Estamos no século XXI e percebemos as pessoas numa busca ansiosa por parceiros amorosos, mas o que tem acontecido são desencontros amorosos e uma alta rotatividade nos relacionamentos.
Estamos vivendo uma época em que vemos a banalização das relações, onde o culto por relacionamentos “apaixonados” promove a falta de responsabilidade diante das crises naturais de toda e qualquer relação.
O culto por relações “apaixonadas”, onde a paixão é o que dá o “tom” das mesmas, faz com que a partir do momento que se acaba a paixão perde-se a necessidade da manutenção da tais relações; acaba por levar as pessoas a estabelecê-las sempre num nível superficial e com total descompromisso.
Todos – homens e mulheres – se queixando de seus pares do sexo oposto. Mulheres se queixam que os homens não querem nada a sério; homens se queixam que as mulheres estão muito “fáceis”; e ambos se queixam da banalização do sexo e dos encontros – que nunca acontecem – mas que tanto anseiam.
O que acontece? Onde nós – homens e mulheres – “perdemos a mão” do relacionamento amoroso? É fácil culpar o outro – o homem culpa a mulher e a mulher culpa o homem – deste total desencontro amoroso! O difícil é assumir sua cota de responsabilidade nesta situação atual.
É claro que vivemos num período conturbado, resultado de “milênios” de desenvolvimento do ser humano e para entender todo esse desencontro amoroso precisamos fazer uma retrospectiva na história sócio-econômica do ser humano.
Se nos voltarmos à história da humanidade perceberemos como os valores foram se implantando dentro das necessidades evolutivas de cada época.
Dentro da história antiga vemos o ser humano em seus clãs, onde havia o patriarca que decidia o que era melhor para seu grupo. Naquela época o que valia era a necessidade do coletivo, mais do que a necessidade individual, e os casamentos eram arranjados em prol dos respectivos clãs.
A “missão” do homem era disseminar sua “semente”, por isso a poligamia era estabelecida, onde aquela máxima: “crescei e multiplicai-vos”, era vivida ao pé da letra, e portanto não era importante o relacionamento homem-mulher como um relacionamento amoroso, mas, sim, se ambos poderiam trabalhar pelo bem e manutenção do clã, cada um com seu papel absolutamente determinado.
O advento do cristianismo trouxe-nos mais para perto do indivíduo, com Jesus pregando “respeitai-vos uns aos outros como se fosse a ti próprios”.
Já não existem mais os clãs, agora temos as cidades-estados. O enfoque do relacionamento humano tem uma pequena alteração, pois se antes, no clã, todos são aparentados de alguma forma, nas cidades-estados já não o são mais, e então não é necessário ir buscar um marido ou uma mulher fora do ambiente em que se mora.
Até aqui todos os textos nos trazem o relacionamento homem-mulher apenas como um encontro para a procriação e constituição da família, onde o homem é seu patrono e provedor e a mulher, em segundo plano, ficando na função de procriadora.
É na Idade Média que encontramos os textos sobre uma nova visão de relacionamento homem-mulher. Foi através da história de Romeu e Julieta que Shakespeare apresentou o novo conceito: a Alma Gêmea – que prega que existe alguém único e especial e que nos completaria, que seria nosso companheiro, ou nossa companheira, para toda a eternidade, que se não o/a encontrássemos não teríamos um relacionamento amoroso pleno e satisfatório, então, só nos resta ou uma vida infeliz ou a morte.
A Igreja Católica, forte na época, abarcou o conceito para reforçar seus argumentos de casamento monogâmico, de a mulher se preservar, manter-se casta, à espera de alguém especial, que se tornasse seu marido e a ele, e somente a ele, se “entregasse”.
A mulher continua em posição de inferioridade, à espera, passiva... O homem continua no papel de provedor e a mulher, de procriadora. Mas todas as histórias, a partir daí, quando mostram que os pares encontraram a sua Alma Gêmea, terminam em “E, eles viveram felizes para sempre!”
E aí temos o Amor Romântico: a felicidade estabelecida com o encontro da Alma Gêmea, transmitido pelos “intelectuais” da época e avalizado pela Igreja Católica.
Até o século passado vivemos sob esta égide como verdade absoluta e inquestionável. Mas, a partir do momento em que mulher buscou a “igualdade” em relação aos homens – no século passado – as coisas começaram a sair do eixo, parece que as coisas não se encaixaram mais...
Os papéis, antes estabelecidos – homem como provedor e mulher como procriadora – já não se sustentam por si nesta nova condição de papéis, pois a mulher não se contenta em ficar em segundo plano, descobriu que pode ser sua própria provedora; o homem, em contra partida, descobriu que não precisa ser aquele rochedo, frio e insensível, que “pode chorar, sim”.
Parece que precisamos fazer uma reformulação de nossas crenças, valores e papéis sociais.
Vivemos um paradoxo, pois existe uma grande confusão: crenças e valores herdados, ainda da idade média, misturados às novas conquistas sociais.Parece que os homens têm medo de não serem mais importantes e necessários à mulher, como se elas fossem dominar tudo e, eles, ficarem na posição de inferioridade, até agora delegado à elas. E, a mulher parece ter a fantasia de que abrir mão do seu papel de “frágil” seria abrir mão da cômoda não-responsabilidade diante da relação e ainda ter que assumir tudo sozinhas: casa, filhos, trabalho...
Dentro da psicologia sabemos que todos os nossos medos de que um dia, num futuro, possa vir acontecer, de fato já, no presente, está acontecendo. Esta, sim, é uma grande realidade. Pois, é exatamente isto que vemos acontecendo atualmente no relacionamento homem-mulher.
Por medo de assumir a necessidade de se reformular os paradigmas, vemos grandes desencontros e a guerra estabelecida para se tentar preservar um status quo, de ambos os lados, que já nem existe mais.
Precisamos entender que temos muito mais a ganhar do que a perder com esta reformulação.
No presente, com os novos papéis conquistados – por homens e mulheres – temos, ambos, direitos garantidos enquanto indivíduos dentro da relação, pois não é possível se estabelecer um relacionamento amoroso sem a contraparte. A mulher é absolutamente importante na vida de um homem como o homem também o é na vida de uma mulher.
A obrigatoriedade de novos paradigmas, baseados em novas crenças e valores, sobre o que é relação homem-mulher, sobre o que é Alma Gêmea, se faz urgente.
Toda reformulação, toda transformação, só ocorre quando desenvolvemos consciência dos equívocos e contradição entre minhas necessidades emocionais, motivações internas, e as minhas atitudes.
Então, como podemos buscar a nossa “alma gêmea”, dentro daquele conceito medieval, de buscar a nossa outra metade que nos completaria e ainda assim ser Um indivíduo? Como, nós mulheres independentes, podemos nos colocar numa posição passiva de esperar alguém “especial e único” para nos “entregar”? Como pode um homem que diz querer uma companheira, querer também bancar o príncipe que luta contra o dragão para salvar sua bela adormecida? Embora a mulher e o homem modernos não falem neste tom está implícito quando se busca a “Alma Gêmea” ainda hoje.
Eis o paradoxo instalado: vamos ainda buscar nossa alma gêmea, no conceito medieval, e queremos uma relação liberal.
Precisamos entender que estamos num estágio tal de evolução que não nos permite viver na ignorância de nossa individualidade dentro de uma relação e que esta insistência em se viver ignorante de nós mesmos e da nossa cota de responsabilidade dentro de uma relação – seja ela qual for – leva-nos a este desencontro.
Precisamos, primeiro, encontrar a nós próprios, enquanto indivíduos, na nossa própria vida, para depois, encontrar o outro, também enquanto indivíduo.
Precisamos, tanto coletiva como individualmente, reformular o que é relacionamento amoroso, o que é Alma Gêmea. Precisamos desenvolver novos conceitos para o presente momento, para que possamos estabelecer novos códigos – códigos comuns à atualidade – dentro das novas necessidades do ser humano contemporâneo. Enquanto isto não acontecer só haverá encontros e desencontros, depressão, ansiedade, angústia e toda a gama de sentimentos fruto da falta de perspectiva diante da vida.
E como sair deste redemoinho desamoroso em que vivemos?
Antes de mais nada é necessário reformular nossos conceitos.
O primeiro passo é se ter consciência sobre a própria individualidade; o Indivíduo que somos, e quais são nossas reais necessidades, as mais prementes na nossa própria vida.
O segundo passo é saber que precisamos ter tais necessidades satisfeitas, em prol de nossa saúde emocional.
O terceiro passo é nos dar o direito de ter essas necessidades satisfeitas para que tenhamos uma vida feliz.
E, para que possamos reivindicar o direito à satisfação de nossas necessidades, primeiro precisamos assumir total responsabilidade sobre a nossa pessoa. Portanto, ninguém é responsável pela nossa vida nem pela nossa felicidade, porque ninguém pode ser vital à nossa sensação de felicidade e auto-respeito a não ser nós mesmos. Quando eu tenho claro estas questões para mim, enquanto indivíduo, consigo estabelecer relações mais satisfatórias em minha vida.
Então, quando eu vou inteiro – responsável por mim – ao encontro da minha contraparte e a minha contraparte vem inteira – também responsável por si – ao meu encontro, somos duas individualidades que se encontram e que buscam apenas estabelecer troca de amor, tão fundamental para uma relação.
Então, o novo conceito de Alma Gêmea poderia ser o de duas pessoas inteiras, que se encontram, que têm muitas afinidades e que estabelecem uma relação de amor, respeito, cumplicidade e intimidade. Para isto, então, precisamos rever, re-conceituar e esclarecer o que é Amor... o que é Respeito Mútuo... o que é Cumplicidade... o que é Intimidade... para cada um de nós e coletivamente...
Parece que este é o nosso exercício de vida para este começo de século, reformular conceitos e, conseqüentemente, o que é relacionamento amoroso, necessidades emocionais, papéis sociais, para que possamos ter uma melhor qualidade de vida e de relacionamento a partir de então.
por Maria Aparecida Diniz Bressani
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Sobre o autor
Maria Aparecida Diniz Bressani é psicóloga e psicoterapeuta Junguiana,
especializada em atendimento individual de jovens e adultos,
em seu consultório em São Paulo.