Fanatismo, em qualquer de suas formas, sempre se revelou uma força destrutiva na história da humanidade. No âmbito religioso, é um fenômeno que transforma ideias e crenças em armas, tornando a devoção um instrumento de imposição e exclusão.
Emil Mihai Cioran (1911-1995) foi um escritor e filósofo romeno radicado na França. Segundo ele toda ideia nasce neutra, mas o ser humano, ao projetar suas paixões e demências, a transforma em crença. Nesse processo, as ideias perdem sua neutralidade e ganham um caráter absoluto, fomentando doutrinas e ideologias que culminam em eventos históricos marcados por violência e intolerância.
Para o filósofo, a história da humanidade é um desfile de "falsos absolutos", onde a necessidade de adoração leva à criação de novos "Deuses" - sejam eles religiosos, políticos ou filosóficos.
A paixão humana por um dogma é vista por Cioran como a raiz do fanatismo. Quando uma ideia se torna um Deus, ela passa a justificar qualquer ação, incluindo a violência. "Nunca se mata tanto quanto em nome de um Deus ou de seus sucedâneos", afirma ele. A intolerância religiosa, em particular, exemplifica esse fenômeno: aqueles que amam indevidamente um Deus ou um ideal buscam impô-los a outros, frequentemente pela força.
O fanatismo emerge da incapacidade de aceitar a dúvida e a indiferença, que são, segundo Cioran, virtudes mais nobres do que todas as certezas dogmáticas. Ele descreve o fanático como "incorruptível", um ser que pode tanto matar quanto morrer por uma ideia, tornando-se, em ambos os casos, um monstro. Essa obsessão pela verdade única e inquestionável transforma o fanático em um perigo para a convivência humana.
Cioran também critica a arrogância presente na oração e na adoração religiosa. Ele a percebe como uma forma de delírio de grandeza, na qual o crente se coloca em diálogo direto com o Criador, conferindo a si mesmo um status que transcende a condição humana.
Para ele, essa relação com o divino é uma manifestação de megalomania e um reflexo da necessidade humana de criar um sentido para a existência.
O fanatismo que contamina e exalta as almas, pode ser combatido com o cultivo da modéstia e da dúvida.
Ao longo da história, o fanatismo religioso foi responsável por inúmeras tragédias, desde as Cruzadas até a Inquisição, passando por guerras santas e perseguições religiosas. O autor ressalta que as épocas de fervor religioso são também as de maior violência. Santa Teresa foi contemporânea dos Autos de Fé, assim como Lutero viveu durante a Matança dos Camponeses.
Nessas crises místicas, os gemidos de êxtase confundem-se com os gemidos das vítimas.
O filósofo também traça paralelos entre o fanatismo religioso e outros tipos de fervor ideológico, como o nacionalismo, o racismo e as utopias políticas. Ele observa que o "diabo" empalidece diante de quem se sente possuidor de uma verdade. Essa certeza inabalável, que anula a dúvida, é o que alimenta tanto as grandes carnificinas quanto os pequenos despotismos cotidianos.
Cioran sugere que apenas os céticos, os preguiçosos e os estetas (crítico que se dedica ao estudo da estética); conseguem escapar dàs armadilhas do fanatismo. Eles não propõem nada, não buscam converter ou salvar os outros, e, por isso, tornam-se verdadeiros benfeitores da humanidade.
A indiferença é, nesse sentido, uma forma de resistência à tirania das ideias absolutas.
O fanatismo também é uma das maiores ameaças à liberdade e à convivência. Ao analisar suas origens e manifestações, podemos encontrar caminhos para resistir à sua influência, valorizando a dúvida, a modéstia e a indiferença como virtudes essenciais para a preservação da paz e da dignidade humana.
Cioran conclui que a paixão por um dogma é a queda original da humanidade e que o verdadeiro paraíso seria um mundo livre de certezas absolutas.
Inspirado nas reflexões de Emil M. Cioran, um crítico profundo da existência e do dogmatismo, este texto busca dialogar sobre as origens, manifestações e consequências do fanatismo religioso; uma das expressões mais profundas da busca humana por sentido e controle.