O ciúme é um sentimento desconfortável que nos desequilibra e enfraquece. Tomados pelo ciúme, sentimos que somos traídos por nós mesmos: afinal, sentimos que não deveríamos sentir o que estamos sentindo!
O ciúme nos divide internamente. Enquanto um lado de nosso ser clama por atenção ao sentir-se excluído, outro lado nos reprova por esta mesma atitude, pois o ciúme ameaça destruir a ordem e o equilíbrio emocional de um relacionamento.
Apesar de ser poucas vezes admitido, o ciúme é uma emoção comum, que faz parte do cotidiano de todas as relações humanas. Reconhecer o ciúme e lidar diretamente com ele é uma ação interna saudável, que acelera o processo evolutivo do autoconhecimento. No entanto, ele passa a ser patológico quando nos leva a perder a capacidade de fazermos nossas escolhas.
Por isso, o ciúme não deve ser considerado como um sentimento banal e infantil que com o tempo passa, mas, sim, ser visto como uma doença que compromete o bom funcionamento do sistema imunológico emocional de uma pessoa, assim como a dinâmica de seus relacionamentos.
Se o fogo do ciúme não for contido, ele nos queima e traz sérias consequências: alimentados pela desconfiança e pela agressão, geramos ansiedade, raiva, humilhação, vergonha, depressão e até desejo de vingança.
O foco de infecção a ser tratado será o da autoestima, pois quando ela está rebaixada nos causa a sensação constante de insegurança e impotência, e, consequentemente, deixamo-nos levar pela imaginação - aliás, sempre voltada para o negativo.
O ciúme surge como um sinal de alerta que nos anuncia que uma ameaça real ou imaginária está invadindo nosso território afetivo. Nosso instinto de preservação procura eliminar todo e qualquer risco de perda do ser amado ou situações que nos remetam a sentir-nos seguros e protegidos.
Encontrei no livro “A simetria oculta do amor” (Ed.Cultrix), de Bert Hellinger, uma interessante explicação sobre a dinâmica do ciúme: a pessoa ciumenta deseja inconscientemente que o(a) parceiro(a) se vá.
Hellinger é um psicoterapeuta alemão, hoje com 81 anos, criador de uma nova abordagem da psicoterapia sistêmica conhecida como Constelação Familiar, na qual a origem dos conflitos de uma pessoa não é vista por uma ordem psicológica individual, mas sim, por uma ordem sistêmica gerada por seu histórico familiar.
Segundo ele, algumas das dinâmicas sistêmicas inconscientes que nos levam a repelir nossos parceiros são:
- Para confirmar uma antiga crença de que não merecemos o amor, por exemplo, ou de que iremos causar infelicidade. Certas pessoas têm medo de serem abandonadas e, inconscientemente, afastam os parceiros. Criam o que receiam, como se o abandono fosse preferível à separação voluntária.
- Para ser fiel às crenças e exemplos da família: digamos, agir como agiram os pais quando não conseguiram se aceitar plenamente, quando se separaram ou quando um deles morreu no começo de um relacionamento.
- Para operar uma identificação inconsciente com outra pessoa prejudicada pelo sistema. Por exemplo, uma mulher não se casou porque tinha de cuidar dos pais já velhos. Sua jovem sobrinha identificou-se inconscientemente com ela e também não se casou.
- Para cumprir uma obrigação pessoal. Um homem abandonou a antiga família para assumir o atual relacionamento. A segunda esposa, muito enciumada, quis abandoná-lo também. Na constelação familiar, percebeu claramente que se sentia obrigada para com a primeira família do marido, solidária com ela. Isto é, neste caso, o ciúme não surge devido aos atos do marido, mas sim, do secreto reconhecimento de sua dívida para com a antiga parceira.
Neste sentido, a cura consiste inicialmente em tomar consciência do papel que estamos exercendo no conflito familiar e em seguida parar de atuar como coadjuvante deste mesmo drama. Isto é, ao compreendermos como nossa história pessoal está contaminada pela repetição de um conflito geracional não resolvido, decidimos não repeti-lo, redefinindo nossas posições. Assim como escreve Hellinger em seu livro: “Quando ‘des-cobrimos’ uma ordem, a ordem correta - digo-o para provocar -, então ela de algum modo cura ou resolve o sistema. Às vezes, uma ordem está oculta. Uma árvore, por exemplo, cresce de acordo com uma ordem e não pode desviar-se dela. Se o fizesse, não mais seria uma árvore. Os homens e os sistemas de relacionamentos humanos também se desenvolvem segundo determinadas ordens. As verdadeiras ordens da vida e dos relacionamentos estão ocultas, inseridas nos fenômenos vitais. Nem sempre podemos encontrá-las imediatamente, mas pior seria inventá-las para se coadunarem com nossos desejos”.
A consciência de nosso papel no sistema familiar é a meta desta técnica terapêutica conhecida como Constelação Familiar, que já vem sendo aplicada por vários profissionais no Brasil.
No entanto, aqui vai uma dica para quem sente que o ciúme vem atrapalhando a sua vida: comece por perceber quando e como o ciúme surge. Observe, como quem levanta dados para uma pesquisa científica, como você reage diante do ciúme. Ao fazer isso, verá que gradualmente deixará de ter reações exageradas, pois ao observar a si mesmo estará aprendendo a preservar um olhar sadio, capaz de discernir entre imaginação e realidade.
A melhor maneira de diminuir a intensidade do ciúme é deixar de interpretá-lo como um drama e passar a expressá-lo de modo natural, isto é, como mais uma experiência de sofrimento emocional. Ser honesto consigo mesmo e abrir-se com o outro de modo simples e sincero costuma ser uma solução positiva, porque a sinceridade é em si um antídoto do desejo de manipular e controlar o outro.
Ao conversarmos com nosso parceiro sobre a experiência de ciúme, deixaremos de usar nosso sentimento como uma arma de defesa ou de ataque para manter nosso parceiro sob controle.
Se usarmos o ciúme como um meio de controlar nossos parceiros, iremos afastá-lo cada vez mais de nós. Mas é importante não negarmos nossos sentimentos, pois ao ocultá-los seremos nós quem naturalmente irá se isolar, causando um mal ainda maior, pois quanto mais nos afastarmos, mais o nosso ciúme tendencialmente irá crescer. O melhor é buscar ajuda para melhorar nossa autoestima e lidar diretamente com a realidade!
A desvalorização de si mesmo é uma das causas mais importantes do ciúme intenso. Pessoas seguras de seu valor costumam não se deixar levar por seus sentimentos de ciúmes, aliás, como elas não temem seus conflitos emocionais usam-os em proveito próprio como lenha que aquece o seu fogo do autoconhecimento.
Resumindo, se expressarmos nossas experiências emocionais com a intenção de aprofundar nossos relacionamentos, iremos cultivar a abertura e a honestidade, atitudes que exigem constante amor e dedicação!
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Sobre o autor
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia. Email: [email protected] Visite o Site do Autor