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A sociedade pode mesmo limitar nossa liberdade?

Publicado por Flávio Gikovate em Psicologia

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Fomos todos educados no sentido de acreditarmos que as condutas extravagantes são severamente punidas pelo meio social, do mesmo modo como acontece em nossa própria família. Represálias de todo o tipo nos conduzirão à marginalização absoluta, à solidão e à miséria associadas ao desprezo e à desconsideração. Será isto, de fato, verdadeiro? Ou se trata apenas de uma ameaça que visa nos intimidar e acovardar?

Não creio que seja muito fácil responder a esta questão, especialmente porque os exemplos de ordem prática são muito escassos, além de que muitas vezes não são significativos. A rebelião dos jovens, por exemplo, contra os padrões sociais estabelecidos costuma fazer-se de modo estabanado e pouco crítico; agem apenas no sentido oposto ao que lhes é proposto, numa atitude mais emocional de se mostrar independente - coisa só necessária para quem não o é - do que por discordância refletida dos padrões convencionais. São tratados como um misto de repreensão e condescendência, pois se espera que tais atitudes anticonvencionais sejam de pouco fôlego, como de fato costuma acontecer. Outros se encaminham numa direção claramente delinquencial, agindo com violência contra pessoas ou praticando crimes comuns - roubo, por exemplo, estas atitudes são muito freqüentemente facilitadas pelo uso sistemático de drogas, coisa que não tem nada em comum com as propostas de liberdade humana que me venho propondo a descrever.

Acredito que sejam válidas algumas observações sobre o movimento de jovens mais conseqüente dos últimos tempos e que se deu durante a década de 60: Os hippies. Uma geração de pessoas que se insurgiu contra o modo como vía encaminhar-se a sociedade ocidental: novas guerras por causas muito duvidosas e agravamento da busca desenfreada de bens de consumo, ativando a competição entre os homens e os distanciando uns dos outros. Não creio que tenha sido um movimento muito bem organizado, do mesmo modo que não se devem desprezar as bases pessoais para tal postura (desejo de fugir da guerra, fascínio pela liberação sexual incipiente, etc.). Porém, uma atitude de crítica à ordem social estabelecida se instalou e foram muitos os seguidores desta postura em todo o mundo ocidental. Estes jovens se caracterizaram por uma recusa á participação na vida econômica, social e mesmo cultural de suas sociedades, se posicionando, de modo passivo, em oposição ao meio: cruzaram os braços, passaram a uma vida mais contemplativa, se dedicaram ao cultivo de uma aparência exterior que os distinguia dos de sua classe social e, em muitos aspectos, se aproximaram do modo de ser dos mendigos.

Vagaram pelo mundo como andarilhos, buscando principalmente o Oriente, tanto por causa da postura mais contemplativa que trataram de compreender melhor como por causa das facilidades de acesso a certas drogas (maconha, em particular), às quais recorriam com freqüência talvez para suportarem melhor a desocupação (coisa muito difícil para as pessoas de maior inteligência). Enfim, fizeram tudo de modo bastante antagônico ao que deles se esperava e estiveram sujeitos a muito poucas represálias externas.

Definitivamente não viveram de modo solitário; até pelo contrário, tentaram várias formas de vida em comunidade, experiências válidas apesar de malsucedidas a médio prazo. Os rapazes não ficaram sem companheiras e parceiras sexuais; ao contrário, muitas foram as moças - das mais belas e inteligentes - que se encantaram com eles e lhes devotaram amor e amizade. Suas famílias os censuravam, mas ao mesmo tempo tinham uma ponta de admiração - facilmente convertida em inveja. O fenômeno se extinguiu mais por razões internas (desocupação e uso exagerado de drogas) do que por causa das pressões exteriores.

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Sobre o autor
flavio
Flávio Gikovate é um eterno amigo e colaborador do STUM.
Foi médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.
Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.
Faleceu em 13 de outubro de 2016, aos 73 anos em SP.
Email: [email protected]
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