Depois dos 50, desisti de tentar domesticar o choro. Anos de civilidade e bom comportamento não têm me ajudado nada a lidar com as lágrimas. Nem meditação, nem respirações profundas, nem espiritualidade... Hormônios, me diz o ginecologista, sim, talvez. Um sentimento agudo que fala da impermanência de todas as coisas, como ensinam os budistas - sem a contrapartida necessária de um imperturbável espírito “zen”. Ou, quem sabe já uma espécie de saudade da vida, ensaio de outras despedidas...
Muito provavelmente, essas lágrimas descoladas do sofrimento, devem ter a ver com tudo isso junto e com mais um montão de outros mistérios, mexidos num caldeirão de feminilidades.
Porque esse chorar hoje, mais do que nunca, é linguagem... funciona feito as carinhas que a gente usa no MSN, sinaliza, sobretudo um estado de receptividade. Choro quando, de alguma forma, sou tocada pela beleza, pela graça, pela delicada fragilidade das vidas humanas...
Outro dia foi a luz molhada da manhã inundando o parque, ontem foi antecipar a partida de uma amiga querida, hoje... hoje fiquei maravilhada e comovidíssima com um artigo do New York Times, de uma escritora muito, muito jovem e que vai sair numa coletânea chamada, Twentysomething Essays by Twentysomething Writers, pela Random House. O artigo, com o título ousado de Sexo e o Leito de Morte fala de dois apaixonados que encontram no corpo o antídoto contra a dor e a morte, lindo de chorar! E chorar muito...
Alguns de nós deixam de chorar, muito cedo, uma pena... ou reservam as lágrimas para os enterros... hoje, se você me perguntar, acho que chorar é, mais do que tudo, sinal que antecipa instantes mágicos, de encontros; epifanias e emocionados toques entre almas...
Sexo e Morte ou porque a vida sexual pode ser um antídoto contra o medo da morte
A idéia do livro já é simpática: um concurso promovido pela editora Random House, via Internet, para premiar os melhores textos no estilo “memórias” só que com autores de menos de 30 anos!!! Reunidos no livro Twentysomething Essays by Twentysomething Writers eles são memórias de gente que parece jovem demais para ter vivido tanto, por dentro... E o artigo de Jennifer Glaser, sobre sua vida sexual com o namorado, que vai morrer de leucemia é, ao mesmo tempo, ousado, comovente e profundamente erótico!
Não é um texto que a gente consiga esquecer e me deixa perplexa pensar nas tantas vezes que nós, “os mais velhos”, nos deixamos seduzir pela idéia de que temos sim o poder de manter os jovens longe do sofrimento e da morte!!! Que engano! Senão, vamos lá, o que você faria se descobrisse que seu parceiro vai morrer? Fugiria? Fingiria que ia dar tudo certo? Se desesperaria?
Jennifer conta uma história de amor na qual o sexo é o antídoto mais poderoso contra a morte. Fala de como os dois amantes, durante os longos meses pontuados pelas sessões de quimio e pelas perplexidades de quem precisa aprender a reconhecer a morte dentro de si, usam a cama “como um barco”, no qual eles flutuam, se tocam, se reconhecem, riem, flertam com as limitações que a doença vai impondo, usam o sexo para emprestar solidez e realidade ao corpo frágil, ameaçado... a percepção da mortalidade pode ser um poderoso afrodisíaco, é a manchete do NYTimes. Sim, talvez seja mesmo!
Traduzi alguns trechos, assim, livremente, para você também se emocionar:
“Sexo com meu namorado parecia o oposto da incerteza da sua doença, eu suponho. Era algo certo”.
...”Era o fato de que durante sua longa e absolutamente nada sexy doença, ele nunca deixou de ser sexy para mim”.
“Quando seu amor morre, você sente falta do corpo, tanto quanto de todas as qualidades intangíveis da personalidade. Eu queria falar para eles (os amigos) e para todos que eu sentia falta de fazer sexo com ele, de tomar banhos juntos e de usar dedos e línguas para explorar todos os cantos um do outro que pudéssemos alcançar. As eulogias lembraram de sua imaginação, sua competência como escritor, sua generosidade e seu calor. Eu também valorizei essas qualidades, é claro. Mas eu digo a eles que o corpo deve ser celebrado também. É apenas graças a esta celebração que eu pude devolver ao meu namorado aquilo que a leucemia havia tirado dele, traçar os contornos daquilo que ele havia perdido: sua forma material com sua capacidade de expressões desordenadas, ereções espontâneas, lábios partidos, abraços de urso e câimbras - tudo extraordinariamente belo!"
por Adília Belotti
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Sobre o autor
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM. Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma. Email: [email protected] Visite o Site do Autor