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Paixão e religião: isso combina?

Paixão e religião: isso combina?
Publicado dia 2/14/2007 12:38:51 PM em Autoconhecimento

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Conheci este homem incrível há um ano. Estamos apaixonados e já falamos em casamento. Mas tem uma coisa que anda me deixando insegura. Ele e a família são do Candomblé. E eu, embora católica, não posso dizer que seja uma pessoa religiosa, mas tenho certo medo daquelas danças, daqueles rituais... Ele diz que não tem do que ter medo, mas sei lá... Será que isso vai ser um problema entre nós?
Ana


Querida Ana,
Eu poderia florear um “talvez”, mas não ia te convencer... A resposta mais honesta é, “sim, isso vai ser um problema”... e você até já sabe que vai porque está tão preocupada que escreveu este e-mail, não é?
Não é nada fácil acolher o outro. Todo casal sabe disso. Viver com as diferenças alheias é, talvez, o maior desafio de todas as parcerias e encontros humanos.

Vênus e Marte

Ao contrário do que a gente costuma acreditar, o amor não é um dado, uma coisa pronta, estabelecida. Nenhum contrato nupcial do mundo garante isso.

Assim que acaba a lua de mel, ali, no dia-a-dia, o amor tem que ser resgatado a cada instante. E você precisa a toda hora decidir se vai dizer sim ou não para aquele ser que aparece diante de você em toda sua formidável estranheza.

Oportunidades não faltam para a incompreensão... Duvida?

Ele larga a toalha molhada na cama, uma duas, trinta, cem vezes; ela compete com a mãe dele; ele implica com o amigo gay dela; ela gostaria que ele gostasse de ir ao shopping no domingo à tarde; ele não entende porque isso é tão importante para ela; ela quer fazer um jantar romântico em casa, ele prefere sempre sair com os amigos... dele; ela não admite que ele não se importe com as queixas da empregada; ele acha que ela trata os filhos como se fossem eternas crianças; ela acha que a mãe dela tem sempre razão; ele acha que ela devia ser mais independente da mãe; ele nunca encontra nada; ela sempre acha tudo; ele é tãããão egoísta; ela é tãããão complicada...e por aí vão...

Os Homens são de Marte, as Mulheres são de Vênus, o título do best-seller já fala de uma comunicação cheia de ruídos e de uma necessidade constante de afinamento: Alô? É mesmo você que está aí?

Tolerância fitness

Esse exercício da tolerância é daqueles que reprova a maioria dos apaixonados. E quanto mais você estiver prisioneira do seu próprio jeito de ver o mundo, tanto pior, concorda?

Como você vai sequer conseguir dar uma chance para o ponto de vista do outro se tudo que você consegue ver é seu próprio e único universo? É aí que entra a questão da religião.

A rigor, algumas religiões são mais abertas para os “deuses” dos outros. Outras, ao contrário, chegam até a incentivar certa demonização de tudo que vem “de fora”. Algumas pessoas vivem sua fé de uma maneira “íntima”, outras encontram sentido no aspecto mais coletivo da religião. Existem religiões de maior proselitismo, aquelas que buscam “converter” os outros, e existem religiões que, ao contrário, não buscam mais fiéis, você nasce nelas e pronto, como o judaísmo.

E o Candomblé?

O Candomblé nasceu na África e chegou à América com os escravos. Lembra da aula de História? Era praticamente impossível não ser católico naqueles tempos... A religião dos orixás sobreviveu meio que “disfarçada” Yemanjá virou Nossa Senhora, Jesus virou Oxalá. É claro que não é tão simples assim... “Virou” é só um jeito de dizer que na alma das pessoas essas figuras começaram a habitarem juntas.

Alguns desses sincretismos - essa é a palavra - funcionam mesmo como máscaras, você tira e põe para se esconder, não é? Mas outros penetraram tão profundamente que na alma das pessoas ficou difícil separar as crenças ancestrais, que vieram junto com os escravos africanos, das crenças católicas que eles foram abraçando, incorporando. O resultado é uma “misturança”.

E não pense que só o Candomblé foi forçado a se adaptar. Em muitos lugares do Brasil o Catolicismo também está impregnado do “espírito dos ancestrais”.

Para viver um grande amor...

Para viver seu grande amor, é fundamental saber como ele vive o Candomblé. Ele e a família dele, não esqueça. E é claro que vocês vão ter que negociar muitas coisas.

Com a paciência e a abertura de um negociador da ONU e o espírito de observação de um detetive, aliás... para começar, como vai ser o casamento? Só no civil? Ou vocês pensaram em fazer duas cerimônias? Uma celebração ecumênica, que tal?

Aproveitem o pretexto de pensar a festa para experimentar juntos passearem por outros cenários: ele vai querer que você o acompanhe ao centro? E os filhos que vocês um dia com certeza terão? Vão ser batizados? Não? Como isso fica para a mãe dele, por exemplo? Não subestime esse vínculo, por favor... não é prudente. Muitos homens maravilhosos são ou foram filhos maravilhosos...

Você diz que não se sente “muito” religiosa, isso facilita. Mas também torna você aquela que “pode ceder tudo”, então, cuidado.

Só você conhece seus limites. E se não conhece, aproveite, essas conversas até podem fazer você rever o papel que suas crenças têm tido na sua vida, quem sabe?

Um último conselho, você diz que tem medo das “danças”, certo? Saia correndo e compre um ou vários livros sobre o Candomblé e as religiões afro-brasileiras. Informe-se sobre o assunto.

O medo nasce daquilo que a gente não vê, não conhece, do escuro. Quem sabe até você e ele leiam juntos? É meio improvável, nem todo mundo gosta de discutir sua fé, mas se no início de um romance a gente não acreditar nesses pequenos milagres...

E você, que sugestões daria para a Ana viver seu grande amor?

(- Livro das religiões, Jostein Gaarder, Companhia das Letras.
- Deus, de Jack Miles, da Companhia das Letras.
- Ancestrais, uma introdução à história da África, Mary del Priore e Renato Pinto Venâncio, Campus.
- Qualquer livro de Reginaldo Prandi ajuda a gente e entender melhor a alma do Brasil. Mas experimente Mitologia dos Orixás e Segredos guardados, ambos da Companhia das Letras.
- Homens são de Marte, Mulheres são de Vênus, John Gray, Rocco.) Para saber mais(*)

por Adília Belotti

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Sobre o autor
adilia
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM.
Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma.
Email: [email protected]
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