Atenção, empatia e solidariedade
por Bel Cesar em AutoconhecimentoAtualizado em 08/04/2020 11:35:25
Certa vez, enquanto movia um cristal sobre diferentes lugares num tapete, Lama Gangchen Rinpoche me disse: "Nossa mente é como um cristal. Se o colocamos sobre uma superfície clara, ele se torna límpida, mas se o colocamos sobre um local contaminado por impurezas, torna-se sujo. Por isso, precisamos observar onde colocamos nossa mente".
A realidade está onde e como colocamos nossa atenção. Não podemos escolher os eventos da vida, mas podemos escolher como reagir diante deles. Cultivar uma mente capaz de decidir para onde ir é o treino daquele que segue o caminho do desenvolvimento interior. Isso não significa manter um constante estado de autocontrole, mas, sim, de sermos capazes de observar quando estamos mergulhando em pensamentos destrutivos. Afinal, eles não trazem nenhum benefício, nem para nós, nem para aqueles ao nosso entorno.
Uma coisa é ter uma visão crítica a respeito de algo com o intento de aperfeiçoamento; outra coisa, é criticar como forma de autolimitação. Quando somos críticos com a intenção de melhorar, há uma disposição interior que nos encoraja a seguir em frente. No entanto, quando a autocrítica é o hábito mental de expressar a insatisfação conosco mesmos, ela bloqueia a coragem para nos arriscarmos a novas tentativas de acerto.
Recentemente, comecei a pintar com aquarela. Autodidata, fiz inúmeras pinturas que não me agradaram. Mas algo me movia para frente: o desejo de expressar fora o que ocorria dentro de mim. Aos poucos, estou conseguindo pintar algo que me deixa feliz.
Segundo o psicanalista inglês Donald Winnicott, o bom terapeuta deve manter durante toda a sessão terapêutica em três habilidades: atenção, empatia e solidariedade. Não se trata de apenas uma atitude mental, mas de todo seu ser que se faz presente frente ao outro. Sua postura corporal reflete abertura, sensibilidade e disponibilidade para escutá-lo.
De modo semelhante, podemos também nos abrir para nós mesmos. Cultivar uma atitude de abertura e disposição interna capaz de manter atenção, empatia e solidariedade com nossas próprias incoerências e adversidades. Quando decidimos efetivamente fazer algo para nos relacionarmos com o nosso desconforto, temos um gesto de autocompaixão. É interessante notar que para isso ocorrer, não basta sermos capazes de refletir sobre nosso lado vulnerável e sensível a críticas: precisamos poder nos relacionar diretamente com esse incômodo de um modo não crítico. De maneira muito simples podemos fazer isso apenas notando se estamos nos colocando para cima ou para baixo.
Há relacionamentos onde um dos parceiros, ou mesmos ambos, costumam criticar as atitudes alheias, lembrando o outro de suas incapacidades e imperfeições. Com o hábito de organizar o outro, não percebem o estresse que causam sobre todo o ambiente, mesmo com suas melhores intenções. Assim como comenta Paule Salomon em seu livro A Sagrada Loucura dos Casais (Ed Cultrix, p.106): "Querer que alguém mude é ter sobre essa pessoa um poder sutil e isso frequentemente bloqueia a situação".
O principal custo da mania de corrigir o outro é a perda da espontaneidade por parte daquele que é constantemente lembrado que poderia fazer ou ser diferente de quem é. Sem espontaneidade o amor perde sua cor, textura e forma. O relacionamento torna-se seco e sem graça.
Quando nos abrimos para perceber e receber o outro, com suas diferenças e peculiaridades, ampliamos nosso mundo interior com novas possibilidades, sonhos e percepções. Desta forma, estamos continuadamente reciclando nossos mundos interno e externo. Algo de nós alimenta o que há fora e algo de fora nos alimenta.
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