Deixe a criança ser... naturalmente!
por Rosana Braga em Almas GêmeasAtualizado em 17/02/2003 11:27:58
"Lembro-me de uma manhã em que eu havia descoberto um casulo na casca de uma árvore, no momento em que a borboleta rompia o invólucro e se preparava para sair. Esperei bastante tempo, mas estava demorando muito e eu estava com pressa.
Irritado, curvei-me e comecei a esquentá-lo com meu hálito. Eu o esquentava impacientemente e o milagre começou a acontecer diante de mim a um ritmo mais rápido que o natural. O invólucro se abriu e a borboleta saiu se arrastando. Nunca hei de esquecer o horror que senti então: suas asas ainda não estavam abertas e, com todo o seu corpinho que tremia, ela se esforçava para desabrochá-las.
Curvado por cima dela eu a ajudava com meu hálito. Em vão. Era necessário uma paciente maturação e o desenrolar das asas devia ser feito lentamente ao sol. Agora era tarde demais. Meu sopro obrigava a borboleta a se mostrar toda amarrotada antes do tempo. Ela se agitou desesperadamente e alguns segundos depois morreu na palma de minha mão.
Aquele pequeno cadáver é para mim, o peso maior que tenho na consciência. Pois, hoje, entendo bem isso:
'É PECADO MORTAL FORÇAR AS GRANDES LEIS'.
Temos que não apressar, não ficar impacientes e seguir com confiança o ritmo eterno.
DEIXE A CRIANÇA LENTAMENTE DESABROCHAR..."
Quantas vezes deixamos que a ansiedade tome conta de nós e terminamos agindo com precipitação? Queremos tanto alguma coisa que não nos contemos e, na primeira possibilidade, colocamos "a carroça na frente dos bois"...
O tempo deve ser respeitado, porque é sábio! Nunca pára, mas nunca anda mais rápido do que o necessário. E a natureza sabe disso e o respeita, mas o homem, equivocado por seus desejos desenfreados, cego por suas vaidades ilimitadas e muitas vezes enganado sobre o que é realmente amar, não percebe o quanto força a seqüência natural dos acontecimentos, causando sofrimentos, angústias e resultados irreversíveis.
Pode parecer estranho estar relacionando essa história e essas atitudes com os responsáveis pelas crianças e a nós mesmos: mães, pais, avós, tios, enfim, todos aqueles que convivem com um bebê até que ele se torne adulto ou, ao menos, adolescente, mas infelizmente não é tão estranho assim!!!
Se observarmos bem, estamos constantemente desrespeitando o tempo das nossas crianças! É claro que não fazemos isso conscientemente e muito menos por desejarmos mal à elas, mas a verdade é que terminamos por alterar a ordem natural das coisas e isso nunca é bom!
Tudo começa na gestação, quando fazemos planos para o futuro do bebê. Eu sei, é praticamente impossível não planejarmos um mundo cheio de coisas boas para um filho, mas é desde então que devemos nos lembrar que cada um possui um mundo particular. Devemos ser guias e não "donos" de nossos filhos.
Leo Buscaglia inicia o prefácio de seu livro Vivendo, Amando e Aprendendo dizendo:
"Nikos Kazantzakis sugere que os pais são os que se fazem de pontes, que convidam os filhos a atravessarem, e depois, tendo facilitado a travessia, desmoronam-se com prazer, encorajando-os a criarem as suas próprias pontes".
É assim que nós, pais, devemos ser: exemplos e não "manuais de instruções para a vida"! Não somos! Somos imperfeitos.
E depois que a criança nasce, nos enchemos de ansiedade e orgulho e passamos, dia após dia, "exigindo" (inconscientemente) que nosso filho seja sempre o melhor: o mais bonito, o com maior peso, o mais esperto, o mais inteligente, o maior, o mais desenvolvido para a sua idade, enfim, um verdadeiro campeão de uma maratona que ele, aos poucos, vai percebendo o quanto está sendo pressionado para vencer.
E não nos damos conta do quanto ele pode estar sofrendo por acreditar que estará nos desapontando terrivelmente se não corresponder às nossas listas infindáveis de cobranças e comparações. Certamente, em algum momento chegarão a duvidar se realmente os amamos por aquilo que eles são ou se esse amor depende do quanto eles se encaixam no “modelo” que insistimos em exibir o tempo todo.
Quantas vezes o arrancamos de seu casulo e o obrigamos a se mostrar desajeitado, tímido e decepcionado por não conseguir corresponder às nossas expectativas? Quantas vezes fazemos comparações, tentando convencê-los de que todas as crianças deveriam ser iguais, ou melhor, de que ele sempre deveria ser melhor?
Cada filho tem o seu tempo! Cada criança tem suas próprias qualidades e precisa ser reconhecida por isso; precisa ser encorajada a crescer e não subestimada e igualada como se fosse brinquedos fabricados em série! Toda criança vive em pleno desenvolvimento. Elas têm uma capacidade notável de absorver informações e aprender, mas só podem crescer se respeitarmos o seu tempo, se dermos à ela a oportunidade de amadurecer suas habilidades.
Devemos começar a prestar mais atenção ao ritmo de nossas crianças ao invés de nos concentrarmos em nosso próprio tempo, nos tornando egoístas, apressados e impacientes. Quantas vezes forçamos um bebê a se sentar logo? Achamos que já está na hora e decidimos que ele está pronto! E depois que ele não quer mais ficar deitado (porque já conheceu o mundo por outro ângulo mais interessante) e chora o tempo todo para que o coloquem sentado (porque ele ainda não está pronto e, por isso, precisa de ajuda!) nos irritamos e brigamos com ele o rotulando de chorão, chato e outras coisas... Como será que ele se sente?
E quando queremos que ele saia das fraldas? Fazemos por ele ou por nós mesmos, porque não agüentamos mais trocar e lavar fraldas? A criança precisa de tempo! Que seja 2,5 anos ou 3, pouco importa, mas ela precisa se sentir confiante e pronta (inclusive fisicamente) para se sentar em um peniquinho ou numa privada. Mas, quantas vezes batemos nela ou a humilhamos porque ela faz xixi ou cocô na calça? Será que sabemos o quanto a estamos prejudicando?
Esses são apenas alguns exemplos de ocasiões em que julgamos "não termos tempo" para esperar o desabrochar de nossas crianças...
Que a partir de agora, consigamos olhar para elas e perceber que são indivíduos únicos e especiais e que precisam seguir a ordem natural da vida para se tornarem plenas.
Que a partir de agora, consigamos nos tornar pontes para nossos filhos, aceitando nossa condição de guias e não de "donos". Que a partir de agora, consigamos ensiná-las com exemplos, através de atitudes e não de palavras vazias e sem nexo.
Que a partir de agora, consigamos nos enxergar, com todas as nossas qualidades e defeitos e possamos, assim, aceitar e amar (realmente) nossos filhos pelo que eles são e não pelo que sonhávamos e esperávamos que eles fossem. A arte de "ser" é uma decisão que cabe somente a cada um. É condição intransferível.
Quem sabe assim, a partir de agora, consigamos ajudar a criar pessoas íntegras e livres para um mundo melhor!!!