Segundo o budismo tibetano, o processo da concepção é presidido por uma reação emocional: depois de vagar no Bardo (o estado intermediário entre a morte e o renascimento) por, no máximo, 49 dias, vemos nossos futuros pais em união sexual.
Se o karma do futuro ser humano é renascer como homem, ele experimentará, então, atração por sua mãe e aversão por seu pai. Inversamente, se ele está destinado a encarnar como mulher, sentirá atração por seu pai e aversão por sua mãe. Este duplo sentimento de atração-aversão age como fator que provoca a entrada na matriz.
Sentindo intenso apego por um de nossos pais, tentamos nos aproximar, mas como possuímos uma forma muito sutil, obviamente não conseguimos. Cheios de frustração, raiva e ciúme em relação ao seu parceiro, sofremos uma pequena morte. Apesar desta consciência no bardo não ter um corpo concreto, quando ela deixa o bardo na percepção do seu corpo, gira de costas para o pai e a frente para a mãe.
Este processo se inverte se o ser for uma menina. Sentirá aversão pela mãe e apego ou atração pelo pai, e na percepção de seu corpo ilusório girará as costas para a mãe e ficará de frente para o pai.
Nesse momento, nossa consciência é engolida por nosso pai e ejaculada dentro do útero de nossa mãe, onde então, cavalgando sobre o esperma de nosso pai, une-se ao óvulo. Exatamente nesse instante deixamos a clara luz da morte.
Nossa mente e energia começam a ficar mais grosseiras, a programação da nova vida é acionada, nossa mente projeta uma outra realidade (Sofrimento samsárico ou samsara refere-se ao ciclo infinito e descontrolado de morte e renascimento no qual estaremos presos enquanto nossa mente estiver poluída) samsárica(*) e a nova vida de sofrimento tem início.
Há uma diferença se aquele casal está habituado a um relacionamento sexual e à experiência do prazer. Quando acontece a verdadeira concepção, a qualidade deste prazer é mais elevada do que aquela que normalmente se experimenta.
Nessa união da consciência daquele ser do bardo com o esperma do pai e o óvulo da mãe, está presente a influência das energias sutis dos cinco elementos.
No corpo da criança, três elementos ou características derivam do pai: os ossos (a estrutura óssea), a espinha dorsal e os vasos seminais. A carne, o sangue e a pele derivam da mãe.
A própria consciência e os cinco órgãos sensoriais - audição, visão, olfato, paladar e tato - vêm do contínuo mental que passou pelo estado intermediário.
Todas estas contribuições do pai, da mãe e da consciência se unem no momento da concepção. As energias sutis dos cinco elementos do pai e dos cinco elementos da mãe começam então a funcionar e a ter efeito neste processo.
A influência do efeito da energia sutil do elemento terra consiste em criar no embrião o fundamento da dureza e da firmeza.
A influência do elemento água é fornecer ao embrião toda a parte líquida.
A influência da energia sutil do elemento fogo manifesta-se no embrião como o calor que favorece o crescimento, a maturação.
A função da energia sutil do elemento ar é de favorecer a este corpo, que agora é formado de carne, sangue e tudo mais, a circulação para torná-lo leve, e, mais que tudo, permitir a respiração do feto. Se o elemento ar não estivesse presente no embrião, ele morreria.
O último elemento é o espaço. O feto tem necessidade de espaço para crescer. Se este espaço não está presente (por exemplo, o útero é muito pequeno para hospedar o crescimento), o feto se sufoca. Por isso, o elemento espaço deve estar presente para poder hospedar o crescimento. Isto é visível em úteros suficientemente grandes para que tal aconteça. O elemento espaço é também necessário no processo de crescimento e criação.
Para que um ser seja concebido no ventre materno, devem existir três condições; se faltarem estas três condições, a concepção não acontecerá.
São duas as possibilidades que derivam do esperma do pai com o óvulo da mãe para que haja fecundação. O esperma deve ter três condições para ser considerado saudável: cor branca, “peso” e coesão suficiente para alongar-se entre dois dedos. Quando estas três condições estão presentes, o poder desse esperma é considerado bom. O sêmen tem a capacidade de procriar por possuir como natureza a energia sutil dos cinco elementos.
Agora, vamos considerar o óvulo da mãe, que também deve ser livre de três defeitos. O óvulo sem defeito está presente quando o sangue menstrual não se agarra a panos, ou seja, pode ser lavado facilmente, o que significa que é limpo. A segunda condição é ter cor de sangue de coelho, vermelho vivo, um vermelho intenso.
Quando o sangue menstrual não é sadio, tem cor amarelada ou tendendo para o marrom. O sangue menstrual sadio é completamente vermelho e uniforme na sua cor, não apresentando áreas com cores diferentes.
Assim, vimos duas condições para a concepção: esperma são e óvulo são. Todavia, também depois que estes dois se encontram, se não existe uma consciência no estado intermediário entre a morte e o renascimento sucessivo, o bardo, a concepção não ocorre.
Estas são as três condições para que a concepção aconteça: a consciência do indivíduo, o esperma e o óvulo.
Se a energia kármica dessa consciência no bardo, ou estágio intermediário, está de acordo com o esperma do pai e com o óvulo da mãe e se existe concomitância entre o mérito da consciência e as outras duas características, então acontece a concepção; do contrário, esta não acontece.
Explicaremos ao que nos referimos quando dizemos que o "mérito" da consciência está de acordo com as outras duas características ou não: se, por exemplo, a mãe que está para conceber a criança é de boa família e rica, então a consciência que está no bardo e que está para unir-se com a mãe, deve ter também o "mérito" para obter a posição de onde está para nascer.
Isto é o que se entende por "mérito" e a concomitância dos fatores necessários: quando aquela consciência no bardo não tem o "mérito" necessário para poder entrar em concepção com o pai e a mãe. Por exemplo, numa vida precedente a pessoa não foi suficientemente generosa ou não colheu méritos das suas ações e assim por diante, então seu mérito não está de acordo com a posição daquele homem e daquela mulher em união.Também se a consciência desse ser deixasse o estado intermediário para entrar em conjunção com o esperma e o óvulo, não poderia ligar-se com estes e, portanto, seria um aborto. Isto porque o mérito e a circunstância dos pais não estão em conexão.
Quando este ser não acumula bons méritos e karma positivo com sua ações de uma vida precedente e quando também, os pais não estão em uma situação de muita sorte, então os dois tipos de méritos coincidem e a concepção pode acontecer sem problemas.
Certa vez, ouvi um médico tibetano dando o seguinte conselho para um casal que não conseguia ter filhos: “Façam ações positivas juntos, pois assim irão acumular a energia necessária para atrair uma nova concepção”.
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia. Email: [email protected] Visite o Site do Autor