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Dúvidas do cotidiano - Parte 5

Dúvidas do cotidiano - Parte 5
Publicado dia 7/30/2009 4:42:02 PM em Psicologia

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Como explicar a conduta de uma pessoa gulosa, que adora comer e que mastiga pouco, mantém pouco tempo o alimento na boca - que é onde se sente o paladar do alimento - e engole tudo o mais rápido possível? Porque pessoas que "curtem" tanto o sexo têm tanta pressa de terminar o ato, tanta preocupação com a ejaculação ou o orgasmo, quando o legal seria vivenciar longamente a excitação e o prazer que ela determina?
Resposta: É curioso observar que temos uma atitude dúbia em relação aos prazeres em geral: buscamos chegar neles de forma intensíssima e depois parece que temos um certo medo de exagerar no seu usufruto. É como se uma cota muito grande de prazer nos estivesse sendo negada, como se fosse pecaminoso usufruir demais das delícias da vida material, especialmente os prazeres do corpo - que talvez sejam exatamente os que mais gostamos. Temos medo que uma dose excessiva de satisfação e alegria venha a nos trazer dissabores em seguida. Somos vítimas de um pensamento supersticioso, gerado no âmago de nossa vida íntima e desde muito cedo, segundo o qual uma grande alegria aumenta as chances de que algo de negativo aconteça. Assim, tendemos sempre a buscar o prazer e também a fugir dele. Na prática, ao nos depararmos com a satisfação grande, fazemos com que ela dure um tempo pequeno, o tempo que somos capazes de tolerar sem nos assustarmos demais e não ficarmos com medo de que algo negativo venha a nos acontecer imediatamente. Talvez essa seja a causa de alguns maus hábitos, segundo os quais fazemos com que nossa qualidade de vida seja um tanto inferior àquela que poderia ser. A verdade é que temos medo de um excesso de felicidade, medo de que nos traga conseqüências danosas. Assim sendo, dosamos nossos prazeres dentro daquilo que nos parece suportável e não tão ameaçador.

Numa época em que as pessoas em geral, e os jovens em particular, têm acesso máximo à informação, a curiosidade e a inquietação intelectual não deveriam estar aumentadas? É o que está acontecendo?
Resposta: De fato, é o que deveríamos esperar. As pessoas hoje têm na televisão, por exemplo, uma fonte muito grande e agradável de informações. A televisão ocupa o lugar central na grande maioria das salas de estar das casas brasileiras. A maior parte da população gasta mais de 20 horas por semana diante dela. Acontece que seu efeito é exatamente o oposto: parece que hipnotiza, que torna as pessoas preguiçosas para pensar, que aceitaram de se entreter de uma forma passiva, apenas recebendo aquelas imagens e sons sem nenhuma crítica, sem nenhuma reflexão.
O resultado parece nos encaminhar na direção da falta de disposição para qualquer tipo de esforço ativo, como é o caso da leitura de um artigo mais comprido em uma revista. A leitura de um livro parece se tornar uma tarefa quase impossível, pois requer esforço ativo, concentração grande - sim, porque se a pessoa se distrai por um momento tem que voltar até o ponto em que estava prestando atenção. Na televisão, as distrações nem sequer são notadas, pois tudo caminha por conta própria e a pessoa pega o fio da meada mais adiante sem esforço. O que tem acontecido é péssimo, pois são inúmeros os jovens que hoje não desenvolveram atenção e concentração suficientes para poderem desenvolver um forte interesse. Temos uma geração de apáticos, preguiçosos e que se sentam passivamente horas a fio diante da telinha.
Vejam a ironia e o curioso da vida: o videogame e os jogos interativos da Internet parecem ser os responsáveis pela interrupção desse ciclo terrível. Neles os participantes têm que atuar, coisa que não vinham fazendo há décadas! Têm que prestar atenção e a distração poderá ser fatal. Têm que voltar a se interessar ativamente, o que parece ser a retomada de vida inteligente em nosso planeta. O que parecia uma atividade improdutiva e ainda mais alienante vem se transformando em instrumento para acabar com a letargia de toda uma geração.Vivemos numa cultura que nos estimula a sentir um grande número de desejos e nos ensina que desejar, e de forma intensa, é uma coisa boa. Será isso verdade? As pessoas portadoras de desejos fortes levam uma vida mais gratificante e são mais felizes?
Resposta: Não deixa de ser curioso que tenhamos acreditado nisso. Afinal de contas, estar desejando corresponde a um estado de incompletude, de insatisfação pelo fato de que algo nos falta. Talvez a única exceção seja o desejo sexual, onde a inquietação que ele provoca pode ser sentido como agradável, como algo que provoca a sensação de excitação, um desequilíbrio que é temporariamente agradável. Agora, todos os outros desejos, tanto os de natureza física - fome, sede, frio, etc - como os relacionados com anseios criados pela cultura em que vivemos - desejo de possuir algum bem material, de usufruir de algum tipo de privilégio, de ser famoso, etc - só podem gerar insatisfação, frustração e tristeza. Somos ensinados a desejar porque aprendemos que, ao nos sentirmos frustrados, ganhamos uma força e uma energia extra no sentido de perseguirmos aquilo que queremos muito ter ou ser. Isso pode ativar nossa garra e competitividade, mas gera uma insatisfação muito prolongada, muito maior do que o prazer que experimentaremos quando formos capazes de satisfazer nossa vontade.
O mais grave é que a sociedade está sempre criando novos objetos de desejo, de modo que quando pensamos que temos tudo, algo novo parece essencial à nossa felicidade. Penso que vivem melhor aquelas pessoas que sentem menos desejo. Penso que o próprio desejo sexual não deveria ser estimulado ao máximo e a satisfação desse desejo não deveria ter se transformado em mais um motivo de orgulho e de competição - sendo vencedor aquele que consegue efetivar mais vezes o contato físico capaz de resolver o desejo. Penso mesmo que muito melhor do que ter muitos desejos, e conseguir realizá-los graças a esforços enormes, é não desejar tanto, é se satisfazer com o parceiro sexual que se tem - desde que seja bom, é claro - e com os bens materiais que conseguimos obter sem que tenhamos que nos sacrificar tanto.


por Flávio Gikovate

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Sobre o autor
flavio
Flávio Gikovate é um eterno amigo e colaborador do STUM.
Foi médico psicoterapeuta, pioneiro da terapia sexual no Brasil.
Conheça o Instituto de Psicoterapia de São Paulo.
Faleceu em 13 de outubro de 2016, aos 73 anos em SP.
Email: [email protected]
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