O estágio para o qual fui enviada é em Aix-en-Provence. Apesar de ser pleno inverno, o clima e a paisagem que me cercam lembram demais minha terra de origem, afinal a latitude é a mesma e a distância muito pequena. Neste cenário doce e familiar poderia rapidamente me refazer de minhas últimas desventuras, mas meu coração está por demais oprimido.
Com os últimos acontecimentos, também recrudesceram os sintomas de uma doença que começou a se manifestar logo após o meu casamento. Tudo começou com dores nas mãos, de manhã ao acordar. O médico que fui consultar diagnosticou artrite reumatóide (nunca tinha ouvido falar disso) e me receitou remédios que fazem desaparecer as dores durante o dia. Para não ter problemas durante a viagem, trouxe comigo uma série de injeções que preciso tomar semanalmente.
O estágio é muito interessante, os colegas são ótimos, a cidade é uma verdadeira jóia. Estamos hospedados num hotel muito confortável, e ainda somos levados a conhecer os pontos turísticos da região nos fins de semana. Apesar de tudo, eu me sinto como uma morta-viva, não consigo desligar de todo o horror que o balanço de minha vida me causa. Não posso deixar de pensar no que me espera quando voltar ao Brasil.
O meu plano é que esta viagem signifique uma ruptura completa com minha vida de casada. Recebo telegramas, cartas, mas faço questão de não enviar nenhuma notícia minha. Sei que meu marido entrou em contato com uma colega minha de São Paulo que está a par dos movimentos de nosso grupo. Quando acaba o estágio, vou para a Itália, como não poderia deixar de ser.
Minha volta a São Paulo se dá no mesmo dia do resto de meu grupo, só que eles chegam num aeroporto (onde meu marido está me esperando), e eu chego num outro. Quem desembarca daquele avião é como se fosse a sombra daquela que eu era só alguns anos atrás. Estou apavorada e sinto dores horríveis pelo corpo todo. Não posso ir para a casa de meus pais, pois seria imediatamente localizada. Vou para a casa de meu irmão, que acabou de se mudar para um lugar que eu nem sei onde fica.
O dia seguinte, como uma assombração, meu marido irrompe na casa de meu irmão. Só Deus sabe como conseguiu o endereço, mas sei que para ele nada é impossível. Com seu jeito violento, quer tomar satisfações sobre o fato de eu não ter ido para a nossa casa. Meu aspecto deve assustá-lo, porque aos poucos consegue se convencer de que não estou em condições de tomar conta da casa, nem de ninguém. Conforma-se com o fato de que preciso que alguém cuide de mim, e esse alguém só pode ser minha mãe.
Tudo aquilo por que acabo de passar me faz rever completamente todas minhas atitudes com relação a ela e, principalmente, meu julgamento a seu respeito.
Agora percebo que ela sempre foi profética com relação a tudo o que me dizia respeito, eu é que não queria ouvi-la. Admiro antes de mais nada sua capacidade de perdoar, sua sabedoria e principalmente seu bom senso com relação às coisas práticas da vida.
Sou tão grata à sua carinhosa compreensão, sinto-me tão protegida sob suas asas, que não me importaria de passar o resto de minha vida compartilhando os afazeres domésticos ao lado dela.
Sinto-me muito fraca e apavorada, vejo meu marido como um monstro ameaçador.
Embora seja muito reconfortante, não posso ficar morando muito tempo com meus pais. Não quero e não posso envolvê-los em minhas questões conjugais, considerando os temperamentos explosivos de meu marido e de meu pai. Além do que, isso significaria um retrocesso. Alugo um quarto na casa de uma senhora, perto da casa dos meus pais, onde vou almoçar todos os dias.
Aos poucos a vida retoma seu ritmo, as férias acabam, as aulas recomeçam. Agora estou trabalhando também em algumas faculdades particulares que acabaram de ser criadas. O Ginásio Vocacional foi fechado porque o atual governo está perseguindo certas personalidades, entre elas a coordenadora do Serviço de Ensino Vocacional e muitos professores considerados subversivos.
O trabalho intenso me ajuda a trazer para minha vida uma aparência de normalidade, mas enquanto não definir minha situação com I., é com o coração sobressaltado que vivo a cada minuto.
Sem nenhum amigo a quem recorrer, procuro de novo meu ex-guru para que me ajude a conseguir a separação de meu marido. O guru prepara alguns objetos, que devem ficar comigo para me proteger, e eu confio plenamente em seus poderes.
Preciso de muita paciência, preciso pesar as palavras e os argumentos que vou usar com I., porque ele simplesmente não pode aceitar que eu não queira mais viver com ele.
Finalmente, I. concorda em assinar a separação, não sem antes ter protagonizado cenas de terrorismo explícito, como por exemplo me esperar na porta de casa, à noite, com uma arma na mão.
Sobre o autor Angela Li Volsi é colaboradora nesta seção porque sua história foi selecionada como um grande depoimento de um ser humano que descobriu os caminhos da medicina alternativa como forma de curar as feridas emocionais e físicas. Através de capítulos semanais você vai acompanhar a trajetória desta mulher que, como todos nós, está buscando... Email: [email protected] Visite o Site do Autor