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Medo de dormir

Publicado por Adília Belotti em Autoajuda

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“O sono, essa aventura de todas as noites”.
Baudelaire, poeta francês


Não é nada fácil não é mesmo? Noites mal dormidas são de amargar. Está provado que uma boa noite de sono é capaz de coisas extraordinárias como fazer as crianças crescerem - sim, é verdade, o hormônio do crescimento é produzido durante o sono - e as feridas cicatrizarem. Da mesma forma, a falta de sono definitivamente faz mal. E o estado de fadiga que nasce de noites e noites dormindo mal é um dos grandes problemas das sociedades modernas, porque gera desde nervosismo e anemias até alucinações; falta de criatividade e apatia; mau-humor e hiperemotividade. O pior é que não basta dormir, é preciso dormir bem.

É engraçado pensar que a gente tenha tantos problemas para fazer alguma coisa tão perfeitamente natural. Mas as estatísticas são cruéis: quase ninguém dorme bem 100% das noites. Existem, é claro, estudos e mais estudos que tentam explicar o fenômeno. Mas eu estava lendo o livro de um francês sobre o assunto e achei fascinante uma das reflexões que ele faz sobre o tema: os homens têm dificuldade para dormir porque eles têm medo.

Para Pierre Fluchaire, que escreveu vários livros sobre a arte de dormir, inclusive esse que caiu em minhas mãos, chamado “Dormir bem, para viver melhor”, o medo é a causa Nº 1 das insônias. E não é só medo de bandido, medo da violência, medo das dívidas, medo do amanhã, medo do fracasso, medo da língua do vizinho que nos tira o sono, embora esses sejam medos que atrapalhem bastante nossas noites. É o medo do próprio sono que nos incomoda.

Nossos ancestrais morriam de medo da noite, de seus barulhos estranhos, ameaçadores. Dos perigos e das feras que rondavam as frágeis habitações humanas. O fogo e – milagre dos milagres – a luz elétrica exorcizaram esses temores, mas ficou lá no fundo um restinho de sombra, é ou não é?

Além disso, o próprio sono é um universo desconhecido que os franceses chamam “la petite mort” ou a “pequena morte”. Com seu espantoso repertório de imagens oníricas infinitamente renovadas, o sono desafia os estudiosos e nos enche de assombro e... de medo. Dormir é ousar dar esse mergulho profundo, é adentrar nos domínios do reino do inconsciente. Dormir é o contrário do medo, é o relaxamento total. É a petite mort, lembram-se? A ausência completa de controle. Não dá para relaxar e ter medo ao mesmo tempo, então, o que fazer?

Fluchaire conta que na Idade Média pagava-se um homem para andar à noite pelas ruelas das aldeias e das cidades gritando “durmam, pessoas honestas, tudo está bem”. E a gente de bem, tranqüilizada, deixava-se dormir profundamente.

Curiosamente, o medo de dormir foi alimentado durante séculos por histórias aterrorizantes contadas ao pé do fogo ou do fogão e guardadas até hoje na memória das letras das canções de ninar, imagine! Quer coisa mais assustadora que a letra de um dos clássicos brasileiros para fazer bebês dormirem, o famoso (e, cá entre nós, bem simpático): “boi, boi, boi, boi da cara preta, pega esse menino que tem medo de careta”?

O simples fato de, de repente, ficarmos sozinhos e no escuro, parece que só aumenta nossos problemas e amplifica nossas fantasias. Mas alguns medos que o dormir provoca, a gente nem imagina: medo do silêncio (esse eu tenho), cujo antídoto (infalível!) é um repertório de barulhinhos familiares, ou o medo de perder a noção de tempo e de espaço, que cria rituais do tipo aninhar-se para dormir ou só conseguir conciliar o sono em posições parecidas com as que nos acolhiam nos úteros de nossas mães. Ou medos ainda mais inconscientes, como o de perder o “eu” e sua contrapartida, para muitos mais aflitiva: o medo de se encontrar face a face com seu verdadeiro eu.

O pesquisador francês chega a mencionar um medo esquisitíssimo que viria de nosso parentesco com os répteis e que nos faria temer tirar os pés do contato com a terra!

Enfim, nosso grande problema como espécie é que, no momento em que deveríamos estar nos encaminhando calma e tranqüilamente para essa viagem diária rumo ao nosso excitante e extraordinário mundo interior, na verdade, nossa alma se debate em aflições sem fim. Algumas, a gente herda lá dos antepassados; outras, a gente nem desconfia que tenha, mas estão lá e outras ainda são nossas velhas conhecidas mesmo. E com isso o sono passa a quilômetros de distância da nossa cama. Tudo errado. Temos é que reaprender a dormir.

O próprio Fluchaire dá algumas dicas para a gente recuperar o prazer de uma boa noite de sono e as melhores são incrivelmente simples:

1. Pare de se preocupar em conseguir um sono ideal. Isso não existe. A melhor noite de sono é aquela que faz você descansado e tranqüilo. E o único jeito de descobrir isso é se observar, se conhecer. Tem gente que se satisfaz com 4 horas de sono. Outras precisam de mais. Do que você precisa? “O maior sábio, dizia Krishnamurti é aquele que se conhece a si mesmo”.

2. Respeite uma regra simples sempre que possível: durma quando tiver sono e acorde, se possível, sem a ajuda de um despertador. Quantas vezes a gente vai empurrando o sono mais e mais para adequá-lo às nossas outras necessidades? E quantas vezes a gente se priva do prazer de acordar assim, simplesmente quando já não temos mais sono? Respeitar essa regra nos traz mais para perto de nós mesmos. O homem é o único animal que sofre de insônia. A gente tem essa mania de achar que sempre podemos fazer tudo, de preferência, de uma só vez. Fluchaire lembra as belas palavras do Eclesiastes:

Existe um tempo para cada coisa
Um tempo para cada projeto sob o sol
Um tempo de semear e um tempo de colher
Um tempo de nascer e um tempo de morrer.

Mas, para o medo, escolhi essa Meditação do Sono porque, como diz Jon Kabat-Zinn, um especialista americano em técnicas meditativas e práticas para reduzir o stress, “deitar é um maravilhoso modo de meditar e usar o corpo como um todo, como o objeto da sua atenção na meditação deitado, é uma benção”. Foi tirada do livro “O Poder da Meditação”, de Joel e Michelle Levey.

Dê um tempo para centrar a acalmar sua mente.
Faça uma revisão do seu dia. Agradeça pelos bons momentos e encare os ruins como lições para o dia seguinte.

Perdoe e peça perdão para quem você julgar necessário (os budistas englobam tudo numa prece para que todos os seres possam a seu tempo e do seu jeito encontrar a felicidade).
Algumas tradições sugerem que você durma com a cabeça virada para o norte magnético da Terra. Pelo sim, pelo não...
Imagine que sua cama está dentro de uma flor de lótus gigante e luminosa. Que essa luz envolve você como uma capa de proteção contra as desarmonias e os sentimentos negativos. (Em vez da flor, você pode imaginar um templo ou o colo de um mestre ou de uma figura protetora. O importante é sentir-se envolvido por essa proteção). Agora, descanse profundamente nesse colo cósmico.

Na hora de acordar, não faça movimentos bruscos é o conselho da Mãe, do ashram de Sri Aurobindo e ofereça seu dia ao Ser Divino: “se entrarmos em contato com Ele e nos colocarmos nas suas mãos, então Ele derramará sobre nós a sua própria força e nós descobriremos que também temos nosso quinhão de divindade”.


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Sobre o autor
adilia
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM.
Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma.
Email: [email protected]
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