A raiva e o descontrole são como anzóis. Eles nos fisgam, nos aprisionam e a aí... bom, a gente sabe como essa história acaba!
Dizem que o budismo é uma espécie de protopsicologia. Séculos antes de Freud - o Buda histórico, Buda Sãkyamuni, viveu entre o século 6 e 5 aC - os budistas já intuíam os misteriosos caminhos e os extraordinários recursos da psique humana.
Mesmo assim, sempre me surpreendo com a incrível atualidade de alguns conceitos budistas. E, sobretudo, com o tom bem-humorado que eles usam para falar dessas coisas...
O artigo da monja americana, Pema Chodron, me fez rir e me fez pensar em como tantas e tantas vezes um bom conselho vem sob formas muito simples...
A raiva, por exemplo... dificílimo de lidar com essa sensação de “inundação” que faz a gente dizer o que não quer, ferir quem não precisa e se arrepender invariavelmente depois... os budistas tem uma palavra para apontar a raiz deste tipo de experiência emocional, o verdadeiro vilão das histórias tristes por trás das brigas e dos conflitos: shenpa.
A rigor, shenpa é “apego”, mas olhando mais de perto, a monja Pema Chödrön explica, shenpa significa “ser fisgado”, sim, feito peixe, assim, num minuto, o universo respira em harmonias celestiais e você até já começa a achar que a iluminação e a paz estão bem ali, ao alcance da sua mão, e aí...boom!
Alguém diz alguma coisa errada, no momento errado, aquela “folgada” passa à sua frente na fila ou ocupa a vaga que você manobrava arduamente para pegar, seu filho tão fofo resolve sapatear no meio do shopping para possuir mais uma bola de futebol e nem é Natal ainda... pronto, minha cara, se você realmente não for a reencarnação de alguma alma iluminada, no próximo minuto lá estará você, fisgada no anzol da raiva... ou da compulsão ou da autoflagelação... e carregada em uma espiral maluca para um “lugar” da alma difícil de descrever, mas onde todo mundo já esteve, não é?
Para os budistas, a melhor forma de lidar com shenpa é aprender a reconhecer esse sentimento. Fácil? Nada disso.
Quando somos fisgados nesse anzol, precisamos urgentemente “fazer” alguma coisa a respeito: isso inclui desde dar um soco no nariz de alguém até comer uma torta de morango inteirinha em menos de cinco minutos.
É claro que, saber disso, vai tornando as coisas mais fáceis, você é fisgado duas vezes, mas escapa uma... essa contabilidade só tende a melhorar, à medida que aprendemos a olhar de frente para esse anzol.
Meditar, é evidente, treina nossa mente para a calma e ajuda um bocado! Observar como os outros são fisgados também pode nos iluminar a respeito de nossos próprios mecanismos.
E refletir muito sobre que tipos de situações funcionam como perigosos anzóis para você... tudo são coisas fundamentais.
Mas a monja Pema Chödrön ainda ensina a lembrar dos 4Rs: Reconhecer o anzol-shenpa, Refrear a necessidade de fazer alguma coisa, Relaxar agora, já, Resolver parar de uma vez por todas de ser fisgada a cada vez que... (complete a frase com alguma situação-anzol para você).
Você já tinha ouvido isso? Ou algo parecido, talvez?
Mas aposto que a imagem do anzol vai ficar na sua cabeça - ficou na minha, acredite - e vai fazer você rir da próxima vez que sentir a raiva mergulhar no seu aquário, disfarçada de anzol... esse é o primeiro e com certeza o mais importante passo para nadar em águas mais tranqüilas... O que você quer fazer?
Descobrir quem é a Monja Pema Chödrön? Pema Chödrön é uma monja buddhista norte-americana e uma das estudantes mais brilhantes de Chögyam Trungpa Rinpoche, famoso mestre de meditação. Ela é autora das obras The Wisdom of No Escape e Start Where You Are, e também professora em Gambo Abbey (Nova Scotia, Canadá), o primeiro monastério tibetano na América do Norte estabelecido para ocidentais. Segundo Chödrön, a felicidade está ao nosso alcance, e, no entanto tantas vezes a perdemos de vista, ironicamente na tentativa de evitar dor e sofrimento. O texto radical e compassivo de Pema Chödrön vem de encontro às nossas expectativas e hábitos de conduta Quando Tudo Se Desfaz (Editora Gryphus), e nos confronta com a sabedoria budista. Existe somente uma atitude em relação ao sofrimento, ensina Chödrön, e essa atitude é a que caminha na direção das situações difíceis com afabilidade e curiosidade, se deixando levar pela insegurança da situação. É ali, no meio do caos, que descobrimos a verdade e o amor indestrutíveis. Leia aqui o texto completo...
E visite o site Dharmanet, o mais completo site sobre budismo que eu conheço, e em português! (Sim, sei que vocês reclamam das minhas indicações de sites em inglês, pronto, o Dharmanet é uma referência obrigatória e é em português!)
por Adília Belotti
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Sobre o autor
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM. Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma. Email: [email protected] Visite o Site do Autor