O pouco conhecido mundo sobrenatural do Japão me fascina desde que vi Yuyu Hakusho. Esse anime me pegou de surpresa, pois mostrou conceitos que acreditava só existirem no espiritismo. Como meu conhecimento sobre espíritos japoneses é limitado (a língua não ajuda), peguei então os maravilhosos textos do blog Magia Oriental, escritos por Aoi Kuwan (Bruna) e compilei-os. Caso queiram se aprofundar no tema, basta acompanhar os posts referentes a isso na categoria Youkai do blog.
A ALMA HUMANA
Antes de falarmos sobre fantasmas, vamos ver como é composta a alma humana de acordo com o Shinto.
O shintoísmo possui quatro elementos formadores de sua doutrina: Mei, a vida, Rei, o espírito, Ki, a energia vital, e Kon, a alma. Mei e Ki são dois conceitos fáceis de entender por si só. O problema mesmo reside em diferenciar Rei de Kon, o espírito da alma.
Rei é a energia espiritual propriamente dita, a força-espírito, o espírito divino, a centelha espiritual ou divina, dentre outros sinônimos que vocês queiram dar. É a energia que está "acima" de nós e nos "rodeia".
Kon, por sua vez, é a energia-pensamento. É o intelecto, a reunião dos pensamentos a nível consciente, subconsciente e inconsciente.
Para exemplificar como esses quatro elementos agem, podemos usar como exemplo a criação de uma forma-pensamento. Quando criamos uma forma-pensamento, nós podemos dizer que criamos um ser que possui kon, mas que precisará de rei para transformar em ki para manter a sua mei.
Em relação aos seres humanos, dizemos que eles possuem waketama, que significa almas separadas individualmente. Isso porque a Kon dos humanos é composta de quatro partes, quais sejam, aramitama (coragem), nigimitama (amizade), sachimitama (amor) e kushimitama (sabedoria).
A alma humana é chamada de reikon, a junção dos elementos rei e kon. Especificamente, ichirei shikon, ou um espírito e quatro almas. Quando um ser humano morre, seu espírito (rei) e duas das quatro almas (sachimitama e kushimitama) vão para o outro mundo, enquanto que a aramitama e a nigimitama permanecem nesse plano. Como a aramitama está associada ao corpo físico, ela acabará por se desintegrar, restando apenas a nigimitama, que também irá desaparecer, mas num processo que levará um pouco mais de tempo.
Eu gosto de fazer comparações com a Suma Teológica de São Tomás de Aquino, onde ele divide a alma humana em três, a alma intelectiva, a alma sensitiva e a alma vegetativa, sendo que estas duas últimas também se desintegram, assim como a nigimitama e a aramitama, fazendo-se as respectivas associações, permanecendo apenas a alma intelectiva, que seria a sachimitama e a kushimitama juntas.
Adiantando um pouco o assunto, se houver um desequilíbrio na reikon de uma pessoa, entre as suas "quatro almas" (geralmente a nigimitama, que quando em desequilíbrio, está ligada ao ódio, ao egoísmo e ao apego), ela pode vir a se tornar um fantasma, um Yuurei. Assim, como é a nigimitama que permanece por maior tempo nesse plano, ela "segura" o restante das almas, impedindo que o espírito da pessoa parta para o outro mundo.
É o mesmo princípio ocidental de "assuntos inacabados" e "vinganças pessoais". Quem assistiu "O Grito" (Ju-on) talvez se lembre da frase que inicia o filme: "quando uma pessoa morre num momento de extremo ódio, nasce uma maldição".
YOUKAI
Antes mesmo de se falar em youkai, é necessário falar sobre o (São caracteres de origem chinesa, que são usados para escrever em japonês. Cada caractere representa uma idéia completa, por isso são chamados `ideogramas´) kanji(*) You que compõe a palavra. Além disso, prometo que ao final desse post, vocês vão entender porque é que os japoneses morrem de medo de meninas mortas com o cabelo no rosto, ou não.
Youkai = You + kai
You é comumente traduzido por atraente, sedutor, encantador e calamidade. O termo mais fácil para entendermos a acepção de you é encantador. Isso porque essa palavra nos remete a encantamento, o que traz a conotação de algo sobrenatural (feitiço, magia). Agora vocês perguntam: "Certo, e o que atraente, sedutor e calamidade têm em comum?" As mulheres, obviamente. Os kanji são formados a partir de outros kanji básicos, e com you não é diferente. Ele é composto pelos kanji onna e (O segundo you da imagem acima, que não é o mesmo you de youkai.) you(*). Onna significa mulher, que dá à luz novas vidas e que, desde que o mundo é mundo, está sobremaneira ligada a Yesod, ou o plano astral. Já you (o segundo you) significa ter uma morte precoce ou calamidade. Assim, podemos entender you (o primeiro, que usamos para escrever youkai, yousei e youma) como uma mulher que morreu jovem, prematuramente, numa calamidade. A morte prematura de uma mulher jovem é um infortúnio, sem dúvida nenhuma.
Dito isso, podemos falar de youkais agora.Já vimos acima o que significa you. Kai significa mistério, suspeita e aparição. Juntando os dois nós temos uma jovem mulher morta e misteriosa, geralmente bela e sedutora, que surge do nada. Sendo essa a origem, a palavra Youkai é, na verdade, um termo genérico para designar todas as formas de entidades e de criaturas sobrenaturais. Fantasmas, espectros, espíritos, shapeshifters, ogros, fadas, anjos, demônios, deuses, kamis, sereias, etc, etc, sejam eles bons ou ruins, todos eles são chamados de youkais.
Por isso que é tão comum ouvirmos e lermos por aí que youkais são "demônios". É sempre muito fácil demonizar as crenças dos outros. Um youkai não é necessariamente bom ou mau. Assim como temos pessoas más, vamos ter youkais maus também. Os maus são chamados genericamente Youma. Especificamente, temos outras palavras para designar certas criaturas malvadas, como Akuryou, por exemplo, que significa uma criatura que possui uma essência espiritual malvada, um Majin, que significa um Kami mau, e assim por diante.
YUUREI
Yuu, em japonês, significa estar isolado, estar confinado em um quarto. Esse mesmo kanji, em chinês, significa quietude, retidão, escuridão e tranqüilidade. Isso porque esse kanji é formado pelo kanji yama (montanha) e por um duplo radical que significa espaços pequenos. Assim, nós chegamos a espaços pequenos em montanhas (cavernas), locais esses que são escuros, quietos e tranqüilos, e que por isso são perfeitos para executar práticas meditativas, nas quais é necessário estar isolado para transcender a consciência e realizar projeções astrais.
Originariamente, Yuurei era a expressão para designar os espíritos das pessoas que desencarnavam e que estavam em sua jornada rumo ao outro mundo. Na cultura oriental, as montanhas, além de serem excelentes locais para as práticas ascetas do Shugendou e de abrigarem os templos budistas das sendas Shingon e Tendai, são passagens para onde as almas eram conduzidas entre esse mundo e o outro ( (Até hoje os japoneses adoram se suicidar em montanhas.) pesquisem(*) sobre o Monte Hiei, o Monte Kurama e o Monte Osore, apenas por curiosidade). Esses espíritos eram representados sem pernas, usando uma hitaikakushi na cabeça (um tecido triangular branco amarrado na testa).
Como se vê, Yuurei é mais um termo genérico que tinha o significado original de espírito desencarnado. Com o passar dos tempos, ele passou a assumir um significado de "aparição", "assombração" e "alma penada", sendo usado atualmente para indicar os espíritos das pessoas que morreram, mas que, por causa de assuntos inacabados, lembranças, vingança ou raiva, não conseguem partir para o outro mundo.
A alma humana, como vimos, é composta por quatro partes, ou quatro almas: sachimitama, kushimitama, aramitama e nigimitama. Eu já havia mencionado que é o desequilíbrio na nigimitama que "segura" as outras almas e impede o espírito de partir. Esse é o conceito que se tem atualmente de Yuurei, tanto é que elas não são mais retratadas usando a hitaikakushi.
A expressão mais correta para indicar um espírito violento e vingativo é Onryou, que surge da mesma forma explicada acima. Apesar da ligeira mudança de significado ocorrida com a palavra Yuurei, as pessoas ainda tendem a diferenciar esses dois tipos de espírito: um Onryou é muito mais vingativo e rancoroso do que uma Yuurei, que geralmente busca causar um dano físico na pessoa objeto de seu ódio. Nesse caso, há também um desequilíbrio na aramitama, responsável pela violência e pelas manifestações físicas que podem ocorrer por conta de sua aparição. Já a Yuurei é um espírito mais emocional. Em termos ocidentais, Yuureis seriam obsessores, atuando num nível mais emocional do que físico em seu obsediado; ou aqueles espíritos que não querem acreditar que desencarnaram, que ficam presos em objetos e em locais (casas, museus) por causa de suas lembranças.
ONI
Onis, uma das criaturas mais populares do folclore japonês e uma das criaturas que mais sofre preconceito por estas bandas ocidentais. Simplesmente traduzido como "demônio", um Oni é muito mais do que uma criatura com chifres e dentes afiados.
A palavra Oni é composta de apenas um kanji, formado de uma imagem pictográfica de uma criatura com uma grande cabeça e pernas disformes. No idioma chinês, este kanji significa "fantasma", e era usado antigamente para designar os espíritos das pessoas que faleceram.
Com o passar dos anos e com o sincretismo das crenças do oriente - quais sejam, hinduísmo, budismo, taoísmo, e, posteriormente, as escolas budistas japonesas, o shugendou, o onmyoudou e o shintoísmo -, a palavra oni passou a ser usada para designar criaturas semelhantes ao que nós conhecemos por ogros e por trolls aqui no ocidente, que possuem chifres, dentes afiados e grandes presas.
Com frequência aparecem retratados no Jigoku, o inferno budista, trabalhando como servos de Enmma-Daioh, o Grande Rei Enma, um dos dez juízes do inferno, razão pela qual hoje são chamados de demônios pelos ocidentais.
Ozunu, também conhecido como En no Gyouja, tido como o fundador do (Uma seita asceta japonesa, derivada das escolas do budismo esotérico japonês (Shingon e Tendai).) Shugendou(*), possuía dois onis como seus servos, Sekigan e sua esposa Koukou, que posteriormente mudaram seus nomes para Zenki e Goki.
No Feng Shui, a direção nordeste não é tida como auspiciosa, sendo chamada de "Portal do Oni".
Para manter Onis afastados, era costume manter estátuas de macacos nos jardins e nos telhados das casas e dos templos, especialmente virados para nordeste.
por Acid
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Sobre o autor
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