O VELHO na SOCIEDADE
Atualizado dia 02/10/2008 01:09:30 em Psicologiapor Elena Mara de Oliveira Ramos
A vida cumpre ciclos. Por todo tempo morremos e renascemos, mas muitas vezes nosso temor, nossa angústia essencial de caminharmos para uma completude e finalização não nos permite identificar com clareza os ciclos no dia-a-dia. Afastando-nos da consciência de nossos términos entramos na frenética efervescência do viver sem parar.
A todo instante recebemos informações subliminares de que não podemos e nem devemos parar, sob risco de ficarmos para trás socialmente. As informações se processam rapidamente no mundo globalizado, corremos o mundo em frações de segundos no alcance de nossos dedos na internet. Contemplação, parada obrigatória para perceber-se como ser vivente, é algo que fica reservada para poucos que possuem a coragem de romper com os padrões estimulados pela sociedade moderna como ações de sucesso.
Podemos através de algumas escolhas saudáveis para o viver, prolongar e adquirir uma qualidade da vida no que diz respeito às limitações que o tempo vai impondo, mas por maiores que sejam as tentativas de fuga caminhamos a cada dia em direção à conclusão de nossas vidas.
Essa realidade existencial nos traz muitas angústias e a tendência defensiva é a de eliminar do contexto ou esconder qualquer vestígio de nossa finitude. Não é fácil tornar-se testemunha desse processo evolutivo do outro e de nós mesmos. O outro passa a ser reflexo do que posso assistir e testemunhar em mim.
Baseada nessa premissa a sociedade, numa última tentativa de conseguir manter sua eternidade improvável e impossível, isola o velho, oferece recursos médicos avançados, recursos muitas vezes chamados de heróicos na tentativa vã de prolongar uma existência que por muitas vezes não mais existe. A morte passa a ser não só temida como escondida. Nos tempos modernos morremos praticamente isolados num CTI cercados de máquinas e longe daqueles que amamos, muitas vezes em total inconsciência e dopados por tantas fórmulas. A sociedade acaba por nos roubar o direito de concluir nossas vidas. Podemos realizá-las freneticamente mas somos quase que proibidos de finalizá-la.
O velho passa a ser percebido como aquele que nos espelha todas as limitações que possamos vir a ter, passa a ser paradigma de final absoluto de todas as realizações possíveis, aquele que nos fala do inevitável envelhecimento, da provável dependência, da quietude da alma.
É preciso processar a mudança de que dependência é real em qualquer idade; somos seres interdependentes e sociais. Contemplação e capacidade de conclusão é propriedade de todos que vivem. Pausas são necessárias para a continuidade do movimento. Jovens ou velhos, podemos sofrer algum tipo de redução de nossa capacidade de ação e força. A vida é um processo contínuo, tenha ela o tempo que tiver. A qualidade dessa vida se dá quando a percebemos finita. Não haveria busca, não haveria evolução se não nos percebêssemos como seres finitos. É a morte que nos dá o sentido para realizar a vida, para nos arriscarmos em fracassos e sucessos, que nos dá a possibilidade de retornar ao passado sempre, para reorganizar o presente e colher no futuro.
Costumo dizer que "morrendo, estamos todos desde o dia em que nascemos". Velhice é tempo de se aventurar, de arriscar viver em plenitude a conclusão de sua vida que ainda tem o que viver, pois vivo ainda está. Envelhecer é caminhar para a maturidade. Mudar a direção para o seu interior (prefixo EN) e encarar aquele algo que tem uma certa duração: nossa finitude (sufixo ECER)- ENVELHECER. Portanto, o pessimista no seu aniversário comemora menos um ano de vida e o otimista mais um ano de vida. Quanto mais próxima da vida, mais me aproximo da consciência de estar envelhecendo.
Provocar a inserção do velho na sociedade se dá quando essa mesma sociedade descobre que ele nunca estará de fora, que envelhecer é parte de nosso caminho, de descobrir todas as etapas vividas anteriormente dentro de uma mesma vida e continuar a ter o direito de reconstruir suas ações e expressá-las no mundo enquanto viver.
Mantive no texto a palavra velho no lugar de outras tantas utilizadas para designar o velho (idoso, terceira idade, etc) porque concordo com Rubem Alves quando diz que há poesia na palavra velho. No seu livro "Ostra Feliz não faz Pérola", Rubem Alves diz: "Idoso é palavra que a gente encontra em guichês de supermercados e bancos. Velho, ao contrário, é palavra poética, literária. Já imaginaram se o Hemingway tivesse dado ao seu livro o título de "O Idoso e o Mar"?"
Ser velho é poder finalizar com versos a vida e de tanto que já viveu será capaz de se transformar na mais pura poesia.
Texto revisado por Cris
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