O ciclo narcísico
Atualizado dia 5/15/2023 10:10:09 PM em Psicologiapor Andrea Pavlo
Quando falei ao telefone que tinha arrumado um emprego numa outra cidade ele disse “Aí sim, agora você entendeu o que eu sempre falei que você precisava fazer”, com um leve sorriso na voz. Era um final de tarde e eu estava voltando para casa, na fila da balsa de Santos. O nosso relacionamento entraria, a partir dali, no quinto ciclo narcísico, mas eu não sabia disso. Só pensava, feliz da vida, “finalmente ele está voltando”.
Depois desse quase elogio vieram outros. Sempre meio superficiais, mas o que realmente me chamava a atenção eram as promessas. Quem sabe não vamos morar juntos nessa sua nova cidade? E se viajássemos juntos? Ou comprássemos uma casa, eu sempre quis morar na praia. As promessas nunca eram claras, eram mais como uma ideia que ele tinha acabado de ter e que o tinha animado. Eu me agarrava aquilo... e se formos jantar naquele restaurante que você gosta e se, e se, e se...e os “ses” nunca aconteciam.
Essa é a primeira etapa do ciclo do narcisismo, o bombardeio de amor. O momento das promessas. Podem ser promessas claras ou não. Pode ser que a pessoa prometa que vai mudar, que vai parar de trair, que vão fazer coisas que você sempre quis juntos. Pode ter uma ideia de felizes para sempre.
Nos primeiros bombardeios de amor dele tinha tudo: bons restaurantes, viagens, abrir a porta do carro. Até o primeiro beijo foi dado no exato momento em que Ed Sheran lançava a sua mundialmente famosa “Perfect”. Tudo era perfeito, sem defeitos, sem problemas. Ele era tudo o que uma menina criada por uma mãe narcisista queria. O alecrim dourado. O presentinho de Deus.
“Então... você precisa entender o meu jeito. No final, você vive a sua vida e eu vivo a minha”. A frase também veio com um sorriso na voz, mas aqui foi sarcástico, quase hilário. Eu tinha acabado de falar que tinha ficado muito triste com uma frase dele, na noite anterior. Ele havia dado a entender – sempre dando a entender as coisas – que um relacionamento mais sério entre nós não era possível. “Olha, não tem necessidade disso”. A ideia era: não sei por que você pensa em futuro. Que bobagem... antes eu tinha ouvido um “É, eu vi que você ficou triste”, de novo com o sorriso na voz.
Essa é a fase da desvalorização. Quando o narcisista precisa te “colocar no seu lugar”. As promessas, restaurantes e portas abertas se fecham. Ele não pode, não tem tempo, tem problemas com o trabalho ou os filhos. Ele estava sempre indisponível e eu sempre desesperada. Não tinha Dia dos Namorados ou dia de aniversário. Tudo era feito de maneira mecânica. Um dia, ele foi me visitar na tal cidade e eu tive uma notícia horrível (de outro assunto). Ele ia voltar para a cidade dele, mas decidiu ficar. Eu achei que era porque ele queria me dar um suporte emocional, mas, depois soube, era só para se divertir. O dia passou arrastado, sem um abraço sequer... era só para ficar ali, observando o meu sofrimento.
Mas na fase de desvalorização o narcisista não some. Ele fica por perto e te lota de pensamentos ruins. Coloca em você medo, instala gatilhos. Você passa a ser feia “fica estranha sem maquiagem”, “acha que vou sair com você com essa roupa?”. Na desvalorização, ele ou ela não vão perder o tempo deles com você.
Quando perguntei, meses depois, por que ele não me avisou (havíamos nos encontrado no meio da pandemia, ele pegou Covid e teve os sintomas 3 dias depois de me ver) eu ouvi um “você acha que eu tenho que dar satisfação da minha vida para você?" Era só o que me faltava”.Tentei argumentar que ele precisava me avisar porque ele poderia ter me passado Covid. A crueldade do descarte foi insana “nem sei se não foi você que me passou essa porcaria”.
Descarte. A última e derradeira etapa. Não, não é a derradeira porque o narcisista vai recomeçar esse ciclo em algum momento. Mas é o momento em que ele simplesmente desaparece. Some, sem deixar vestígios. Se ele não te bloqueia passa a não responder suas mensagens ou é extremamente frio. Não tem tempo, está sempre “na correria”. Tem sempre uma lista de 100 coisas mais importantes do que estar com você, que passam até por comprar papel higiênico. O lugar da sensação de desespero e morte para a vítima.
Perdi a conta do número de noites que passei sem dormir por causa dele. Do sofrimento que ele me fazia passar. Não tinha nada que eu dissesse ou fizesse que mudasse as coisas. E eu, como uma boa menina codependente, voltaria eu mesma a procurá-lo. Quando eu estava em bons relacionamentos ele voltava. Dando a entender que o meu eu atual não me merecia, que era fraco, não era como ele. Ele faria as coisas diferentes. O que eles querem é só te derrubar e sorrir.
O narcisista não se diverte assistindo TV ou fazendo uma viagem. Eles não dão a mínima para isso. Geralmente o ciclo de amizades e lazer do narcisista é bem estreito, tem poucos interesses e geralmente são fugazes e superficiais. Mas quando se trata de achar uma vítima no jeito, pronta para ser deglutida, aí sim... diversão pura. Sorriso na voz dele e choro na sua.
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Conteúdo desenvolvido por: Andrea Pavlo Psicoterapeuta, taróloga e numeróloga, comecei minhas explorações sobre espiritualidade e autoconhecimento aos 11 anos. Estudei psicologia, publicidade, artes, coaching e várias outras áreas que passam pelo desenvolvimento humano, usando várias técnicas para ajudar as mulheres a se amarem e alcançarem uma vida de deusa. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |