Carl Gustav Jung opinava, baseado em suas experiências pessoais - em seu livro Memórias, sonhos e reflexões - que os espíritos eram consciências autônomas que pararam no tempo e no espaço, após a morte do corpo. Não podem aprender nada de novo, não evoluem, a não ser que a humanidade aqui, na Terra, também evolua. Subindo o nível de compreensão e consciência aqui, sobe-se lá, e essa seria a razão da interação mortos x vivos que tanto permeia as manifestações psíquicas/religiosas humanas. Vejamos esses trechos soltos do capítulo "Sobre a vida depois da morte":
Ao menos uma parte de nossa existência psíquica se caracteriza por uma relatividade de espaço e de tempo. À medida que nos afastamos da consciência, esta relatividade parece elevar-se até ao não-especial e a uma intemporalidade absolutas. As figuras do inconsciente são também "ininformadas" e têm necessidade do homem ou do contato com a consciência para adquirir o saber. Parece, com efeito, que um saber sem limites está presente na natureza, mas que tal saber não pode ser apreendido pela consciência a não ser que as condições temporais lhe sejam propícias. O mesmo ocorre provavelmente na alma do indivíduo que traz consigo, durante anos, certos pressentimentos, mas só os conscientiza tempos depois.
Quando escrevi os Septem Sermones ad Mortuos, foram novamente os mortos que me propuseram questões cruciais. Voltavam – diziam eles – de Jerusalém porque não tinham encontrado o que procuravam. Isso me espantou muito nessa época porque, de acordo com a opinião tradicional, são os mortos que possuem o grande saber; com efeito, devido à doutrina cristã que supõe que no além olharemos as coisas face a face, a opinião acatada é que os mortos sabem mais do que nós: mas, aparentemente, as almas dos mortos só "sabem" o que sabiam no momento da morte e nada mais. Daí seus esforços para penetrar na vida, para participar do saber dos homens. Freqüentemente, tenho a sensação de que elas se colocam diretamente atrás de nós, na expectativa de perceber que respostas daremos a ela e ao destino. Parece-me que o que lhe importa a todo custo é receber dos vivos – isto é, daqueles que lhes sobreviveram e que permanecem num mundo que continua a se transformar – respostas às suas questões. Os mortos questionam como se não tivessem a possibilidade de saber tudo, como se a onisciência ou a oniconsciência apenas pudesse ser privilégio da alma encarnada num corpo que vive. Também o espírito dos vivos parece, pelo menos num ponto, avantajar-se ao dos mortos: a aptidão em adquirir conhecimentos nítidos e decisivos. O mundo tridimensional, no tempo e no espaço, parece-me um sistema de coordenadas: o que se decompõe aqui em ordenadas e abscissas, "lá", fora do tempo e do espaço, pode aparecer talvez como uma imagem original de (Temos aqui um ótimo exemplo da nuvem de possibilidades da física quântica. Creio que o que chamamos de `mundo dos mortos´ tenha muito a ver com o mundo micro das infinitas possibilidades, que pode, como veremos mais à frente, ter a ver com o inconsciente coletivo.) múltiplos aspectos(*) ou talvez como uma nuvem difusa de conhecimentos em torno de um arquétipo. Mas um sistema de coordenadas é necessário para poder distinguir conteúdos distintos. Tal operação nos parece inconcebível num estado de onisciência difusa ou de uma consciência carente de sujeito, sem determinações espaço-temporais. O conhecimento, como a geração, pressupõe um contraste, um "cá" e um "lá", um "alto" e um "baixo", um "antes" e um "depois".
Se há uma existência consciente após a morte, parece-me que ela se situaria na mesma direção que a consciência da humanidade, que possui em cada época um limite superior, mas variável. Muitos seres humanos, no momento de sua morte, não só ficaram aquém de suas próprias possibilidades, mas, sobretudo, muito distantes daquilo que outros homens ainda em vida tornaram consciente, daí sua reivindicação de adquirir, na morte, esta parte da consciência que não adquiriram em vida.
O grau de consciência atingido, qualquer que seja ele, constitui, ao que me parece, o limite superior do conhecimento ao qual os mortos podem aceder. Daí a grande significação da vida terrestre e o valor considerável daquilo que o homem leva daqui "para o outro lado" no momento de sua morte. É somente aqui, na vida terrestre, em que se chocam os contrários, que o nível da consciência pode elevar-se. Essa parece ser a tarefa metafísica do homem – mas sem mythologein (mitologizar) apenas pode cumpri-la parcialmente. O mito é o degrau intermediário inevitável entre o inconsciente e o consciente.
Está estabelecido que o inconsciente sabe mais que o consciente, mas seu saber é de uma essência particular, de um saber eterno que, freqüentemente, não tem nenhuma ligação com o "aqui" e o "agora" e não leva absolutamente em conta a linguagem que fala nosso intelecto. Somente quando damos às suas afirmações a oportunidade de "amplificar-se", através dos (Algo que ele fala no livro, que tem a ver com os mitos.) números(*), é que este saber do inconsciente penetra no domínio de nossa compreensão, tornando possível a percepção de um novo aspecto. Este processo se repete de maneira convincente em todas as análises de sonhos bem sucedidas.
Um mito muito divulgado sobre o além é constituído por idéias e representações a respeito da reencarnação. Num país em que a cultura espiritual é muito diferente e muito mais antiga do que a nossa, como a Índia, a idéia da reencarnação é, por assim dizer, natural e tão espontânea como entre nós a idéia de que Deus criou o mundo ou a existência de um spiritus rector (espírito diretor), de uma providência. De acordo com as características espirituais do oriental, a sucessão de nascimento e morte é considerada como um desenrolar sem fim, como uma roda eterna que gira sempre sem objetivo. Vivemos, discernimos; morremos e recomeçamos do início. Foi somente com Buda que aparece a idéia de um objetivo: o de superar a existência terrestre.A necessidade mítica do homem ocidental exige a imagem de um mundo em evolução, que tenha um começo e um objetivo. O ocidental rejeita a imagem de um mundo que tenha um começo e um simples fim, da mesma forma que repele a representação de um ciclo estático eterno, fechado sobre si mesmo. O oriental, pelo contrário, parece poder tolerar essa idéia. Não há, evidentemente, consenso geral sobre qual seja a essência do mundo e os próprios astrônomos não puderam ainda chegar a um acordo a respeito desta questão. Ao homem do Ocidente o absurdo de um universo simplesmente estático é intolerável. É preciso pressupor-lhe um sentido. O oriental não tem necessidade alguma de tal pressuposto, pois que ele incorpora esse sentido. Enquanto o ocidental quer completar o sentido do mundo, o oriental esforça-se por realizar esse sentido no homem, despojando-se ele mesmo do mundo e da existência (Buda).
Eu daria razão tanto a um como a outro. Porque o ocidental me parece, sobretudo, extrovertido e o oriental introvertido. O primeiro projeta o sentido, isto é, coloca-o nos objetos; o segundo sente-o em si mesmo. Ora, o sentido, porém, está tanto no exterior como no interior. Não se pode separar a idéia da reencarnação da idéia do karma. A questão decisiva é saber se o karma de um ser humano é ou não pessoal. Se o destino preestabelecido com que um ser humano entra na vida é o resultado de ações e realizações das vidas anteriores, existe então uma continuidade pessoal. Na outra hipótese, um karma é, por assim dizer, apreendido por ocasião do nascimento; incorpora-se novamente sem que haja uma continuidade pessoal.
Duas vezes os discípulos perguntaram a Buda se o karma do homem era pessoal ou impessoal. Duas vezes ele se esquivou a responder evitando comprometer-se: conhecer a resposta, disse, não contribuiria para libertar o homem da ilusão do ser. Buda considerava que lhes era mais útil meditar sobre a cadeia dos nidanas, isto é, nascimento, vida, velhice e morte, causa e efeito dos acontecimentos dolorosos.
Não sei responder se o karma que vivo é o resultado de minhas vidas passadas, ou uma aquisição de meus ancestrais, cuja herança se condensou em mim. Serei, por acaso, uma combinação de vidas ancestrais e será que reencarno de novo essas vidas? Terei vivido, antes, como personalidade determinada e terei progredido o suficiente nessa vida ulterior para poder agora esboçar uma solução? Eu o ignoro. Buda não respondeu à pergunta e posso supor que ele próprio não tinha certeza.
Posso facilmente imaginar que já vivi em séculos anteriores e ao deparar com perguntas a que ainda não posso responder, supor que me é necessário nascer novamente, por não ter completado a tarefa que me foi imposta. Quando morrer, meus atos me seguirão. É, pelo menos, o que imagino. Levarei comigo o que fiz, tendo a esperança, contudo, de não chegar ao fim de meus dias com as mãos vazias. Buda parece ter pensado assim quando procurava afastar seus discípulos de especulações inúteis.
Se admitirmos que há uma continuação no "além", só poderemos conceber um modo de existência que seja psíquico, pois a vida da psique não tem necessidade de espaço ou tempo. A existência psíquica – e, sobretudo, as imagens interiores de que nos ocupamos desde agora – oferecem matéria para todas as especulações míticas sobre uma vida no além, e esta eu a represento como um caminhar progressivo através do mundo das imagens. Desse modo a psique poderia ser essa existência na qual se situa o "além" ou o "país dos mortos". Inconsciente e "país dos mortos" seriam, nessa perspectiva, sinônimos.
Acho provável que existam igualmente no além certas limitações; mas as almas dos mortos só descobrem progressivamente onde residem os limites do estado de libertação. Em algum lugar, "lá", reina uma necessidade imperiosa que condiciona o mundo e quer pôr um termo ao estado de existência no além. Esta necessidade criadora decidirá – assim penso – quais as almas que serão de novo mergulhadas na encarnação e no nascimento. Eu poderia imaginar que para algumas almas o estado de existência tridimensional seria mais feliz do que o estado "eterno". Mas isso dependerá talvez do que elas tenham levado consigo como soma de perfeição ou de imperfeição de sua existência humana.
Pode ser que uma continuação da vida tridimensional não tenha mais nenhum sentido, uma vez que a alma tenha atingido certos degraus de inteligência; que esteja liberta da necessidade de retornar à Terra e que uma compreensão superior suprima o desejo de ver-se reencarnada. Então a alma escaparia ao mundo tridimensional e atingiria o estado a que os budistas chamam de Nirvana. Mas se ainda há um karma que deva ser cumprido, a alma recai no mundo dos desejos e retorna novamente à vida, talvez sabendo mesmo que falta alguma coisa para cumprir.
Não somos, de forma alguma, capazes de demonstrar que qualquer coisa de nós se conserva eternamente. Tudo o que podemos dizer é que existe uma certa probabilidade de que alguma coisa se conserve além da morte física. E o que continua a existir é em si mesmo consciente? Também não o sabemos. Se tivermos a necessidade de opinar sobre esse assunto, talvez possamos levar em consideração aquilo que é conhecido nos fenômenos de dissociação psíquica. Com efeito, na maior parte dos casos em que se manifesta um complexo autônomo, ele aparece sob a forma de uma personalidade, como se o complexo tivesse consciência de si próprio. É por este motivo que as vozes dos doentes mentais são personificadas. Este fenômeno do complexo personificado, eu o estudei em minha tese. Poder-se-ia, se quiséssemos, invocar tal fato em favor de uma continuidade da consciência. Em favor desta hipótese, podemos citar as surpreendentes observações feitas quando ocorrem graves colapsos ou desmaios profundos, oriundos de lesões agudas do cérebro. Nos dois casos pode haver percepções do mundo exterior, assim como intensos fenômenos oníricos, mesmo que se trate de uma profunda perda de consciência. Como a superfície cerebral, que é a sede da consciência, é posta fora de circuito durante a síncope, estes fenômenos ainda hoje permanecem inexplicáveis. Eles poderiam testemunhar em favor de uma conservação, pelo menos subjetiva, da aptidão da consciência – mesmo no estado de aparente inconsciência.
por Acid
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