Certa vez, disse a Lama Gangchen Rinpoche: "Desta vez quero olhar para a negatividade de frente. Não vou negá-la". Ele, então, me respondeu: "Olhar é bom, mas não a toque. É como quando você assiste ao noticiário na TV. Você vê a negatividade, mas não deixa que ela entre na sua casa. Você pode encarar a negatividade de frente, mas não deixe que ela entre na sua mente".
A maior parte das mensagens de nossa sociedade contém idéias destrutivas e negativas. Basta ligar a TV em qualquer noticiário para nos lembrarmos do quanto o mundo é perigoso. Na tentativa de tentarmos nos proteger das ameaças cotidianas, vamos nos tornando acuados ou até mesmo igualmente perversos ao ambiente hostil que frequentamos. Manter a mente limpa é um desafio que requer reflexão constante para não deixar as informações ou pontos de vista negativos de outras pessoas influenciarem nossa mente.
Lama Gangchen Rinpoche nos alerta: "Não devemos seguir professores negativos ou comprar informações negativas no supermercado dos pensamentos". Em outras palavras, Marie France Hirigoyen, autora do livro "Assédio Moral" (Ed. Bertrand Brasil) nos diria para reconhecermos as características dos comportamentos perversos para não nos deixar levar por eles.
No entanto, não é tão simples nem fácil reconhecer um comportamento perverso. Marie France esclarece: "Pequenos atos perversos são tão corriqueiros que parecem normais. Começam com uma simples falta de respeito, uma mentira ou uma manipulação. Não achamos isso insuportável, a menos que sejamos diretamente atingidos. Se o grupo social em que tais condutas aparecem não se manifesta, elas se transformam progressivamente em condutas perversas ostensivas, que têm consequências graves sobre a saúde psicológica das vítimas. Não tendo certeza de serem compreendidas, estas se calam e sofrem em silêncio". Uma vez em que aprendemos a olhar os maus tratos como algo aparentemente normal, e, portanto, teoricamente aceitável, nem pensamos que seja possível e saudável nos desvencilharmos destes maus tratos!
Afinal, por que aceitamos que alguém nos trate mal? Porque duvidamos de nossa própria sanidade mental. Neste sentido, saber de si, quer dizer, conhecer nossos potenciais, recursos e limitações é a base de nossa segurança interna.
Todos nós já sabemos que vivemos num mundo hostil, mas é preciso saber como não cair nas armadilhas da hostilidade alheia. Precisamos nos encorajar o tempo todo a não seguir a negatividade, especialmente se estivermos cercados dela. Assim como escreve Lama Gangchen Rinpoche, em seu livro "Ngelso Autocura Tântrica III" (Ed Gaia): "a única mensagem que recebemos dos outros é: 'Não me incomode'. Por isso, precisamos ter um forte refúgio interior, impenetrável às influências alheias".
Para melhor responder à questão "por que aceitamos que alguém nos trate mal?", vamos conhecer as artimanhas do comportamento de quem nos trata mal. Uma característica comum a todo comportamento perverso é impedir o outro de pensar, para que ele não tome consciência do seu processo de dominância - ele cria fragilidade a fim de impedir que o outro possa se defender.
Marie France Hirigoyen esclarece: "Entre casais, o movimento perverso instala-se quando o afetivo falha ou, então, quando existe uma proximidade excessivamente grande com o objeto amado. Excesso de proximidade pode dar medo e, exatamente por isso, o que vai ser objeto da maior violência é o que há de mais íntimo. Um indivíduo narcisista impõe seu domínio para controlar o outro, pois teme que, se o outro estiver demasiadamente próximo, possa vir a invadi-lo. Trata-se, portanto, de mantê-lo em uma relação de dependência, ou mesmo de propriedade, para comprovar a própria onipotência. O parceiro, mergulhado na dúvida e na culpa, não consegue reagir".
Por isso, aqui vai o primeiro conselho para impedir que alguém lhe faça mal: Não aceite críticas unilaterais. Ninguém é totalmente responsável por uma situação-problema. Portanto, não assuma a 'culpa' toda para si crendo que desta forma poderia aliviar a tensão presente.
Nestes momentos, nos ajuda lembrar que a origem do comportamento perverso está justamente no fato da pessoa não querer assumir a responsabilidade por seus atos. Portanto, ao assumir o que cabe ao outro, estamos nutrindo o seu comportamento hostil.
Outra artimanha do comportamento perverso consiste em recusar uma comunicação direta. Marie France Hirigoyen alerta: "O parceiro vê-se obrigado a fazer as perguntas e dar as respostas e, caminhando a descoberto, evidentemente comete erros que são captados pelo agressor para enfatizar a nulidade da vítima". Portanto, se você percebe que anda falando sozinho num relacionamento a dois, está na hora de parar e perguntar-se se vale a pena ajustar-se a tal comportamento. Pois ele é autodestrutivo.
A esta altura, já entendemos que quem nos trata mal não está receptivo a conversar, pois isso significaria o fim do conflito, o que o impediria de extravasar a sua agressão. Portanto, é importante levarmos em conta os custos e benefícios de tal relacionamento. Neste sentido, ao invés de lamentarmos "Me solta!", podemos nos dizer: "Eu te solto!". Para tanto, teremos que nos tornar conscientes tanto de nossas limitações quanto de nossos recursos para, passo a passo, nos soltarmos da crença de que estamos presos a uma posição sem saída. Ainda que os outros nos tratem mal, podemos nos tratar bem!
Na medida em que cultivamos uma certeza interna inabalável de não querermos mais nos envolvermos em relacionamentos destrutivos, desenvolvemos amor e gentileza - uma energia positiva interior impede que nossos inimigos ou seres malignos nos causem mal, pois precisariam apoiar-se em alguma negatividade nossa para isso.
Assim como aconselha Lama Gangchen Rinpoche; "A coisa mais importante do mundo é nunca abandonar nosso coração acolhedor, mesmo diante de uma ameaça de morte, pois esse é o nosso verdadeiro e eterno amigo".
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Sobre o autor
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia. Email: [email protected] Visite o Site do Autor