A "fuga mundi", de matriz estoica, era concebida, pelos filósofos daquela escola, como uma forma de defesa contra as ilusões e frustrações próprias da vida em sociedade.
A busca por autoconhecimento é um caminho repleto de desafios e contradições. Nos dias atuais, encontrar paz e sossego pode parecer uma tarefa complicada, principalmente devido às exigências financeiras e sociais que envolvem a "fuga do mundo". Esse conceito, que outrora poderia ser mais facilmente alcançado, agora exige planejamento, recursos e uma adaptação a um novo ritmo de vida.
Pessoalmente, realizei essa "fuga" ao sair de São Paulo em 2017 e me mudar com toda a família para o interior.
Na Idade Média, fugir da cidade e buscar um refúgio na natureza era uma tarefa relativamente simples. As necessidades materiais eram poucas e a vida nas cidades não era tão diferente da vida no campo. Naquela época, a ausência de um estado organizado e a simplicidade da vida material tornavam mais fácil a transição para um estilo de vida mais tranquilo. Hoje, no entanto, essa busca envolve uma série de complexidades.
Para aqueles que desejam escapar da agitação urbana e se reconectar com a natureza, a realidade é que é necessário um certo nível de privilégio financeiro. Ter um emprego estável, economizar dinheiro e planejar a compra de uma terra são requisitos fundamentais. Essa contradição - a necessidade de recursos materiais para buscar uma vida mais simples - é um reflexo da nossa sociedade contemporânea. Fugir do mundo exige, paradoxalmente, um investimento significativo no próprio sistema que se deseja deixar para trás.
O filósofo Theodor Adorno argumentava que, na sociedade moderna, a verdadeira fuga do mundo é quase impossível. Ele sugeria que, para escapar, é preciso pagar um preço que é claramente tabelado, quase como um preço de mercado. A fuga do mundo, segundo Adorno, requer dinheiro, trabalho e planejamento, todos elementos intrínsecos ao sistema que se pretende abandonar.
Um dos principais aspectos dessa busca é a mudança na percepção do tempo. O tempo social, caracterizado pelas interações rápidas e numerosas nas grandes cidades, difere drasticamente do tempo experimentado na natureza. Na cidade, o tempo parece voar devido à constante atividade e ao ritmo frenético das interações. Em contraste, na natureza, o tempo social desacelera, permitindo um maior espaço para o tempo psicológico - aquele dedicado à introspecção e ao autoconhecimento.
No entanto, viver em contato com a natureza não é sempre a solução para todos os problemas. O desencaixe do seu sistema de mundo original, onde estavam psicologicamente e a subsequente inserção forçada em um mundo diferente, cheio de novas temporalidades e relações, pode ser devastador. Essa transição abrupta, que causa o desencaixe, evidencia a importância de estar cognitivamente e emocionalmente preparado para uma mudança tão significativa.
Para aqueles que desejam buscar uma vida mais simples e conectada com a natureza, certos temperamentos e atitudes são essenciais. Primeiramente, é necessário não ser obcecado pelas ofertas da cidade. A capacidade de encontrar satisfação em um ritmo de vida mais lento e menos dependente de estímulos externos é crucial. A pessoa deve também possuir os recursos financeiros adequados para sustentar essa nova vida, mas não ser excessivamente apegada a bens materiais ou ao reconhecimento social que a vida urbana proporciona.
Além disso, é fundamental gostar de silêncio e da própria companhia. A natureza oferece uma oportunidade única para introspecção e autoconhecimento, mas exige que se abra mão das distrações e validações constantes da vida na cidade.
Em resumo, a busca por autoconhecimento no mundo moderno envolve uma série de paradoxos e desafios. É preciso planejar, ter recursos e adaptar-se a um novo ritmo de vida. Essa jornada, embora complexa, pode proporcionar uma profunda conexão consigo mesmo e com o mundo natural, desde que se esteja preparado para os sacrifícios e mudanças que ela exige.
Artigo totalmente inspitado no programa Linhas cruzadas