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Coragem: como ir além da esperança e do medo

Publicado por Bel Cesar em Espiritualidade

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Para um guerreiro, é a experiência do coração
triste e terno que dá origem ao destemor, à coragem.
Chögyam Trungpa


A palavra “coragem” tem a mesma raiz que a palavra francesa coeur, que significa “coração”. No Ocidente, associamos a mente ao cérebro. No Budismo, ela está associada ao coração. E preciso aquecer nossa mente-coração para ter coragem!
Muitas vezes invalidamos e reprimimos nossos sentimentos e nossas necessidades internas em função da baixa auto-estima. Quando a coragem amadurece em nosso interior, sentimos que tomamos posse de nós mesmos: estamos prontos para buscar o que é justo para nós. Desenvolvendo a autoridade interna, somos capazes de agir prontamente no sentido de dar proteção, seja a nós mesmos ou aos outros.
Segundo a Psicologia Budista, a coragem é um estado que surge quando nos movemos além da esperança e do medo. Enquanto estivermos presos à esperança de não precisarmos confrontar nossos medos, estaremos deixando de cultivar a coragem.
Olhar o mal, a injustiça, a inveja, a avareza, o abuso e a violência, requer bravura para suportar o que preferíamos negar. Manter uma atitude otimista, baseada na ingênua esperança de negar a negatividade que nos cerca, termina por nos deixar desprotegidos e vulneráveis às interferências negativas.
Não devemos confundir coragem com excesso de confiança. Negar os perigos, pensando “comigo não vai acontecer nada ruim” evidencia um ego inflado. Esta atitude bloqueia nosso instinto de proteção nos impedindo de ganhar familiaridade com os estados mentais que permitem uma percepção mais aguçada do que nos rodeia. Nossa mente-coração sabe nos alertar sobre o perigo, mas é preciso aprender a escutá-la!
Como diz o contador de fábulas do século XVII, Jean de La Fontaine: “Acreditamos facilmente em tudo que tememos ou (Nilton Bonder (org.), Curativos para a Alma, Ed. Rocco, p. 58) desejamos(*)”. Assim, atribuímos qualidades inexistentes às pessoas e situações à nossa volta, para que ilusoriamente elas possam preencher as nossas necessidades. Eu, particularmente, reconheço que tenho a tendência de desculpar a intenção negativa dos outros para não ter que encarar que estou sendo atacada.
Neste sentido, dizer: “Coitados, eles não sabem o que fazem” torna-se perigoso, pois nos tornamos cúmplices das ações negativas alheias ao sermos indulgentes com elas.
Frente à negatividade não deve haver negociação, temos de ser assertivos, o que não significa sermos rígidos.
A rigidez advém de uma mente estreita, que não é capaz de ver os vários lados de uma mesma questão: a luz e a sombra. A rigidez nos impede de observar nossa vulnerabilidade. No entanto, se quisermos despertar a coragem, devemos, antes, reconhecer que somos vulneráveis. É a percepção de nossa vulnerabilidade que nos estimula a crescer, pois nos informa sobre a natureza da força e do conhecimento que precisamos buscar. Acolhendo nossa fragilidade, descobrimos nosso real tamanho e, assim, ela se torna um ponto de força. Somente quando conhecemos nossos pontos vulneráveis é que sabemos encontrar as melhores condições para nos defender.

Coragem de não se deixar levar pela fraqueza alheia

Seguir nosso destino requer coragem até mesmo para superar o medo de assumir nossa própria grandeza e as exigências que dela decorrem. Quando somos vistos como uma pessoa forte, corremos o risco de nos tornar presas fáceis da “tirania dos fracos”. Eva Pierrakos: “Não existe tirania mais forte que aquela que uma pessoa fraca exerce sobre os mais fortes, ou sobre todo o seu ambiente. E como se essa pessoa estivesse sempre dizendo: Sou tão fraca! Você tem que me ajudar. Sou tão indefesa! Você é responsável por mim. Os erros que eu cometo não contam porque eu não sei fazer de outro modo. Eu não posso evitar. Você deve ser indulgente comigo todo o tempo e permitir que eu escape das conseqüências. [...] Eu posso falhar porque sou fraco. Você é forte e, portanto, tem que compreender tudo. Você não pode falhar porque o seu fracasso iria me afetar’. A autoridade preguiçosa e auto-indulgente dos fracos impõe exigências estritas às outras criaturas. [...] Pela submissão, você não ama, apenas espera ser amado. Você não vê que os outros também têm as suas vulnerabilidades, suas fraquezas e necessidades. Você rejeita por inteiro essa parte da natureza humana das outras pessoas e, assim, você as (Eva Pierrakos, Não temas o mal, Ed. Cultrix, p. 107) fere(*)”.

Sou extremamente grata a esta autora, pois seu texto me alertou sobre o perigo de abrir mão de minhas necessidades em função da fraqueza alheia. Quando resolvi me separar, meu ex-marido me pressionou durante alguns meses dizendo que se mataria se eu não voltasse com ele. Quando compreendi que seu ato era tirânico, consegui me manter firme em meus propósitos. De fato, ele não foi capaz de administrar a dor de nossa separação e suicidou-se. Mas a clareza sobre a minha vulnerabilidade diante de seu sofrimento protegeu-me do sentimento de culpa que tão comumente surge naqueles que continuam vivos. Não podemos escolher nos anular, isto é, morrer internamente, para que outros vivam de nossa energia.
Ser indulgente com aqueles que nos prejudicam é um sinal de fraqueza e conformismo: ausência de coragem para agir contra tal situação. E como viver num pesadelo lembrando que tudo é um sonho. Amenizar o mal não irá nos proteger. A questão é que podemos passar tempo demais sob a tutela daqueles que nos sobrecarregarem de negatividade e, depois, ser tarde demais para lutar. É como ter uma doença grave e ficar esperando por milagres sem agir em direção à cura.
Buddha dizia: “Se você quiser conhecer o seu passado, olhe seu corpo no presente. Se você quiser saber sobre o seu futuro, olhe sua mente no presente”.

Texto extraído do “O livro das Emoções - Reflexões inspiradas na Psicologia do Budismo Tibetano” de Bel César, Ed. Gaia.


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Sobre o autor
bel
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia.
Email: [email protected]
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