Sem perguntar, surgem respostas
por Bel Cesar em AutoconhecimentoAtualizado em 08/04/2020 11:35:17
Em 1991, quando escrevi o prefácio para o primeiro livro de Lama Gangchen Rinpoche, "Autocura I - proposta de um mestre tibetano", eu o conhecia havia apenas quatro anos. Hoje, em 2015, há quase 29 anos de nosso primeiro encontro, reconheço que em essência nada mudou: continuo conectada de coração a coração com sua mente e estudando a complexa filosofia do budismo tibetano, mas sempre procurando vivenciá-la de forma simples e direta. Durante os dez primeiros anos, de 1982 a 1992, em que Lama Gangchen Rinpoche esteve no Ocidente, ele se propôs a transmitir o Dharma por meio dos cuidados do corpo físico: atendia pacientes em consultas individuais. Nos dez anos seguintes, de 1993 a 2003, dedicou-se à transmissão dos ensinamentos por meio da palavra: escreveu livros e elaborou o sistema de Autocura Tântrica NgalSo. Desde 2004, ele tem dedicado-se à transmissão do Dharma por meio da mente, ao realizar iniciações elevadas como a de Kalachakra - uma prática do Tantra Ioga Superior conhecida por "Roda do Tempo".
Durante o período de seus atendimentos, trabalhei várias vezes como tradutora do inglês para o português. O paciente contava em poucas palavras o que estava lhe acontecendo, Rinpoche media com os dedos o seu pulso, fazia-lhe algumas perguntas, dava-lhe conselhos e indicava os remédios tibetanos se fosse necessário. Como eram muitos os pacientes, o tempo de consulta era no máximo de 10 minutos. Ao final da consulta, ele transmitia o mantra de Buddha Shakyamuni - OM MUNI MUNI MAHA MUNI SHAKYAMUNIYE SOHA. Depois o abençoava e oferecia uma fita de proteção. A cada paciente repetia sempre a mesma mensagem, como se estivesse a dizendo como pela primeira vez: "Este mantra é seu amigo espiritual, se você recitá-lo não irá se sentir mais só".
Até hoje quando lhe fazemos perguntas suas respostas são de poucas palavras. Elas nos orientam para o próximo passo. Mais seguros, seguimos em frente.
Em um dos atendimentos realizados em 1990, a paciente insistia em fazer mais e mais perguntas: "Por que tenho medo?" "Vou morrer como minha mãe?"... Rinpoche a olhava atenciosamente e a cada nova pergunta apenas dizia: "Hãhã... O que mais você quer perguntar?". Até que, num determinado momento, as perguntas finalmente cessaram. Rinpoche, então, falou: "Hoje você não fará mais perguntas. Amanhã você não fará perguntas. Depois de amanhã, a mesma coisa. Se no dia seguinte você continuar a não questionar, é possível que escute dentro de você uma pequena resposta. Se você continuar a não perguntar, a cada dia essa resposta vai crescer. Isso porque sua mente está com espaço apenas para perguntas e não para respostas".
Muitas vezes nos autossabotamos fazendo perguntas que não têm resposta. Outras vezes, indagamos o que ainda não está maduro para ser respondido. Criamos respostas que nos limitam e geram insegurança porque nossas perguntas surgem da busca por garantias predefinidas. Perguntar algo para conhecer mais profundamente a natureza de uma questão é muito bom, no sentido que amplia nossa visão. Mas se nossas perguntas nos levarem a estreitar nossa percepção, estaremos criando nossas próprias armadilhas.
Aprendi que no budismo não perguntamos "Por que isto ocorre?", mas sim "Como isto ocorre?". Se entendemos como algo se inicia, podemos direcionar esse algo, seja para uma conclusão final, seja para transformá-lo de maneira tal que possa haver uma continuidade. "Por que" nos leva a uma forma pensamento; "como" nos leva diretamente ao aprendizado mediante a experiência em si mesma. Mas se formos inseguros ou preguiçosos, continuaremos a perguntar apenas o porquê das coisas. Mas, que tal testarmos o conselho de Lama Gangchen Rinpoche e passar uns dias sem fazer perguntas?