A Astrologia nasceu como um conhecimento que unia e dava sentido ao homem na sua consciência do "cosmos"; o que quer dizer: na sua "co-participação“ na criação divina" através da compreensão dos assim chamados desígnios divinos; ou ainda, sabedoria para saber interpretar a Vontade do Céu, os desejos do universo, a vontade de Deus etc. O homem destes tempos ao abrir os “olhos” de sua recém nascida consciência de si mesmo e da natureza da qual emergiu sentia-se como um elemento participante e nesta comunhão com o Universo e com o plano divino ele se abria para ouvir muito mais do que para falar ou explicar.
Isto sempre significou uma atitude de relativa submissão da vontade e do interesse egoicos face aos "desejos maiores do universo" (que foi interpretada de modo radical, e de igual maneira rechaçada nos tempos modernos). Estes “homens antigos” não eram tão identificados com o poder e o domínio, muito menos com a manipulação da realidade através da técnica e da ciência materialista. Esta "submissão" não é hoje aceita como defensável, nestes tempos em que a vontade de poder, o senso de arbítrio total (e a ilusão de poder derivada disto) e a manipulação de si (e de tudo) são a regra.
Assim que os "modernos pontos de vista", a ciência mecanicista e a dominância atéia tomaram conta do saber do mundo, assim que a modernidade industrial se locupletou no poder os conhecimentos da antigüidade foram arbitraria e preconceituosamente descartados como enganosos e alienantes.
Esta minha reflexão tem uma direção definida: A de aclarar os meios e possibilidades de se experimentar o mapa astrológico como recurso ou ferramenta para o desenvolvimento psicológico (auto conhecimento). Toda esta caminhada deve servir para contribuir para a reflexão sobre se o estudo da astrologia e o seu uso no aconselhamento de clientes pode ser dirigido à meta de desenvolver auto consciência.
Para tanto faz-se necessário definir e descrever dois processos opostos de conhecer ou modos de conhecer humanos (e, portanto, impessoais e não específicos):
1 - o que faz uso dos sentidos; sendo basicamente racional/científico; aliado ao propósito de manipulação da realidade; identificação com o poder e acesso fácil ao exercício do julgamento; apresenta uma tendência irrestrita para a explicação; uma característica linearidade; com base na palavra e no funcionamento do intelecto; divide o todo em partes para estuda-las em particular e......
2 – o que faz uso da compreensão; sendo unicista, busca integrar as partes em um todo compreensivo; percebe o todo mais do que suas partes; apresenta um sentimento de participação no todo; utiliza um raciocínio dinâmico e que se norteia por uma noção de processo; faz muito recurso à relativização, sendo pouco afeito à identificação com o poder; possui a racionalidade do sentimento; o pensamento é basicamente por imagens sem base na palavra.
Há um hemisfério cerebral que divide tudo em seus detalhes, separa, quebra, cria dicotomias, estabelece a noção de causalidade; e só dá atenção àquilo que julga conveniente aos seus próprios pontos de vista e interesses - geralmente focado na segurança própria e na sobrevivência. Destaca-se aqui o “ponto de vista do predador”, muito comum.
Jung coloca o "pensamento dirigido" (hemisfério dominante) como resultado da linguagem e dependente em larga medida desta abstração que é a palavra. Tem uma finalidade pessoal e uma social, pois é essencialmente um meio de ligação entre as pessoas. Ele contrapõe a este pensamento consciente o pensamento fantasia que, ao invés de alimentar-se da realidade e de ser um instrumento de adaptação ao mundo dos sentidos, alimenta-se de fantasias, imagens e predisposições inconscientes. Este último é livre, solto e ilimitado, porém tem pouco valor adaptativo (à realidade). O primeiro exige maior esforço (cansa e exige repouso) que o segundo que é fluído e espontâneo como um sonho.
Vamos então estabelecer e então usar a noção de que temos dois hemisférios cerebrais e estabelecer uma analogia entre o funcionamento habitual do Pensamento consciente (pensamento dirigido, atenção seletiva) e a função Sentimento (unicismo, ampla visão compreensiva) representada - em conjunto com a Intuição humana - no funcionamento do Hemisfério cerebral alternativo (analogia, símbolos, metáforas).
As próprias origens do pensamento astrológico tem claramente suas raízes lançadas na profundidade de um tempo em que o hemisfério cerebral dominante (Pensamento dirigido) não havia alcançado sequer uma parcela do desenvolvimento conseguido hoje. Este pensar astrológico original se enquadra com mais facilidade nas atividades do hemisfério alternativo.
Este utilitarismo manipulador, tão incorporado ao modo consensual de ser e de pensar de nossa época, cria um preconceito e um desprezo pelos valores da antigüidade e do "pensamento pagão" (ou seja: aquele que não se enquadra na ortodoxia reinante em qualquer época histórica, ou mais simplesmente falando: no “regulamento do regimento”).
Este é o tipo de desprezo e de incompreensão que se dirige às próprias bases vitais do pensamento Astrológico, que teve suas origens em homens menos identificados com o transe do ego e menos submissos e limitados à função consciente e, portanto, menos apartados dos fenômenos inconscientes. Eram homens que, por este motivo, experimentavam uma maior integração com o vivido, naquilo que ele guarda de mágico, de extraordinário, de oculto e de misterioso. Estes homens se sentiam menos criando do que descobrindo o conhecimento universal.
Em resumo pode-se dizer que há coisas que quem viveu sabe e dispensa muitas explicações; ao passo que quem não viveu, não compreende e quanto mais explicações forem necessárias, pior fica...
Modernamente estamos vendo a redução do pensamento astrológico a uma dimensão típica do pensar do hemisfério dominante (conhecer para dominar, causalidade, classificação, repetição, previsibilidade, controle) o que quer dizer adequa-la a um modo de pensar moderno (materialista, causal, estatístico, analítico - que separa para poder conhecer).
Vemos então dois “modos de pensar” em um confronto:
A>>> o intelecto racional; adicto à palavra, causal; lógico; divisão do todo em suas partes - relacionando-os ao hemisfério cerebral dominante e o pensar consciente.
B>>> racionalidade da função sentimento; compreensão; pensar por imagens, pensamento não verbal, ausência de separação entre o observador e o fenômeno observado; noção de ritmo (ciclos); lidar com o todo etc. - Hemisfério cerebral alternativo.
Neste sentido temos que entender que aprendemos primeiro com o hemisfério dominante, e que temos que ler bons livros, decorar algumas coisas, literalmente enchendo a mente de informações (de preferência com bons autores), conhecer dados estatísticos e classificatórios e assim por diante, contudo é o hemisfério alternativo que dá ritmo, síntese, movimento e sentido ao conhecimento astrológico adquirido. É com ele que fazemos síntese do mapa e “vemos” as várias partes de um mapa se integrando em um funcionamento humano que representa um ser real e orgânico face à sua vida neste mundo.Qualquer revolução se baseia na contestação dos poderes aos quais ela dirige sua força de destruição... Qualquer evolução se constrói sobre os escombros de uma mentalidade tida como ultrapassada... Assim foi no Iluminismo de séculos passados. Os que vivem as conseqüências futuras de qualquer evolução (estes somos nós, neste século) geralmente se ressentem da ignorância do processo histórico que ajudou a formar a sua assim chamada "realidade vivida".
Assim foi e assim é...
Ainda que reconheçamos uma certa inevitabilidade neste processo de reassimilação do pensar astrológico à modernidade, temos que convir que sua melhor parte, a mais vital e criativa acabará mutilada, castrada e seu sentido será perdido.
Segundo Erich Neumann: "Ciência e técnica (hoje) demonstram a capacidade da consciência de se haver com a natureza física e de domina-la em larga escala, em maior medida do que qualquer outra época da história da humanidade".
Mas, Jung também disse sobre isso: "Em sua compreensão mais profunda a Psicologia é auto conhecimento. Contudo, temos motivos suficientes para admitir que o homem em geral tem uma profunda aversão ao conhecer alguma coisa a mais sobre si mesmo e que é aí que se encontra a verdadeira causa de não haver avanço e melhoramento interior, ao contrário do progresso exterior".
Parece às vezes que a Astrologia sairá irremediavelmente mutilada do tratamento "moderno" que vem recebendo: especializações e divisões do pensamento dicotômico. Não é difícil imaginar que, dentro em pouco, uma pessoa com o ASC em Áries será atendida por um astrólogo especializado neste signo e depois terá de passar por outro especializado em Touro, para ouvir orientações sobre o seu signo solar. Apenas piada? Tomara assim seja!!!
O pensamento astrológico foi mais descoberto que criado. Nasceu de uma compreensão do Homem a respeito do funcionamento do Universo Local, no seu sentido filosófico/religioso/metafísico e não para uma manipulação utilitarista do mundo (clientes, situação vivida, astros) no seu sentido físico e matemático/técnico.
Há na integração do funcionamento dos hemisférios cerebrais uma função que une, integra; busca o Todo e não a Parte; exercita assim a experiência da totalidade, da participação do homem consciente na "criação divina" (o que quer dizer a capacidade de reconhecer a organicidade do vivido, a sincronicidade como princípio organizador do mundo, a religiosidade primitiva).
Considero provável e possível que o melhor da Astrologia jamais foi sistematizado/publicado, permanecendo na dependência (sempre providencial) do amadurecimento e da experiência do conhecedor, do mestre, ou do sábio. Não se tratava apenas de conhecimento intelectual, mas de maturidade e sabedoria, compreensão e graça; portanto, era transmitido de geração a geração.
Não se trata aqui de estabelecer qualquer gênero de desvalia para os conseguimentos científicos modernos, que foram e são extraordinários, mas de tentar não reduzir, nem comparar, a este mesmo patamar (ponto de vista) os conseguimentos dos antigos pensadores. Trata-se de um esforço de um homem historicamente situado para resgatar e reintegrar valores universais que foram banidos de nosso universo de pensamento corrente. Por assim dizer e lembrar: não foi sempre que uma Universidade representava mentalmente um prédio de departamentos onde cada especialista desenvolvia conhecimento de sua área sem integra-la com os demais...
O pensamento "manipulador" (hemisfério dominante) filtra o real e só se interessa por técnicas e métodos que aumentem o poder do ego, que se traduzam em uma ação deliberada e intencional sobre o meio, controlando-o.
Este pensamento, hoje o mais comum dos comuns, só se interessará pela Astrologiano momento em que ver possibilidades de "controlar os astros e definir resultados".
Fazendo um exame de consciência qualquer astrólogo perceberá a presença deste conteúdo do pensar moderno em seu dia-a-dia e em seus “pensares” cotidianos. Daí é só uma conseqüência que o modo de lidar com o mapa e seus produtos se torne exatamente o mesmo, a menos que... o astrólogo esteja advertido disto e se cuide para evitar se perder no oceano enganoso das pretensas capacidades do ego manipulador (a ilusão do poder). Fazendo um exame de consciência perceberá esta motivação em si mesmo e na maioria dos seus clientes, ou seja: os clientes implicitamente desejam saber as respostas à seguinte pergunta:
"Como vou adquirir domínio e poder sobre os astros e sobre a minha carta astrológica, de modo a que tudo funcione de acordo com os meus desejos, interesses e preferências" ? Você (astrólogo) tem esse poder ? Você pode fazer o universo agir a meu favor?
Atender de algum modo e dentro do possível a este tipo de expectativa é obrigação de todo astrólogo moderno, porém, se ele não se aperceber dos limites desta perspectiva moderna, será vítima inconsciente do "pensamento da época" e esta falta de preparo filosófico e de historicidade serão fatais pela carência de "consciência da relatividade das concepções de seu tempo". De um modo insidioso e impertinente este transe vai inexoravelmente vetar-lhe a compreensão da Astrologia, do mundo e, o que é pior, de si mesmo. É inútil discutir se o aqui apontado é causa ou conseqüência, já que os efeitos aí estão e explicações, por melhores que pareçam, não libertam ninguém do transe de ilusões coletivas avassaladoras. O que se vê, ao contrário, é que as perpetuam.
Assim sendo, cada um destes dois “estilos psicológicos” de lidar com o mundo se confrontam dentro dos limites e fronteiras de sua própria especialização, gerando um perfil característico de explicação de um lado, e de compreensão, por outro lado, através da Astrologia.
Podemos falar em um tipo passivo e outro ativo, a grosso modo, mas temos que tomar muito cuidado em não nos apropriarmos de tais palavras pelo seu sentido valorativo, de certo e de errado, pois nenhum dos tipos ou estilos é melhor nem pior que o outro. Nenhum deles, como especialização, cumpre a função da totalidade, nenhum pode prescindir de atividades, valores ou perspectivas do outro tipo, sob pena de cair em preconceito e reduzir drasticamente os horizontes de sua pesquisa e de sua compreensão do assunto.
Estas são características dos tipos psicológicos humanos e de seus “estilos peculiares” diante da vida. A dicotomia e a partição do todo não se origina na Astrologia (que até a esclarece e compreende) e sim nos pontos-de-vista pessoais, individuais e/ou grupais/históricos.
Podemos diferenciar estes dois tipos dependendo de se saber se um ou se outro desenvolveu mais a ação do hemisfério dominante ou a do alternativo. Há partes (do todo) que devem ser encargo do dominante e há partes que cabem ao alternativo. Cada qual deve dar sua contribuição ao produto final, em seu tempo e em seu domínio particular.
Ao astrólogo consciente (da ação dos opostos; da interpenetração entre Signos, Elementos, Planetas; e, no sentido psicológico: o conhecimento das compensações psíquicas) cabe coordenar a ação de ambos em um todo significativo.
Por esta razão é que é tão rara a manifestação plena da consciência humana, não só neste campo de estudo mas em todos, de modo geral.