Sabe aquela parte de você que você não gostaria de olhar para ela nem pintada de ouro... Pois é... Parece que ela resolveu se apresentar sem nenhum enfeite... nua e crua assim como dizem que é a verdade.
E o que antes ficava bem quietinho lá no fundo... só vindo à tona quando explodia assim meio no susto, em coisas onde não me reconhecia nelas a princípio... Mas que, olhando daqui, dali... no fundo, eu sabia que eram eu.... um eu negado, escondido, que insistia em me lembrar do que eu não queria.
Mas com o tempo e o trabalho de autoconhecimento... acabava acolhendo... aceitando e até buscando em mergulhos profundos os presentes que essas partes traziam...
Resolvi, então, abraçar a sombra... em doses inicialmente homeopáticas mas que se tornaram um caminho precioso e revelador...
Mas de tanto abraçar a sombra parece que a sombra resolveu me abraçar... e isso me assustou um pouco... de repente, ela resolveu se revelar a olho nu... assim do outro lado da rua, na outra calçada.
Num primeiro instante, fiquei sem saber o que pensar... como que pode a sombra antes tão escondida agora se mostrando ao sol e até querendo se aproximar... tentei fugir desse novo modelo de sombra mas... ela estava lá do outro lado da rua sempre me acompanhando
E onde eu ia... ela ia, tentei despistar e nada... comecei a andar com minha sombra exposta.... bem visível... ali, do outro lado da calçada tentando se aproximar, mais e mais... Não que ela me assustasse, porque não era de dar medo, mas me irritava... me sentir presa a alguém, como se um cordão nos ligasse, tirava o ar da minha liberdade...
Foi então que vi o cordão, ele realmente existia e isso me deixou tão em pânico que cortei aquele cordão em uma decisão dramática.
E quando fiz isso... ela caiu inerte lá do outro lado da rua e eu livre fui tomar outros rumos em liberdade...
Mas algo me prendia a ela e não consegui caminhar muito sem que meu coração doesse por aquela parte abandonada...
Voltei lá para ver o que tinha acontecido com ela... continuava imóvel, do jeito que deixei ...
Olhei para ela com olhar sem resistência... o que para mim já estava de bom tamanho.
Mas não foi o suficiente, ela continuava lá caída, parada... nem respiração tinha. Chamei... e nesse ponto quase saí porque pensei: e se acorda e começa a me seguir de novo assim descaradamente...
Então... meu coração pintou meu olhar com o amor e me deitei do lado dela e segurei a sua mão...
Foi só o que precisou para que ela se levantasse, e eu também... de pé e de mãos dadas ela me levou a revisitar minha infância... adolescência.... e todos os meus tempos até o de agora... E, em cada história me revelou segredos sobre mim... e dores foram dissolvidas e deixadas ir ao vento.
Surpresa com esse presente tão grande de uma sombra que julguei fraca ao me incomodar, não pelo medo, mas pela suposta fraqueza, dei-me conta de como sabia tão pouco de mim... Perguntei se ela queria que também segurasse na sua mão e a levasse para revisitar seu passado. Ela só sorriu, e eu entendi que eu sou ela e ela sou eu...
Frida Kahlo chegou no meio desse movimento com essa lindeza: "Tentei afogar minhas mágoas, mas as malditas aprenderam a nadar, e agora estou sobrecarregada com essa decente e boa sensação".