Um ano após a defesa da tese de doutorado fiquei sabendo que haveria, em Paris, um congresso internacional que focalizaria exatamente o assunto de minha tese. Senti-me na obrigação de participar, toda imbuída que estava das minhas obrigações acadêmicas, e também pelo desafio de participar ativamente de um congresso daquele porte.
O congresso aconteceria durante as férias de julho, portanto não precisei pedir nenhuma licença de afastamento, e lá fui eu, regularmente inscrita, para o Centre National de Recherche Scientifique.
Estava ansiosa por compartilhar com colegas do mundo inteiro as pesquisas sobre o assunto que me tinha ocupado por pelo menos cinco anos.
Desde o primeiro contato com os organizadores do congresso senti o peso esmagador do primeiro mundo sobre o terceiro. Não me intimidei, e consegui fazer minha comunicação, apesar de inúmeros percalços. Tinha feito amizade com um jovem professor belga e com outro professor italiano que trabalhava nos Estados Unidos e, na companhia deles, consegui enfrentar com maior desenvoltura e uma certa dose de ingenuidade uma situação bastante intimidadora.
O colega italiano acenou-me com a possibilidade de participar de outro congresso que aconteceria na Itália algumas semanas depois, e no qual ele já estava inscrito.
O apelo era sedutor demais para resistir e, mais uma vez, consegui driblar todos os obstáculos para fazer minha inscrição.
Quando cheguei na cidade em que se realizaria o congresso, e que eu não conhecia, senti uma emoção muito forte, era como se estivesse revertendo meu processo migratório.
Aí aconteceu algo de que me dei conta só muito tempo depois, quando começaram a cair muitas fichas que não tinha condições de entender naquela hora.
Minha inscrição no congresso italiano tinha sido feita por telefone, de Paris, e quando cheguei na Itália, no hotel indicado pelo congresso, apresentei meu documento, que na época era um passaporte brasileiro. Portanto, para os efeitos do congresso, eu era uma participante brasileira.
Quando cheguei no suntuoso salão da prefeitura, onde se realizaria o congresso, e fui me apresentar ao organizador, notei uma certa frieza, senti no ar uma espécie de antipatia recíproca, mas não entendi o verdadeiro motivo.
Após muitas horas de espera, chegado finalmente o momento de minha apresentação, aconteceu um desagradável contratempo. Os organizadores tinham insistido muito com todos os participantes para que respeitassem o tempo disponível para a apresentação de cada um.
Eu já tinha reduzido meu texto ao mínimo possível, e tinha certeza de que não superaria o tempo permitido Minha colega francesa, que se apresentou antes de mim, e que leu sua comunicação em francês, ocupou quase o dobro do tempo previsto.
O horário, bastante estourado, já ia entrando na hora do almoço (que, para um italiano, é sagrada). O organizador já começava a bufar e não parava de olhar para o relógio. Eu estava sentada, com os outros palestrantes, numa espécie de tribuna, de frente para o auditório. A uma certa altura, o organizador se aproximou de mim, e sussurrou ao meu ouvido: “Sinto muito, senhora, mas não vai ser possível fazer sua apresentação, devido ao adiantado da hora”. Eu olhei bem na cara dele, e respondi: “Eu também sinto muito, mas não tenho culpa se minha colega se estendeu demais. Além do que, vou ler meu texto em italiano e ele não vai passar do tempo permitido”.
Sei que se ele pudesse me fuzilar com o olhar, o teria feito, mas foi obrigado a me deixar falar, para não piorar a situação. Li de um só fôlego minha comunicação, sem desgrudar os olhos do papel para não perder tempo, e finalmente todo o mundo pôde levantar para ir almoçar.
Na fila do bandejão, algumas pessoas vieram me cumprimentar, elogiando minha apresentação. Mas o sonho que tinha acalentado, de poder finalmente transmitir um trabalho meu na minha terra, em minha língua, tinha se transformado em mais um amargo choque com a realidade.
Quando pude, muito mais tarde, refletir sobre isso tudo, entendi o motivo da decepção dos italianos: eles deviam estar esperando uma brasileira cheia de bossa, e o contraste era grande demais com esta italiana de óculos, com dificuldade para subir e descer escadas, que usava aparelho nos dentes, e que não devia estar com a fisionomia muito risonha, dadas as circunstâncias.
O curioso é que, à diferença do congresso francês, no qual tive de pagar para poder participar, no italiano, além de ter a estadia paga, ainda recebi um cachê pela participação, embora inferior àquele pago a minha colega francesa (não me perguntem por quê). Houve ainda outro qüiproquó nesse congresso: não fui avisada da festa de confraternização que haveria entre os participantes, só fiquei sabendo no dia seguinte.
Minhas experiências com o mundo da pesquisa só faziam aumentar cada vez mais a distância que já estava sentindo entre minhas verdadeiras aspirações e a motivação que seria necessária para permanecer competindo num mundo acadêmico cada vez mais parecido com o mundo dos negócios.
Sobre o autor Angela Li Volsi é colaboradora nesta seção porque sua história foi selecionada como um grande depoimento de um ser humano que descobriu os caminhos da medicina alternativa como forma de curar as feridas emocionais e físicas. Através de capítulos semanais você vai acompanhar a trajetória desta mulher que, como todos nós, está buscando... Email: [email protected] Visite o Site do Autor