Meu filho, meu mestre
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Autor Alex Possato
Assunto PsicologiaAtualizado em 24/07/2013 12:16:07
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Meu filho deixou seu quarto emprego. Este ano. Foi mandado embora. Uma das razões mais claras é pelo atraso. Todo dia atrasado. Muitos minutos. Às vezes, horas. Sim, ele tem o hábito de chegar atrasado. Como estudo os padrões da mente humana, já havia falado para ele que isso iria acontecer. Porque todo hábito que temos tem uma razão, e esta razão é sempre benéfica para nós. Nunca fazemos algo onde não tenhamos ganhos.
Que ele iria (e irá - falei isso para ele, hoje) perder todos os empregos se continuar com o mesmo hábito, é uma realidade. A grande pergunta é: qual o motivo que me leva a tomar as mesmas atitudes, que consequentemente, atingem sempre os mesmos resultados?
Os atrasos dele me fez ver um outro hábito, desta vez, meu. Acho que tudo, absolutamente tudo o que ocorre na vida é uma sucessão de encaixes, onde todos estamos aprendendo e ensinando, como se estivéssemos mergulhados num gigantesco quebra-cabeças sistêmico.
Mesmo sabendo que ele seria demitido, nas últimas três vezes fiquei muito chateado. Nervoso, dei lições de moral horas e horas. Um hábito que tenho desde que ele era pequenininho. Aí aplico a mesma lógica: mesmo hábito, mesmos resultados. Minha lição de moral não estava resultando em nenhum efeito. Como mudar isso? Como posso fazer diferente?
Para mudar um padrão, faça diferente
O que eu ganho dando lição de moral a torto e a direito? Bem... tive que ser bem honesto comigo mesmo. E percebi que eu ganho uma sensação de superioridade. Eu sou melhor que você! Eu sei e você não sabe! Eu faço o melhor como pai, e você não reconhece, filho ingrato! Por tabela, percebi que me acho melhor que meu pai, que não cuidou de mim. Ops... Isso é uma atitude bem arrogante e incoerente com alguém que prega que somos todos um. Sei que um filho, devemos educar. Mas lição de moral é educação? E mesmo que fosse, se não dá resultado, adianta alguma coisa?
Desta vez, resolvi sentar. Como já fiz dezenas de vezes. Porém, sem confrontá-lo nem condená-lo por antecipação. E me colocar como um igual. Foi difícil e tive que me esforçar por permanecer imparcial. Assim, percebi que as coisas que eu reclamo dele - atraso, indisciplina e falta de comprometimento - são pontos onde eu também falho. Do meu jeito, dentro das coisas onde eu sou responsável. Mas eu sou igual. E com a mesma violência que eu combatia os supostos "erros" dele, eu combatia os meus "erros". Mas eu também vivo pregando que não existe nada errado. Somos uma somatória de condicionamentos que aprendemos com a nossa família.
Lembro-me que vovó também dizia que eu era indolente. Um verdadeiro sabonete. Desobedecia com maestria. E realmente eu era assim. Nunca aceitei ordens dos superiores. Ou se aceitava, era por absoluta falta de coragem de confrontá-los. Assim fui crescendo, e percebendo que todos os superiores tem razão. Papai, com seus vícios e defeitos, tinha razão. Mamãe, com suas neuras e incoerências, tinha razão. Vovó, com sua dureza e inflexibilidade, tinha razão. Vovô, com seu jeito aparentemente doce, mas que não se posicionava de jeito nenhum, tinha razão. Meus professores, todos eles, tinham razão. Chefes, donos de empresa, mestres, padres, políticos, polícia, todos os superiores, têm razão.
Não importa o que eles digam, quem sou eu para confrontá-los? O que eu penso que sou? Melhor? Sim... eu penso que sou melhor. Mas ao perceber isso, pude ver que este também é um hábito que aprendi com meus pais e antepassados. A falta de respeito e reverência pelos superiores. E eu não preciso mais repetir este hábito.
Educar é ser um exemplo amoroso - e amor é leve e livre
Eu não tenho o dom de mudar o mundo. Não tenho o dom de mudar nem meu filho. Mas posso mudar meus hábitos. E a partir disso, conseguir outros resultados. Busco viver a partir do amor. E aprendo, com meu caminho espiritual e com a terapia de constelação familiar, que onde não há conflito, a sensação é leve e livre.
Ao condenar meu filho, sempre senti peso, raiva, confronto. No fundo, estava condenando a mim mesmo. Jesus dizia para dar a outra face. Hoje de manhã acordei com a sensação de que "dar a outra face" é o mesmo que ahimsa, que é a qualidade de estar em conformidade com as coisas como elas são, e mesmo assim, manter ação objetiva.
Não sei se fui claro: quando Gandhi revolucionou a Índia sem disparar um tiro,ele tinha uma intenção em mente. Libertar o país da colonização inglesa. Porém, a caminhada que ele fez não era de confronto, mas sim, de exposição da sua intenção. Traduzindo para o dia a dia: eu posso mostrar ao meu filho o que acho, e não necessito confrontá-lo. Eu nem necessito que ele faça o que eu mostro. Eu posso mostrar novamente. É a atitude de um professor que, diante de quarenta alunos, está aberto para os que entendem completamente o que foi ensinado, os que entendem mais ou menos e os que não entendem nada. E tudo bem. Todos e tudo faz parte.
É muito difícil fazer isso - vivo isso na pele. E quando consigo fazer assim, percebo que foi a atitude mais leve, que me conduziu à liberdade. Senti-me bem, agindo dessa forma. Mas repito: não é uma atitude fácil. Lógico que quem se observa, percebe as próprias resistências, as próprias cobranças, as próprias neuras - e então, fica difícil jogar a culpa no filho (ou seja lá em quem a gente reclama). Deus colocou as pessoas em nossa volta exatamente para que sirvam de teste para despertar nosso amor. É no que acredito. Neste sentido, meu filho é meu mestre. Namastê!
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Terapeuta sistêmico e trainer de cursos de formação em constelação familiar sistêmica E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |