Tenho um pouco de medo das comparações que costumamos fazer entre o que observamos em outros animais e em nós. As semelhanças existem, é claro. Acho, porém, que devemos dar maior ênfase às diferenças, pois são elas que definem cada espécie. Assim, costuma-se dizer que as mulheres, diferentemente de outras fêmeas, vivem num cio permanente. Vamos refletir um pouco sobre esta questão palpitante.
As fêmeas dos mamíferos superiores entram no cio quando estão ovulando, ou seja, quando estão disponíveis para a fecundação. O subproduto de hormônios femininos faz surgir odores especiais na urina delas; estes são captados pelos machos daquela espécie. Ao detectarem o cheiro peculiar ficam excitados e partem em disparada na direção daquela fêmea que o está exalando. Disputam com outros machos a primazia da cópula que, ao ocorrer, dá início ao processo que interrompe o ciclo reprodutor da fêmea. Assim, percebemos que as fêmeas das outras espécies estão disponíveis e atraem os machos apenas durante o período de fertilidade, ou seja, durante o cio.
Nas comparações que fazemos ao estudarmos o tema em nossa espécie, fica claro que as mulheres atraem os homens durante todo o ciclo menstrual, inclusive durante a menstruação. Se analisarmos o caso do ponto de vista do desejo que elas despertam nos homens, podemos pensar que vivem um cio constante, visto que as outras fêmeas só atraem os machos durante esse período específico. Este seria um modo muito incompleto de analisar a questão, além de me parecer um tanto curioso tentarmos pensar sobre o que acontece com uma mulher apenas por aquilo que ela desperta nos homens. Dizer que a mulher vive no cio me parece uma visão masculina e, até certo ponto, machista.
Temos que nos ater ao outro lado da questão, que é o que acontece com a mulher. O fato de o desejo sexual, na nossa espécie, ser intermediado basicamente pela visão faz com que a mulher apareça como interessante sexualmente aos olhos dos homens o tempo todo. Isto não quer dizer que ela se sinta disponível para a intimidade sexual durante todos os dias do mês. E mais: mesmo se puder ter relações a qualquer tempo, não quer dizer que não existam dias do ciclo nos quais se sinta mais excitada. Não é mesmo impossível que estes dias de maior disponibilidade coincidam com aqueles da ovulação. Uma coisa é a mulher despertar o desejo do homem o tempo todo e outra coisa é ela estar o tempo todo com a mesma disposição para o sexo.
Insisto em que isto não nos permite nenhuma conclusão a respeito do que as mulheres sentem a respeito do assunto. Como a norma tradicional e nossa cultura sempre foi a de que cabe aos homens a iniciativa sexual, sendo que até há pouco tempo não era dado à mulher o direito de recusa, é claro que nunca se questionou com seriedade o que, de fato, acontece com ela.
Não é impossível que muitas mulheres tenham vivenciado sentimentos de incompetência sexual por não estarem sempre com um desejo equivalente ao que despertavam em seus companheiros. É claro que muitos homens se sentiram rejeitados injustificadamente porque não encontraram mulheres disponíveis para eles – para o sexo e não para eles – exatamente naqueles dias em que elas tanto os provocavam e excitavam por sua aparência sensual, com maior facilidade porque a dependência prática que se estabelece é muito menor. Inteiros que se aproximam e se amam não se sentem donos do outro pelo simples fato de os amarem. Não existem os direitos de mandar e desmandar no outro apenas porque há o elo amoroso. Inteiros que se sentem insatisfeitos podem ir embora. Esta é a novidade maior, pois não há mais lugar para abusos e dominações.
Assim, sem que tenhamos percebido, a capacidade de conceder que caracteriza as pessoas generosas tem diminuído em virtude de elas poderem ficar melhor consigo mesmas. Passam a pretender parceiros mais delicados, mais preocupados com o direito delas, menos egoístas. Assim, egoísmo e generosidade estão saindo de moda. Sim, porque se o generoso quer que se preste atenção nele e nos seus desejos de ser generoso está se encaminhando na direção do senso de justiça. Com isto não haverá mais lugar para o egoísmo que só existe porque há generosidade. O que tem acontecido? Inteiros se aproximam, se “curtem”, estabelecem elos onde há preocupação permanente em agradar o outro, ao mesmo tempo em que não abrem mão de seus direitos individuais. A palavra-chave desta nova e mais sofisticada forma de amar é a mesma que sempre e existiu nas amizades: respeito.