PESSOAS E NAVIOS
Atualizado dia 2/17/2011 3:10:38 PM em Psicologiapor Oliveira Fidelis Filho
Observando os estaleiros, o porto e as embarcações, sejam veleiros, barcos de pesca, navios de carga, de guerra, de cruzeiro, rebocadores, quebra-gelo entre outros, sou levado a pensar nas analogias possíveis.
Percebo que famílias assemelham-se a estaleiros onde são construídas estruturas humanas, onde são concebidos os projetos que chamamos de filhos. Alguns são cuidadosamente planejados, bem estruturados psíquica e fisicamente, são frutos de muito amor e pouco apego e assim tornam-se capazes de, com segurança, singrar os mares da vida, dotados de autoconfiança. Os lares se parecem com os portos: de quando em vez, os filhos voltam a atracar abastecendo a nossa saudade, suprindo nossas carências e às vezes nos alegrando com suas próprias construções, os netos. Assim como os navios, os filhos devem ser construídos para ter autonomia, estrutura forte, beleza existencial, para ganhar o mundo. Não se constrói embarcações para ficar nos estaleiros... Um barco bem construído é naturalmente atraído pelo mar assim como filhotes de águias são atraídos pela vastidão dos céus.
Gosto de me perceber como porto para minhas filhas, onde elas atracam carregadas de carinho, novidades e alegria. Quando se vão, me deixam com os olhos nadando em lágrimas e o coração mergulhado em saudade. Talvez um dia eu seja também o porto de netos...
No porto dos meus pais já não posso mais atracar; ambos já empreenderam a misteriosa viagem rumo ao porto das almas. Tenho, felizmente, em minha companheira, um aconchegante porto. Localiza-se, todavia, em mim mesmo, o mais disponível e seguro porto no qual lanço âncora e atraco, sempre que silencio meus pensamentos. Me deixo flutuar nas ondas da respiração e no misterioso e profundo "calado" do silêncio. Aí reencontro meu divino Arquiteto, o Construtor e Reparador da vida, o meu descanso. Nele descarrego minhas sobrecargas, reabasteço os eventuais espaços vazios de meu coração e refaço meu norte.
Em muitas oportunidades, já observei barcos de pesca lutando para romper as ondas formadas pelo encontro do rio Itajaí-Açu com o mar, quer em direção ao porto, quer rumo ao majestoso oceano. A partir dos molhes da Barra, os percebo como que tragados pelo mar e depois devolvidos à superfície, em movimentos oscilatórios, às vezes violentos e, para mim, assustadores.
Alguns são bem pequenos, de aparência frágil e vulnerável, no entanto, mantêm calma e confiantemente o curso e o propósito. Tais barcos lembram pessoas que, não obstante as limitações, lutam com determinação e ousadia contra imensos obstáculos. São inumeráveis estes pequenos barcos que dia a dia precisam superar grandes dificuldades. Sentem-se tragados pela vida mas novamente se erguem e continuam sua trajetória, no incerto mar da existência. Gente destemida, aguerrida, que não se deixa intimidar pela força dos ventos, pela instabilidade das ondas, e que todos os dias travam uma luta árdua para suprir necessidades básicas, suas e dos seus.
Há os navios quebra-gelo, construídos para abrir caminho em mares congelados, endurecidos, fechados a navegação.
Fazem-me lembrar das pessoas que, impulsionadas pela força do amor incondicional, restabelecem rotas de comunicação interpessoais, quebram o gelo da indiferença e restabelecem caminhos desertificados pelo ódio e pelo silêncio. Seres de cuja divina força interior irradia calor e carisma, capazes de aquecer corações congelados e fazerem desabrochar vidas outrora fechadas em si mesmas. São movidos pelo combustível da fé, da alegria e da esperança. Por onde passam reabrem caminhos, restabelecem a comunicação, disponibilizam suprimentos e deixam um rastro de bem estar, harmonia e entusiasmo.
Há os navios cargueiros ou navios porta-contêineres. É impressionante vê-los chegando ou saindo, carregados de centenas de imensos cofres de carga, garantindo o suprimento das necessidades humanas nas mais inimagináveis áreas. Tendendo para o gigantismo e a automatização, comportam cada vez mais carga e menos pessoas.
Fazem-me lembrar dos que assumem grandes responsabilidades ou sobre os quais são colocadas as cargas da família ou dos familiares. Que acabam por assumir, sozinhos, responsabilidades que deveriam ser compartilhadas por toda a família, como o cuidado de progenitores, por exemplo.
Entre estes há os que agem altruistamente e com alegria, andam carregados de amor incondicional, reúnem em si condições materiais, físicas, emocionais e espirituais e assim transportam as cargas com leveza de alma. Há, entretanto, os que assumem tais cargas, movidos pelo complexo de inferioridade, baixa auto-estima, necessidade de aceitação e até de expiação. Para estes, as cargas sobrecarregam de verdade e é fácil percebê-los lamentando, acusando, amargurados, ressentidos e depressivos.
Navios cargueiros também me remetem a pessoas em posse de muitos valores materiais, religiosos, intelectuais, mas esvaziados de vida, além daquelas que não aparentam, mas que possuem o coração transbordando de sabedoria e a alma repleta de divinos tesouros.
Há os navios de cruzeiros. Possuem um visual deslumbrante, são iluminados, estão sempre cheios de vida, são belos e ricos, por dentro e por fora. Seguem pelos mares realizando sonhos e produzindo encantamentos. Aliviam as tensões, promovem descanso e diversão. E assim deslizam pelos mares, ganhando a vida em meio a muita diversão.
Conheço pessoas assim, que entendem a vida como uma emocionante aventura, que transformam o trabalho em fonte de prazer para elas e para os que com ela compartilham da misteriosa viagem existencial. Gente que navega pelos mares da vida repleta de sonhos, de alegria. Seres iluminados por dentro e por fora, que causam "frisson" e enchem de energia pessoas e locais por onde passam. Entendem-se como privilegiados turistas neste planeta, viajam nesta mágica Nave Planetária com o mínimo de bagagem, repletos de gratidão e embriagados de encantamento, e assim usufruem ao máximo do melhor que a vida pode oferecer.
Sei que falta falar dos misteriosos e sorrateiros submarinos, dos truculentos navios de guerra, dos poéticos barcos a vela, das desengonçadas jangadas, do solitário caiaque... Outro dia quem sabe.
Texto revisado
Avaliação: 5 | Votos: 40
Teólogo Espiritualista, Psicanalista Integrativo, Administrador,Escritor e Conferencista, Compositor e Cantor. E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |