Uma questão de Singularidade
Atualizado dia 10/11/2019 10:41:26 PM em Psicologiapor João Carvalho Neto
Claro que nos processos educacionais, especialmente entre pais e filhos, pela demanda da formação de hábitos e da educação voltada para a criança e o jovem, é natural que se criem modelos de comportamento esperados, com o fim de adequar aquele ser a uma sociedade onde ele precisará viver e interagir. Mas, mesmo aí, aspectos dessa singularidade precisam ser respeitados, já que duas crianças não são iguais nem mesmo nos casos de gêmeos univitelinos.
A situação a que me referi inicialmente vai se evidenciar em relacionamentos conjugais, onde, no apaixonamento, são projetados desejos inconscientes de satisfação e realização que se imagina que o outro vá suprir, o que nem sempre acontece. E, quando acontece, só sustenta nossa neurose pessoal, à qual nos acomodamos aprisionados. Com o tempo, nossa percepção sobre quem o outro é se alarga, nos fazendo ter a sensação de que fomos traídos, e realmente fomos, mas não pelo outro e sim pela nossa expectativa distorcida nos desejos que queremos realizar. Elegemos alguém para ocupar um lugar em nossa história psíquica, esquecendo que ele mesmo tem a sua própria história.
Surgem os discursos de que ele não muda, de que nos frustra, assumindo-se o papel de vítima e interpretando o outro como o algoz de nossa desdita.
É preciso compreendermos que somos individualidades e o termo por si só já designa esse estado de uno, de singular. Ninguém vai fazer o outro feliz. Podemos apenas compartilhar felicidades que nos sejam comuns. Nosso caminho é pessoal e intransferível. As experiências que passamos, e que dizem em parte quem somos, foram vividas e interpretadas dentro da nossa dinâmica mental. Outras pessoas podem ter acesso a relatos sobre elas mas não como experiências reais.
Nossa cultura contemporânea visa muito o estar com o outro, renegando o estar consigo mesmo como algo inaceitável. E aí chamamos a saudável intimidade intrapessoal com o rótulo de solidão indesejável. Curioso que nesta “solidão indesejável” é onde, muitas vezes, vamos nos descobrindo e nos preparando para sermos mais sociais, para atendermos no que nos seja possível à demanda do outro, isso porque quando aprendemos a ouvir a nossa vida interior também nos tornamos mais sensíveis a ouvir o outro.
Nossa cultura ocidental tem sido marcada pela superficialidade e, agora mais, por uma hipocrisia que surge transvestida de felicidade nas páginas das redes sociais. Não é por acaso que a depressão se tornou a maior causa de incapacitação no mundo e um estado endêmico que vai prevalecendo em nossa humanidade.
Temos medo de nossas próprias dores e as ignoramos como se fosse possível escondê-las no silêncio de nossa intimidade. São como pedras radioativas que, trancadas em recipientes não apropriados, continuam a emitir suas irradiações contagiando nosso pensar, nosso falar e nosso agir.
Acredito muito no século XXI como o da saúde mental, esperando mesmo que venhamos a nos curar das mazelas patológicas que carregamos, como frutos de nossas histórias não resolvidas. Mas enquanto estivermos fugindo desse enfrentamento continuaremos perdidos entre nossos sintomas e dores, buscando culpados e esperando salvadores que não existem.
Como já dizia um companheiro de jornada, médico psiquiatra Jorge Andréa, “em um mundo de tantas viagens espaciais, onde naves, satélites e astronautas pesquisam as origens da vida, precisamos nos tornar psiconautas de nós mesmos”.
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Psicanalista, Psicopedagogo, Terapeuta Floral, Terapeuta Regressivo, Astrólogo, Mestre em Psicanálise, autor da tese “Fatores que influenciam a aprendizagem antes da concepção”, autor da tese “Estruturação palingenésica das neuroses”, do Modelo Teórico para Psicanálise Transpessoal, dos livros “Psicanálise da alma” e “Casos de um divã transpessoal" E-mail: [email protected] | Mais artigos. Saiba mais sobre você! Descubra sobre Psicologia clicando aqui. |