Pois é, o papa Bento XVI chega em maio. E os preparativos da visita incluem, além de receitas especiais, lançamento de CD, obras em Aparecida... tem vereador propondo feriado, tem gente reclamando, tem quem não está entendendo nada...
O fato é que, se, desde o início de seu pontificado, Bento XVI teve que lidar com um rebanho desconfiado e certo estranhamento alimentado por toda sorte de especulações, a situação hoje não parece tão melhor assim. Normal, diriam alguns, suceder o carismático João Paulo II no coração das pessoas não era mesmo tarefa simples. Mas... não dá um pouco a impressão de que às vésperas da visita do pontífice ao gigante católico da América o rebanho ainda não sabe muito bem o que quer mesmo seu pastor?
Entre a encíclica "Deus é amor" e a exortação apostólica “Sacramentum Catitatis” - o documento que sintetiza as propostas apresentadas pelos bispos do mundo todo, reunidos no Sínodo de 2005, cujo objetivo é ajudar o papa a tomar conta do seu rebanho, as palavras de Bento XVI alimentam todo tipo de interpretações e provocam discussões sem fim entre os estudiosos que tentam traduzir suas idéias para espantados fiéis. Lembram da crise provocada pelo discurso no qual o papa citava o diálogo entre um imperador bizantino e um erudito persa do século 16 para pontuar o caráter desumano e cruel da doutrina islâmica? Lembram que antes disso, em 2004, enquanto ainda era cardeal, ele se pronunciou contra a entrada da Turquia da União Européia, porque, "como país muçulmano, ela contrastava com a Europa"? O papa não gosta de guitarras nem de "pop stars", vetou a participação de Daniela Mercury no tradicional concerto de Natal do Vaticano em 2005 em função das opiniões da cantora a favor do uso de camisinha na prevenção da AIDS, propõe a volta das missas em latim, avisa o povo de Deus que os segundos casamentos são "uma praga", alerta para o perigo da internet e deixa teólogos e estudiosos do mundo todo atônitos diante da responsabilidade de dar uma boa resposta à pergunta: qual é afinal a mensagem de Bento XVI?
Domingo passado, li e reli a entrevista do professor de Ciências da religião, Luiz Felipe Pondé, no caderno "Aliás", do jornal O Estado de São Paulo. Fiquei pensando e pensando sobre a provocação do professor: "Bento XVI acha que ultrapassados somos nós, os modernos. E equivocados, os religiosos que misturam fé e política, Jesus Cristo e Che Guevara"...
Em outro artigo, no mesmo jornal, o cientista social José de Souza Martins, defende a mesma idéia sob outro ponto de vista: num mundo globalizado, os cantos gregorianos e o latim usados nas missas funcionariam como uma espécie de linguagem universal, que, de certa forma, irmanaria todos os cristãos do planeta, de cores, tons e ambientes culturais variados. Segundo o estudioso, as exortações do papa, longe de serem manifestações de um pensamento conservador, são apelos contra a banalização do sagrado e a volta dos ritos e rituais que dão verdadeiro sentido à experiência religiosa.
Na outra ponta da corda, Fernando Altemeyer, professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em entrevista para o portal Yahoo, discorda: "Nessa exortação, o papa retoma aspectos tradicionais e conservadores e, de certa forma, volta ao período anterior ao Concílio Vaticano II".
Se a mensagem do papa confunde os especialistas, como ficam os fiéis? Ninguém imagina seriamente a possibilidade de um líder religioso defender o aborto ou a eutanásia, mas a camisinha??
Fico pensando que entre a doutrina e a prática religiosa deve existir um imenso espaço onde os homens "acontecem" de fato. É nele que a gente reflete sobre nosso destino humano e é ali que atualizamos nossa experiência de Deus.
Sim, a doutrina religiosa é maior do que cada um de nós, o tempo da Igreja é a eternidade, como diz o papa, e o pecado espreita em cada moita de capim, mas nem mesmo Bento XVI aconselharia suas ovelhas a seguirem os exemplos de vida dos patriarcas dos livros sagrados, não é? Então, por que imaginar que o uso da camisinha é questão tão fundamental assim? Por que alimentar essa e outras tantas e tão pequenas discussões? Será mesmo tão importante para a mensagem de Cristo que os casais se mantenham juntos mesmo à custa de sofrimento? Gays seriam mesmo piores cristãos?
O debate não vai terminar. Enquanto Maio não chega e enquanto o papa não vem, cabe a nós todos tentar refletir sobre essas tantas mensagens de Bento XVI, algumas, cá para nós, no mínimo, difíceis de serem compreendidas pelos mortais comuns. Afinal, mesmo que você se considere a ovelha negra do rebanho, não dá para ignorar as falas do pastor. Querendo ou não, aquilo que boa parte da humanidade vai pensar nas próximas décadas depende delas...
Leia aqui a entrevista de Luiz Felipe Pondé, no "Estadão".
por Adília Belotti
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Sobre o autor
Adília Belotti é jornalista e mãe de quatro filhos e também é colunista do Somos Todos UM. Sou apaixonada por livros, pelas idéias, pelas pessoas, não necessariamente nesta ordem...
Em 2006 lançou seu primeiro livro Toques da Alma. Email: [email protected] Visite o Site do Autor