Dia desses, ouvi na emissora de rádio CBN a declaração de uma mulher, que reclamava da alimentação e das condições dos alojamentos/gradeados do Cadeião de Pinheiros. Entende ela, que seu marido está sendo maltratado.
E os locutores da CBN fazem sempre questão de informar nas noticias a superpopulação lá existente. Fiquei pensando naquelas informações e me recordei de quando atuava como integrante de um grupo de voluntários espíritas. Realizávamos assistência espiritual com passes, reuniões doutrinárias e até sessões de desobsessão na Penitenciária. E ampliando o apoio, alguns de nós acompanhávamos os ex-detentos na sua reinclusão social e reencontro com a família. Éramos idealistas. Sou idealista ainda hoje. Mas o tempo e a experiência têm me mostrado outros caminhos não mais curtos, nem menos tortuosos.
Sobre uma coisa aprendi muito naquela tarefa: A maior dificuldade do preso é conviver com o Trabalho. Esta rotina de levantar às cinco da manhã, pegar ônibus, trabalhar durante todo o dia, levar marmita e chegar à noite, cansado e com fome em casa, definitivamente não faz a cabeça de um ex–presidiário.
O Jorge me dizia sempre, quando a gente arrumava emprego para ele. “Não dá, Seu Wilson. É o seguinte, o que eu vou ganhar num mês com todo este sacrifício, posso ganhar num dia, de outra forma”. E lá ia ele, com uma lona e alguns apetrechos a montar sua banquinha no centro da cidade, para ‘chavecar’ o povo e ganhar no mole seus trocados.
Há outras situações inusitadas, que envolvem este universo ainda misterioso. O Alex tinha uma personalidade interessante, espontaneamente assistia às aulas e tinha plena disposição para participar e colaborar nas atividades indicadas. O seu bom comportamento deu-lhe como prêmio a condicional, ficando livre das grades. No dia que saiu da Penitenciária, recebemo-lo na casa de um amigo, acompanhando-o em seguida até sua casa onde a família o envolveu em mimos e abraços. À noite, se dirigiu ao Centro Espírita que freqüentávamos. E para surpresa nossa, chegou trazendo nos braços um homem paralítico que encontrara na rua. Chegou alegre, dizendo-nos que o encontrara com frio e fome. Na cozinha do Centro foi preparado um lanche e depois fizemos a reunião, todos envolvidos em alegria e fé.
Passaram-se alguns dias e o Venâncio me ligou, dizendo que o Alex sumira. Eu também não tinha notícias dele. Na semana seguinte de novo o Venâncio me liga: - Wilson, encontrei o Alex, ele está peso em Suzano, estava com uma quadrilha, portando armas de grande porte para realizar assalto. No final de semana, fomos até lá, visitá-lo. No encontro, a surpresa. Ele veio ao nosso encontro todo empolgado, dizendo que estava preparando um grupo para que pudéssemos iniciar lá uma atividade doutrinária. Ele próprio tomara essa iniciativa, com a permissão do Delegado e estava ministrando passes em alguns detentos necessitados. Fiquei olhando a fundo para aquele homem, buscando desvendar os segredos daquela alma e por mais que enveredasse com meu olhar de irmão, de investigador da espiritualidade, foi impossível entender aquele Universo tão complexo.
Na verdade, em 10 anos de atividades junto ao sistema prisional de São Paulo, posso afirmar com tranqüilidade que só conheci um rapaz que se regenerou e que até hoje é meu amigo, formou família, tem netos e tudo o mais. Quanto aos outros, não sei o paradeiro deles...
Nem por isso fiquei frustrado. Entendo que a mensagem de que eu era portador foi passada e eles a guardaram em seus corações. Deu resultado? Não sei.
Um dia, um amigo viciado em drogas veio me visitar em casa, estava muito machucado por dentro e por fora. Quando me viu, ficou emocionado e contou sua história. Tinha sido preso por portar droga. Foi detido para averiguação e sofreu algumas escoriações. Muito magoado, contava sua história para os companheiros de cela. Falava de suas amizades, citou o meu nome e o de outros. O Boaventura, que ouvia atento, aproximou-se e disse: Você conhece o Wilson, aquele espírita que dá aulas na Penitenciária? Afirmou que sim. Ora, então você não vai ficar aqui, você é do Bem, sinto isso. E tanto intercedeu, mas tanto mesmo pelo meu conhecido, que no dia seguinte foi libertado. Contou-me isso em lágrimas.
Este fato demonstra que nem tudo está perdido. Há resultados, pequenos às vezes, mas muito compensadores. Sua história alegrou meu coração, mas entristeci-me por saber em seguida do Boaventura, que estava ele mais uma vez envolvido com a Justiça. Até quando, não sei.
Pois bem, revi tudo isso, como num filme, enquanto a mulher dava seu depoimento. Naquele momento também me vi no direito de dar o meu depoimento.
Sou aposentado por tempo de serviço, trabalho durante o dia numa empresa e dou cursos terapêuticos à noite, porque gosto e porque preciso. Pago aluguel, tenho minha família e tudo o mais que um cidadão comum pode ter. Nesse final de ano, eu e minha esposa fizemos alguns planos: viajar nas férias, cuidar melhor da saúde, etc. e tal. No entanto, no dia 27 de janeiro, nosso veículo LOGUS ano 94 chapa BXM 7578 – São Paulo foi roubado no bairro de Santana. Fiz o BO na Delegacia e até agora estou aguardando noticias. Dizem que o meu carro foi para desmanche. Nossos planos mudaram, teremos agora que arcar com a despesa da compra de um carro, a ser pago em 36 prestações. Não teremos viagem, nem saúde melhor. Ao contrário, muito trabalho.
Diante disso eu pergunto: Será justo eu pagar uma melhor refeição, um alojamento mais arejado, enfim condições mais humanas, como dizem, para estas pessoas que roubaram o meu carro?
É, minha senhora, eu entendo sua dor. Mas reconheço a minha também.
Alguém, aqui do meu lado, vivendo na dimensão extra-física sopra em meu ouvido: Perdoa, Wilson. Compreenda-os, eles não sabem o que fazem...
Ta certo, eu perdôo e compreendo, também, mas que sofro, sofro.
Eu só não consigo entender e não aceito é o descaso ou falta de inteligência daqueles que administram este país, que cuidam de tudo e de todos. As rebeliões da FEBEM, nos presídios, a violência que envolve o nosso povo, é uma prova de que algo não está certo.
Por isso faço aqui o meu apelo: Senhores dotados de poder, olhai por nós.
por Wilson Francisco
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Sobre o autor
Wilson Francisco é Terapeuta Holístico, escritor e médium espírita. Desenvolve o Projeto Mutação, um processo em que faz a leitura da alma da criatura e investigação do seu Universo, para facilitar projetos, sonhos e decisões, descobrindo bloqueios, deformidades e medos que são reprogramados energeticamente.
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