parece que desta forma ocorre o gozo na dor. Gozo este que se liga ao gemido do bebê que um dia foi e a partir dali sentiu-se aos poucos reconhecido como sujeito. O gozo primordial e primitivo do gemido da relação sexual de seus pais e que lhe deu origem. O gozo da atenção parental quando de seus gemidos ao machucar-se ainda criança e sentir-ser acolhido e reconhecido em seguida. Sua dor era autorizada. A dor gera então uma falsa sensação de prazer vinculada à própria existência – “se sinto dor, logo existo”. Como então livrar-se dela, se á a partir dela e com ela que a própria existência é provada?

Essa mesma pulsão invertida passa em algum momento a ditar a ordem de que sem dor não se vive. E o indivíduo passa então a depender desse estado para sentir-se parte integrante do mundo e a tentativa de diminuir a dor pode passar a falsa sensação de que a vida também está diminuindo. Sendo assim, quanto mais dor, mais gemidos e, fantasiosamente, mais vida.

E não será assim com todas as dores crônicas, sejam elas emocionais, sociais ou físicas? Talvez o psiquismo já tão anestesiado pelas dores da vida, tenha a necessidade de senti-la constantemente para constatar que continua existindo apesar de tudo. E não seria a dor crônica a somatização de diversas pequenas dores da alma ainda não tratadas? E qual seria a primeira delas – a dor original? A dor ligada ao som do que é dito, da voz humana e do sentimento que ela desperta, no incômodo que ela traz e na fixação daquele conteúdo.

O parto, repleto de crenças limitantes sobre dores insuportáveis – “a maior dor que se pode ter” – assusta os pais daquele bebê que tem seu psiquismo formado com essa informação. A dor que gera vida. A dor que “vale a pena”. A gravidez, não menos pontuada por incômodos e mal-estares que chamam a atenção para a mãe e, consequentemente, para o bebê. Portanto sentir dor pode ter uma leitura invertida de vida devido a vários fatores e cenas anteriores até mesmo ao nascimento, que ele próprio vem de uma dor e gemidos que trazem vida, felicidade e amor.

Dessa forma é possível sim que haja uma interpretação equivocada no registro de dor no indivíduo. É como se o gemido fosse a forma encontrada para expressar a palavra não dita. A forma do coração comunicar o indizível. Aquilo que não possui palavras correspondentes para expressar é abstração e é amor. E a expressão do amor caracteriza o sujeito. Então o gemido é a forma de vocalização encontrada pelo indivíduo que não consegue definir o que sente. A maneira que o indivíduo encontra de tornar-se sujeito é através do gemido, do lamento, da ladainha incessante que permite que o vejam e que o escutem. O indizível torna-se gemido para expressar uma sensação em uma lógica primitiva. Então o som é proferido como uma válvula de escape do amor primordial. E o indivíduo faz a tentativa de se expressar como sujeito encontrando um significante para aquele espaço que ficou vazio. Ele enfim nomeia através de sons aquilo que lhe causa dor e amor.

Podemos observar que ambos são os momentos em que o gemido se faz presente. Na dor e no amor, na tentativa de nomear aquilo que é sentido. E o incômodo se dá pela percepção da dor e do amor não expressos pelo outro. O gemido é aquilo que escapa, assim como o suspiro, a tosse, o espirro. Todos representações do sentimento sobre o que deixou de ser expresso desde o momento em que existimos, ainda que sem compreensão e consciência. O gemido é o compartilhamento daquilo que se sente. Se a sensação é de incômodo, o que ou quem estaria na raiz dessa experiência? O gemido incessante da dor incessante do incômodo incessante criando uma cadeia de impulsos e resultados incessantes.

E quantos gemidos mudos podemos observar nos olhares de uma enfermaria ou UTI? O gemido quase inaudível do bebezinho que não tem força para encher seus pulmões de ar, mas que sabe que precisa chorar para ser ouvido e atendido. E o que é o choro senão um gemido mais denso, mais carregado de catarse? O gemido que vira choro, gritos, urros... é um pedido desesperado de ajuda.

É o crescente do ser humano que necessita reconhecer-se sujeito de sua história até que aos poucos perceba que sim, é possível tornar-se sujeito dentro de uma comunicação saudável, com os papéis parentais em seus devidos lugares. Dessa forma, é possível compreender a atitude, ainda que inconsciente, de boicote a tratamentos de dor. É a tentativa, talvez a última esperança de quem já se sabe gravemente enfermo.

Cabe ao psicanalista, portanto, ser o ouvido acolhedor daquele que precisa terminantemente se expressar e atenuar sua dor.


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Conteúdo desenvolvido pelo Autor BARBARA DIERKERS BOESEL   
Psicanalista, Psicoembrióloga e Coach de Desenvolvimento Pessoal em Luto, Separação e Perdas Contato: 11 98601 8400 Claro / Whatsapp Skype: barbara.boesel
E-mail: [email protected] | Mais artigos.

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