Sonhei que saía para voar à noite quando escutei alguém me dizer: "Siga os peixes". Apesar do escuro, podia ver na ida as tartarugas nadando e na volta peixes grandes como tubarões. Lembro-me de ter chegado do passeio sentindo grande prazer. Havia sido capaz de explorar o desconhecido com a certeza de ir e voltar em segurança. No entanto, o sonho segue para uma direção oposta, passo a vivenciar uma série de situações em que vou perdendo controle do meu espaço.
Recém-chegada num novo apartamento, ainda com tudo por arrumar, sou invadida por pessoas querendo ocupar o meu espaço: uma vizinha que "soube" que eu tinha um piano e queria tocá-lo e várias pessoas de outra cidade que vinham se hospedar. Sem saber como lidar com uma invasão aparentemente inocente do meu espaço, saio e vou para rua. Encontro uma pessoa falando para um público pequeno. Sento-me para ouvi-la. Em seguida, ela me leva para o seu consultório, um lugar difícil de chegar. Tínhamos que passar por caminhos estreitos e descer escadas muito pequenas. Finalmente, deito numa cama e ela começa a me puxar para baixo, massageando minhas pernas. Aceito me entregar até que sou tomada por um sentimento angustiante de uma solidão aguda. Uma solidão sem eco. Um vazio sem som. Assustada, com uma forte dor no peito, pergunto-lhe: "Quanto tempo vai durar?" Ela não responde. Acordo, com a certeza de que preciso curar de uma vez por todas este vazio: fazendo-me presente para mim mesma.
Este sonho representou o raro convite de estar completamente presente em minha solidão. Sem eco, sem sons, sem nomes. Acordada, questiono-me se dou conta de senti-la novamente. No entanto, sinto-me inspirada a entrar mais em contato com este vazio interior.
Encontro no livro Em busca de uma Psicologia do Despertar, do psicoterapeuta budista americano John Welwood, uma orientação clara de como estar ativa para aceitar e investigar uma experiência sem uma atitude controladora. Ele esclarece que precisamos seguir certas etapas.
A primeira trata de manter uma atitude de disposição para investigar, para encarar diretamente a experiência e ver em que consiste. A seguir vem o estágio de reconhecer o que está acontecendo internamente. "É isso, sinto-me só e isso dói". No momento em que reconhecemos a experiência dolorida, já somos capazes de estar com ela um pouco mais ao invés de negá-la e sair correndo para qualquer outra experiência que nos pareça menos angustiante. Desta forma, vamos ganhando terreno em nossa própria propriedade.
Uma vez que nos permitimos sentir a experiência, somo capazes de estar nela sem julgá-la como certa ou errada. A partir de então, podemos sentir esta experiência sem a urgência de dar um significado ou fazer qualquer coisa. John Welwood ressalta: "O importante aqui não é tanto o que sentimos, mas o ato de nos abrirmos para o sentimento"... "As sensações em si mesmas não conduzem necessariamente à sabedoria, mas o processo de abertura pode conduzir. Quando deixamos de manter distância de uma sensação, ela não conseguiu preservar sua aparente solidez, que só se cristaliza quando a tratamos como um objeto separado de nós".
Reconheço que este é um dia para "colar" de volta em mim mesma. Reflito mais um pouco e encontro outro livro capaz de me inspirar a estar presente nesta solidão interior Nosso encontro com a vida, do monge zen-budista Thich Nhat Hanh. Ele escreve: "Em alguns dias poderemos nos sentir vazios, exaustos e tristes, sem ser aquilo que realmente somos. Nessas dias, mesmo se tentarmos travar contato com os outros, nossos esforços serão em vão. Quanto mais tentarmos, mais falharemos. Quando isso acontece, devemos parar de tentar entrar em contato com o que está fora de nós e voltar a entrar em contato conosco, a 'estarmos sozinhos'. Devemos fechar a porta para a sociedade, voltar a nós mesmos e praticarmos a respiração consciente, observando profundamente o que está acontecendo dentro de nós e ao nosso redor. Aceitamos todos os fenômenos que observamos, dizemos 'oi' para eles, sorrimos para eles. Fazemos bem em executar coisas simples, como meditação andando ou sentada, lavar roupa, limpar o chão, preparar chá e limpar o banheiro em estado consciente. Se fizermos essas coisas, restauraremos a riqueza de nossa vida espiritual". (p. 48).
Não podemos parar o mundo, mas podemos parar a nós mesmos. Parar não é perder tempo. Pode parecer paradoxal, mas a finalidade última de parar é gerar forças para seguir em frente. Com mais espaço interno podemos nos mover melhor!
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Sobre o autor
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia. Email: [email protected] Visite o Site do Autor