Quando lemos no Gênesis, o primeiro dos livros que compõem a Bíblia, que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança(*), nossa mais imediata reação é imaginar uma forma humana para Deus.
E isso nada tem de errado, uma vez que Jesus Cristo - o Seu Filho muito amado, como testemunham os quatro Evangelistas - era um homem de carne e osso, nascido de mulher, como qualquer um de nós.
Minha intenção hoje não é questionar a Bíblia, nem os Evangelhos. Quero apenas refletir um pouco sobre essa perturbadora afirmação de que nós, os seres humanos, somos - ou melhor - fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
Com certeza existe, em cada indivíduo, por mais desprezível, miserável e indigno que ele nos pareça, uma imagem de Deus, uma centelha da divindade em ação.
Freqüentemente nossos mentores e mestres nos afirmam que, sem ela, não seríamos sequer capazes de respirar. E toda a tradição espiritualista, em qualquer religião conhecida, confirma que a respiração é a primeira de todas as manifestações da vida, a primeira ação do espírito, quando ele atua sobre a matéria.
A imagem de Deus em cada ser vivo, essa consciência de Deus individualizada, é o aspecto que conhecemos como Eu Superior, um desdobramento nosso que habita a sétima dimensão, aquela parte de nós que vibra em seu estado mais puro, livre de qualquer perturbação.
Qualquer ser humano, seja qual for o seu grau de desenvolvimento, pode, em momentos de profunda sintonia com o Universo, reconhecer o Eu Superior de um outro Ser Humano, ou manifestar a face da Divindade em si mesmo.
Nesses breves momentos de sintonia, quando a divindade se manifesta em nós, temos certeza de que somos seres iluminados, nos sentimos plenos e totalmente realizados, nosso mundo parece perfeito, completo, e o planeta terra nos parece o melhor lugar para estar e viver.
Se tentarmos nos lembrar desses momentos mágicos, de como eles nos aconteceram, perceberemos que eles nasceram de uma imediata e profunda identificação.
O mais comum é que essa identificação ocorra com um outro ser humano, a quem nos sentimos ligados profundamente; mas ela também pode ocorrer com um outro ser vivo qualquer. O importante é que ela se irradia, se expande, até que nos sentimos ligados a tudo o que existe ao nosso redor.
Quando somos crianças, esses momentos de identificação ocorrem com os nossos pais. Mais tarde, com alguns amigos. Na idade adulta, essa identificação tem como principal canal a atividade sexual e ganha o extraordinário nome de paixão, para depois, encontrar sua plenitude, quando olhamos o rosto de nossos filhos.
Essa profunda identificação ocorre quando reconhecemos em outro ser humano a mesma imagem divina que existe em nós. Olhamos para ele e vemos, com absoluta clareza algo que merece ser reverenciado, como a própria essência da vida, como o principio da criação.
Quando olhamos para o outro e enxergamos isso, reconhecemos a semelhança entre ele e nós. Incapazes que somos de reconhecer e venerar a presença divina que habita o templo de nossos corações, não conseguimos resistir quando a enxergamos no outro e, mesmo que em espírito, dobramos nossos joelhos diante dessa incrível e fascinante visão. Mesmo que esses momentos de veneração sejam breves e passageiros, ficam gravados em nossa memória para a eternidade. São momentos de iluminação, que transcendem o carma e mudam radicalmente a vida de uma pessoa.
Freqüentemente vemos pessoas descreverem esses momentos com o pesar de quem tocou alguma coisa mágica, que jamais poderá ser revivida em todo o seu esplendor.
Muitas dessas pessoas, se fixam na dor da perda desses momentos para justificar a falta de sentido da vida e a sua aparente finitude.
Mas há sempre uma outra forma de interpretar um fenômeno.
Esses momentos de iluminação existem para nos provar que o transcendental existe, e pode ser tocado, sentido, vivido por todos, e por cada um de nós.
Eles nos provam que a divindade está muito mais perto do que acreditamos, e que a íntima convivência com nossos semelhantes, seres humanos, animais, vegetais ou coisas, pode ser o caminho mais curto para chegarmos ao Coração da Criação.
Encarar tudo o que existe como um espelho.
Reconhecer em todas as imagens a divina semelhança.
Admitir que somos todos um.
Este é o caminho para transformar momentos de iluminação numa eternidade de Luz.
(*) E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; e domine sobre os peixes do mar, e sobre as aves dos céus, e sobre o gado, e sobre toda a terra, e sobre todo o réptil que se move sobre a terra. 1:26