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Substituição: sai concessões e entra respeito

Publicado por Flávio Gikovate em Psicologia

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Não acredito que estejamos dando a importância devida para o que está acontecendo no íntimo da nossa vida conjugal e nas relações amorosas de um modo geral. Estamos vivendo uma revolução da maior importância, e que pode ser definida assim: se antes a vida em comum era fundada na boa capacidade das pessoas de fazer concessões, de abrir mão dos seus desejos e interesses em favor do outro e visando a harmonia a qualquer custo, hoje em dia nossa capacidade para conceder diminuiu muito e a disposição que temos é para que respeitem nossos desejos, interesses e nosso modo de encaminhar as coisas da vida.

Pode parecer pouca coisa, mas na realidade trata-se de uma alteração fundamental, porque se funda em uma mudança na maneira como estamos pensando e vivenciando o fenômeno amoroso. A verdade é que o individualismo está crescendo junto com o avanço tecnológico que nos trouxe a possibilidade de nos ocuparmos com a televisão, o computador, o som individual que podemos ouvir em qualquer lugar... Podemos nos entreter cada vez melhor sem companhia, de modo que tendemos a nos tornar mais seletivos quanto ao convívio. Isto é um avanço, uma coisa boa. O individualismo não é egoísmo, como muitos pensam. O egoísta não é um individualista porque ele precisa dos outros para servi-lo! É a favor da vida em grupo porque tentará tirar vantagens no convívio com as pessoas.

A idéia que reinou durante os tempos do romantismo - que está com os seus dias contados - era a de que nós somos metades, criaturas que só se completavam com o encontro da outra parte, que era o seu complemento. Esta outra metade poderia ser o que nos faltava: a tampa da panela ou a metade da laranja que nos arredondava. Metades diferentes tendiam a se atrair mais intensamente, de modo que a grande maioria dos casamentos se estabelecia - e ainda hoje as coisas estão assim, só que em rápido processo de mudança - entre pessoas bastante diferentes. É claro que a vida em comum padecia de grandes desacertos e desencontros, de modo que só poderia sobreviver graças à grande capacidade de fazer concessão das pessoas envolvidas.

É bom dizer também que, nesses casais, quase sempre um fazia concessões e o outro era exigente e imprimia seu ritmo à vida em comum. Ou seja, sempre se louvou a capacidade de conceder das pessoas, mas quem concedia mesmo era apenas um dos membros do casal. O outro, o mais egoísta, sempre cuidou do seu interesse acima dos outros membros da família. O generoso concedia e o egoísta levava vantagem. O que concedia se sentia superior, melhor, mais elevado, e o egoísta se achava o mais esperto porque obtinha benefícios mais facilmente. A verdade é que, de uma forma ou de outra, ambos se tornavam extremamente interdependentes. Não há egoísta sem que exista o generoso e não há generosidade que se possa exercer se não existir o egoísmo que receba os favores. A dependência recíproca acontecia porque as pessoas não conseguiam se imaginar sozinhas. A idéia reinante era a de que “é impossível ser feliz sozinho”. Metades não se sustentam a não ser ao lado de outras metades.

Graças ao avanço tecnológico que nos tem feito mais competentes para ficar sozinhos, aos poucos temos descoberto que não somos metades e sim inteiros! Somos inteiros que nos sentimos incompletos, com um vazio na “boca do estômago”, mas somos mais conscientes de que somos unidade e não uma fração. A relação amorosa que está nascendo é, portanto, diferente daquela do romantismo do século 19 e início do século 20. Mudam as regras do relacionamento e isto não quer dizer que o amor esteja em baixa. Ao contrário, está mudando e se adaptando aos novos tempos. Inteiros que se aproximam formam pares mais instáveis, pares que podem se separar.

Estamos diante de mais um importante fator de desencontro entre os sexos. Outra vez nos deparamos com o complicado problema que consiste em não sabermos lidar com nossas diferenças. Elas, quando mal-entendidas, são fator de ofensa, humilhação e rejeição. Mulheres podem ter se sentido violentadas porque seus homens as quiseram possuir mesmo à revelia delas, enquanto que homens se sentiram rejeitados porque não encontraram mulheres disponíveis justamente “naquele dia”. É importante e urgente que consigamos acumular mais informações a respeito de como varia a disponibilidade sexual da mulher durante o ciclo menstrual.

Não creio que as mulheres se sintam interessadas pelas trocas de carícias eróticas durante todos os dias do mês, de modo que não creio que vivam num cio permanente. Aliás, acho inconveniente e inoportuno o uso do termo “cio” para nos referirmos ao que acontece na nossa espécie. O fato de provocarem os homens de modo permanente não pode ser confundido com o que acontece na intimidade delas. É claro que, sendo racionais, podemos muito mais do que manda nossa biologia. Assim, uma mulher poderá ter relações sexuais sempre, mesmo naqueles períodos que não coincidem com sua disponibilidade maior. Isto acontecerá quando o desejo de agradar o parceiro for maior do que a resistência biológica que porventura encontre. Além do mais, é provável que existam grandes diferenças individuais tanto na intensidade do desejo sexual como na interferência do ciclo hormonal sobre o desejo.


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Sobre o autor
flavio
Flávio Gikovate é um eterno amigo e colaborador do STUM.
Foi médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.
Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.
Faleceu em 13 de outubro de 2016, aos 73 anos em SP.
Email: [email protected]
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