A maternidade é percebida por algumas mulheres como o início de um novo ciclo, um marco diferencial que consagra de forma concreta a abrangência do papel feminino, e talvez seja por isso que a maternidade pode tornar-se uma dolorosa obsessão. Muitas mulheres desenvolvem dentro de si o desejo de ser mãe. A maternidade após os trinta é raramente um erro de cálculo ou obra do acaso, trata-se na maioria das vezes de algo planejado, sonhado e muito desejado. Algumas vezes torna-se um objetivo de vida. Condição para sentir-se realizada no mundo.
A revolução do papel da mulher na sociedade, e sua conseqüente inserção no mercado de trabalho de forma cada vez mais competitiva, modificou consideravelmente as características da mulher atual. É claro que a liberdade sexual também ajudou, pois atualmente a mulher pode escolher a maternidade desvinculando-a da relação sexual. Historicamente somos herdeiras de uma educação onde o amor e o sexo formavam um dueto inquestionável para uma mulher de “boa índole”, e o prazer só era permitido relacionado com o sentimento mais sublime, o amor, e desta forma mantinha-se uma visão da mulher comparável apenas ao aspecto divino dos anjos, e não aos seres humanos.
A mulher, faz parte da mesma espécie tanto como o homem, por mais incrível que isso possa parecer para alguns, guardando obviamente diferenças entre si, não apenas físicas, mas emocionais e culturais, que se revelam em sua forma de se relacionar com o mundo. Os seres humanos, - homens e mulheres portanto - sentem, desejam e são capazes de amar de várias formas, cada um com suas peculiaridades.
A mulher está aprendendo a buscar seus desejos, a ter projetos outros além de casar e ter filhos. Com o desenvolvimento emocional e cultural tanto da mulher como do homem e o aumento de sua autoconsciência, a maternidade está deixando de ser manipulada à vontade pelos controles sociais de natalidade, ou mesmo pelos interesses políticos de alguns. O desejo feminino passou a ser mais aceito e reconhecido, numa sociedade tradicionalmente patriarcal.
Muitas dessas mudanças estão acontecendo, como resultado do questionamento de fórmulas antigas e consagradas onde as idéias sobre sexo, sexualidade, prazer e amor eram associadas à sujeira, vergonha, medo, dor, repulsa e culpa. A mulher está tentando aprender com os homens a separar amor e sexo, enquanto o homem reciprocamente, tenta aprender a juntar as duas coisas.
Temos obviamente ganhos e perdas com essa revolução social. As dificuldades em estabelecer relações de intimidade, por exemplo, tornaram-se “favorecidas” nesse contexto, uma vez que as diferenças entre autonomia emocional e o medo de relacionamentos afetivos possuem entre si uma tênue divisão.
Um dos resultados dessa reorganização social, que podemos considerar positivo, foi à maternidade estar tornando-se uma escolha cada vez mais consciente.
A maternidade após os 30 anos de idade passou a ser algo comum dentro desse cenário, pois freqüentemente é uma opção de mulheres que já construíram sua vida profissional e se sentem maduras e preparadas emocionalmente para assumir tal responsabilidade.
Com a gravidez “tardia” (na verdade não podemos pensar em hora certa, ou tempo certo, mas em nossa hora ou nosso tempo...), surgem dificuldades naturais do ponto de vista biológico. O corpo precisa se adaptar à nova necessidade para dar conta dessa demanda. O fantasma da infertilidade surge para muitos nesse momento quase como o expiador de suas culpas.
Aprendemos através do processo de autoconhecimento que a culpa surge muitas vezes, da dificuldade em assumirmos as escolhas e as opções que fazemos durante nossa vida. Ela é alimentada por inseguranças internas, dificuldades em identificar nosso próprio
tempo/ritmo, e é “temperada” por nossos medos e desconhecimentos de nossos potenciais, tão necessários para lutar contra as dificuldades que surgem em nosso caminho.
Em sua evolução o ser humano está constantemente fazendo escolhas e com isso rescrevendo sua história, adaptando sua espécie as suas novas necessidades. Possuímos em nós um potencial criativo que nos possibilita esta transformação. Precisamos talvez focar nossa atenção aproveitando e direcionando essas mudanças, de forma a permitir o florescer do melhor em nós, quem sabe assim o repensar sobre o papel de ser mãe seja o início da revalorização da vida e traga consigo o redimensionamento da agressividade humana e do amor, como partes de um dueto que precisa reencontrar seu equilíbrio.
por Sirley Bittú
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Sobre o autor
Sirley Bittú é Psicóloga Especialista Clínica pelo Conselho Federal de Psicologia
Psicodramatista Didata Supervisora
Terapeuta em EMDR pelo EMDR Institute/EUA
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