Segundo o budismo tibetano, existem duas formas primárias de sofrimento: o sofrimento intrínseco à vida humana e o sofrimento causado pelas tentativas de fugir dele.
A pressão interna é uma expressão deste segundo tipo de sofrimento. Ela aumenta ao passo que tentamos não nos conscientizarmos do sofrimento que já está presente em nossa mente.
A chave para liberar a pressão interna consiste, portanto, em tornarmo-nos atentos e curiosos em relação ao confronto conosco mesmos.
Perdemos tempo e energia vital evitando entrar em contato com a dor. O quantum energético de pressão interna que sentimos refere-se à quantidade de sentimentos e tarefas inacabadas que encontram-se dentro nós, esperando por serem tocadas, sentidas e dissolvidas.
Se quisermos superar a pressão interna, teremos que ser muito sinceros ao responder a seguinte pergunta: “Preferimos um relacionamento direto com a vida, ou viver e morrer com medo”?
Os sentimentos que estão nos pressionando para serem sentidos expressam-se em nossas reações de irritação, medo, decepção, ciúmes. Dentro de nós, habita uma mente infantil, mimada e carente de atenção. Alguns sentimentos pedem por explicações.
Outros já compreenderam o ocorrido, mas ainda não foram digeridos. Eles ainda estão presos a algo que ficou para trás. Como diz Naomi Remen, em seu livro As bênçãos de meu avô: “A dor que não é sofrida transforma-se numa barreira entre nós e a vida. Quando não sofremos a dor, uma parte nossa fica presa ao passado”.
Cada dor tem um quantum de energia acumulada que precisa ser consumida. A consciência da dor acelera seu processo de dissolução. Ter consciência não é lutar contra a dor, é vivenciá-la com aceitação incondicional. Por exemplo, dizendo: “OK, agora aceito aceitar, pois sei que um dia entenderei melhor o que essa dor veio me ensinar” ou então: “Não quero ficar estagnada nessa dor, quero seguir em frente; por isso, abro-me para novas oportunidades sem compreender agora o que estou deixando”.
Certa vez, na Malásia, o Lama Gangchen Rimpoche nos mostrou um monge que havia feito uma oferenda queimando o próprio dedo. Fiquei chocada e perguntei: "Mas não dói?". E ele me respondeu: "Aquilo que a mente aceita não dói."
A humildade de abrir mão da necessidade imediata de compreender racionalmente o ocorrido é um antídoto para irmos além do dualismo do certo e errado. O constante julgamento de nosso mundo interno e externo é como gasolina para o fogo da pressão interna.
Temos que aceitar a verdade de que é a nossa própria visão limitada da realidade que nos prende ao sofrimento. Aceitar a dor é ser autêntico frente a ela. É ter um relacionamento direto com a vida.
Quando estamos sob pressão interna, nossa mente se desloca em várias direções ao mesmo tempo e intensifica nossas avaliações. Aí mora o maior perigo: concluirmos “quem somos” a partir da intensificação de auto-imagem presa na confusão mental. Esse é o momento de nos dizermos: MENOS.
O humor e a delicadeza de nos dizermos MENOS nesse momento nos trará de volta o bom senso.
A pressão interna existe porque não nos permitimos mais sentir nossos sentimentos com abertura. Mas, quando rompemos esta atitude e passamos a nos sentir de fato, vemos que é possível romper este hábito.
Quando a pressão interna surgir, feche os olhos, respire profundamente algumas vezes e pergunte-se: “O que está acontecendo aqui?”. Ao nos abrirmos para sentir o sentimento, deslocamos nosso foco de atenção sobre o sentimento em si mesmo e nos abrimos para a percepção da consciência do sentimento.
A consciência do sentimento nos lembra que não somos apenas a experiência mental do sentir, mas que temos a capacidade de nos sustentarmos no que quer que estejamos sentindo.
A capacidade de auto-sustentação diminui a ameaça e a pressão interna passa a ceder.
Com a prática de meditação budista conhecida por Tong Len acabamos nos acostumando a sentir aquilo que habitualmente evitamos sentir.
Ao inspirar, inverteremos nosso padrão de endurecer o coração e temos a experiência de suavizá-lo.
Ao inspirar nos propomos: “Abro-me para sentir o que quer exista em mim agora” e ao expirar afirmamos: “Envio-me coragem e suavidade”.
Ao inspirar, acolhemos nossa pressão interna e ao expirar deixamos que ela se dissolva no espaço interno que nos oferecemos para ela se esvair.
Inspiramos buscando espaço e expiramos expandindo o espaço.
Então, inspiramos desejando que todas as pessoas possam ser livres da pressão interna por manter seus corações fechados. E expiramos enviando-lhes alívio e frescor, enquanto as visualizamos descansadas e relaxadas.
por Bel Cesar
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Sobre o autor
Bel Cesar é psicóloga, pratica a psicoterapia sob a perspectiva do Budismo Tibetano desde 1990. Dedica-se ao tratamento do estresse traumático com os métodos de S.E.® - Somatic Experiencing (Experiência Somática) e de EMDR (Dessensibilização e Reprocessamento através de Movimentos Oculares). Desde 1991, dedica-se ao acompanhamento daqueles que enfrentam a morte. É também autora dos livros `Viagem Interior ao Tibete´ e `Morrer não se improvisa´, `O livro das Emoções´, `Mania de Sofrer´, `O sutil desequilíbrio do estresse´ em parceria com o psiquiatra Dr. Sergio Klepacz e `O Grande Amor - um objetivo de vida´ em parceria com Lama Michel Rinpoche. Todos editados pela Editora Gaia. Email: [email protected] Visite o Site do Autor