Publicado dia 12/3/2001 10:17:37 AM em Corpo e Mente
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O corpo retrata a história do indivíduo. Vamos observar como isso acontece. Observemos as crianças: na sua relação com o mundo, antes que ela venha dominar todos os seus veículos de expressão e manipulação da realidade, a criança se coloca experiencialmente inteira no seu aprendizado. O corpo atua espontaneamente sem a mediação de sua capacidade mental. Ambos, corpo e mente, crescem juntos. É numa atividade lúdica que a criança absorve e apreende a realidade.
A experimentação e o uso dos sentidos são de fundamental importância para o desenvolvimento motor e psicológico, como prova, por exemplo, o papel que os ouvidos e sua função auditiva exercem no desenvolvimento do equilíbrio físico. A criança experiência de tudo: ela vive cada personagem que cria na imaginação; ela dramatiza a sua experiência, ela se coloca de corpo e alma na brincadeira, vive intensamente as suas emoções. Nela, tudo flui espontaneamente. É nesse aprendizado que a criança cria as bases para o seu desenvolvimento pessoal e sua relação com o mundo.
Porém, essa fase não dura muito tempo. Cedo a criança começa a ser tolhida em suas potencialidades. Em casa, na escola, na sociedade.
Considere o peso, a enorme influência dos valores culturais e das instituições sociais sobre a formação do indivíduo: do patriarcalismo (muito mais que “machismo”, toda uma cultura assentada no poder do homem); do ensino cada vez mais medíocre (resultado do reducionismo, da especialização, da insensibilidade); de uma noção religiosa repressora e cheia de preconceitos; fora todos os outros condicionamentos de uma sociedade tão desequilibrada quanto a nossa.
A socialização da criança é um processo de adaptação a esse determinado molde cultural, um padrão de conduta. Logo a sua espontaneidade é tolhida.
A espontaneidade é o livre fluir, em todos os aspectos.. Da respiração aos gestos corporais. Da expressão das emoções e sentimentos íntimos à forma como se utiliza o corpo e suas possibilidades expressivas.
A respiração é o primeiro elo da cadeia, o primeiro a sofrer tolhimentos quando o conflito aparece. A respiração tem uma ligação direta, fundamental, com os estados emocionais. Observe as alterações que se processam na respiração quando nos presenciamos em situações críticas, como o medo, a raiva, a ansiedade, ou mesmo em situações agradáveis como a alegria, euforia, etc. Daí podemos deduzir o que acontece com uma criança, ou um adulto que vive cronicamente sob pressão de determinados condicionamentos e exigências sociais. Um determinado padrão repressor, uma determinada pressão de conduta, interfere no modo como o indivíduo respira, se expressa e cria as bases para todos os processos neuróticos e insanos.
A desassociação do indivíduo consigo mesmo, a adaptação ao que é convencionalmente aceitável, o tolhimento da espontaneidade, gera um ambiente de falsidade. Somos falsos com nós mesmos e, em decorrência, com o outro. Para se conviver com o falso, nós adotamos as máscaras convenientes à essa adaptação social. A máscara não é apenas facial. O corpo inteiro veste as máscaras à medida que o autêntico não pode se manifestar. Podemos entendê-las como sendo as “couraças do caráter”, tão bem formuladas por W. Reich. As abordagens mais completas, hoje, no processo terapêutico são aquelas que valorizam o corpo como meio de expressão. O corpo fala, sem racionalizar. O corpo fala das intenções ocultas. Fala do inconsciente.