Ontem vi o que é - e provavelmente (Adoro o diretor James Cameron e aguardo ansiosamente por Avatar (em Dezembro), mas, pelo trailer, não tô botando muita fé nesse filme não...) continuará sendo(*) - o filme do ano: Distrito 9. Dirigido pelo estreante sul-africano Neill Blomkamp, é uma aula de ficção científica como há muito não se via no cinema.
Longe de ser um caça-niquel com personagens rasos e simpáticos (como Transformers ou mesmo o novo Star Trek) Distrito 9 resgata do limbo a dignidade do gênero. O filme (assim como Alien ou Exterminador do futuro) nos transporta para uma realidade crível, mesmo sendo ela fantástica. O estilo documental, com (Modinha a partir de A bruxa de Blair, e usado à exaustão em seriados como 24hs, teve seu uso mais ridículo e inútil em Star Trek) câmera na mão(*), aqui encontra o seu lugar de direito, com efeitos visuais fantásticos, no sentido de inserir uma gigantesca nave-mãe sobre os céus de Johannesburgo e ainda assim parecer "natural". Sem falar nos melhores (em termos técnicos) personagens criados em computação gráfica que já vi, em um fantástico trabalho de iluminação e animação, feito não pela oscarizada empresa Weta (de Senhor dos Anéis), mas sim pela (até então desconhecida) empresa de Johannesburgo chamada Image Engine Design. Mas nada disso salvaria o filme de ser mais um Transformers da vida se não fosse pelo roteiro adulto e realista (co-escrito pelo diretor Neill Blomkamp). Uma história onde não há heróis e vilões (pelo menos não no sentido tradicional). É justamente aí que reside o grande trunfo do filme: seu impacto emocional. Saí da sessão com a triste impressão de ter visto um documentário vindo do futuro, ou um Tropa de Elite com Aliens, porque dá pra reconhecer a natureza e as motivações humanas (nossas motivações) em cada ato dos personagens. É por isso que reitero: não há vilões neste filme, apenas humanos vivendo suas vidas e cumprindo seus papéis... demasiadamente humanos.
Semana passada estava falando com minha psicóloga sobre como minha única esperança para a humanidade seria a aparição oficial de uma raça alienigena. Isso porque a diferença iria nos unir. Passaríamos a ser "nós" e "eles", humanos e aliens, e não mais o amontoado de (Branco, negro, turco, japonês, nordestino, paulistano, etc.) nomes(*) com os quais adoramos nos classificar. Vemos isso claramente nos jogos de futebol: enquanto estamos limitados por regiões geográficas (e imaginárias) do Brasil, nosso vizinho ou colega de trabalho é nosso adversário, e trocamos provocações com deliciosa malícia, sem querer realmente mal, mas apenas porque faz parte da natureza humana sentir prazer com pequenas crueldades (observem as crianças brincando, ou perguntem a um fã de Tarantino). Mas estes mesmos adversários abandonam suas diferenças e se juntam para torcer, beber e confraternizar juntos pela seleção brasileira, especialmente se for contra um rival histórico, como a Argentina. Aí o sadismo entra novamente em cena, pois não basta ganhar: é preciso golear e humilhar, e o adversário é o "outro". É um pensamento meio cruel com os possíveis visitantes espaciais, mas é fundamentado na nossa (triste) realidade. E talvez "eles" já saibam disso, e aguardem uma maior maturidade de nossa parte.
Mas, voltando ao filme, após vê-lo minhas esperanças para a humanidade meio que se confirmaram e meio que desvaneceram. Explico: a nave-mãe vai parar em cima da cidade de Johannesburgo, na África do Sul, por conta de algum problema (doença?) que deixou a tripulação fragilizada e sem comando. E a premissa do filme é: como seriam tratados os aliens se os humanos tivessem ALGUMA vantagem sobre eles? O que acontece é que os humanos estabelecem um campo de refugiados logo abaixo da nave, para abrigar os aliens, e aquilo rapidamente se converte numa favela. 20 anos se passam, e a humanidade já os vê como um estorvo. O resto vocês podem imaginar.
O mais triste de tudo é perceber que os humanos fazem o mesmo, só que com outros seres humanos. O filme foi rodado entre os barracos de Soweto, palco de uma resistência contra a política oficial de discriminação racial (o Apartheid), que resultou num horrendo massacre. Ainda na África do Sul, na mesma época, os negros foram forçosamente "relocados" para um tal de Distrito 6 (que inspirou o nome do filme), na cidade de Cape Town. Mas nem só os negros sofreram do problema da discriminação e foram tratados como sub-humanos durante a história. Quem pode esquecer do êxodo de judeus da Espanha e Portugal, fugindo para não morrer ou serem convertidos à força ao catolicismo? Séculos depois, teriam de fugir novamente, para não morrer nos guetos e campos de concentração da 2ª guerra. E nossos índios, retirados da floresta para viver como brancos em aldeamentos jesuítas, sujeito às doenças dos brancos, que dizimaram 70% dos silvícolas?
Mas não precisamos nem conhecer de História para vermos que a sociedade "naturalmente" marginaliza (ou seja, pôe à margem) os indesejáveis ou aqueles que não pertencem a uma certa "casta" (como a casta do empregado público, ou a casta dos comerciantes, a dos advogados, etc). E lá vão eles para os distri... digo, as favelas... É irônico ver no filme os "depoimentos" dos negros sul-africanos, reclamando da presença desses indesejáveis visitantes sem modos e violentos. Isso meio que confirma minha teoria, mas, ao mesmo tempo, percebi que não, a natureza humana não vai mudar (nem sequer amadurecer), mesmo diante de um fato desta natureza. Não haverá uma mudança de paradigma, apenas acrescentaríamos um elo a mais na nossa cadeia de preconceitos.
Distrito 9 tem um final melancólico e poético, com uma imagem derradeira que ficou perdurando na minha mente até agora.
por Acid
Consulte grátis
Avaliação: 5 | Votos: 1
Sobre o autor
Acid é uma pessoa legal e escreve o Blog www.saindodamatrix.com.br "Não sou tão careta quanto pareço. Nem tão culto. Não acredite em nada do que eu escrever. Acredite em você mesmo e no seu coração." Email: Visite o Site do Autor