Você é uma mulher única?
por Rosana Braga em Almas GêmeasAtualizado em 08/04/2020 11:35:25
Entendendo tudo o que Samantha estava dizendo, Bárbara sentia seu peito apertar. Se via na história. Se reconhecia naquele exato instante como uma mulher imatura e perdida de si mesma.
_ Ela ficou assim por causa do trauma do rapto? Por causa desse deus dos infernos? - perguntou numa tentativa inconsciente de justificar a si mesma.
_ Por causa de Hades? Não! Não mesmo! Muito pelo contrário. Foi justamente por se apropriar da dor e do medo que sentiu durante o rapto e também durante os primeiros tempos de sua morada no Submundo que Perséfone teve a chance de amadurecer, saber mais de si, tornar-se dona da própria vida. Ali, ela não podia contar com a vigilância e a superproteção da mãe. Teve de entrar em contato consigo mesma, teve de lançar mão de sua capacidade de se proteger sozinha.
_ Ah! Então esse aspecto infantil tinha a ver com a relação com a mãe! Agora acho que entendi perfeitamente o que você quis dizer sobre ser uma "boa menina" - repetiu novamente o gesto das aspas.
_ Exatamente. E é a partir dessa transformação que podemos observar o outro aspecto de Perséfone. Justamente por repetir tantas vezes esse caminho de ida e volta, do Submundo onde agora era sua casa, até o mundo superior onde visitava a mãe, Coré pode amadurecer e se tornar mulher! Simbolicamente, o Inferno representa o mundo de dentro, as camadas mais profundas do inconsciente. A coragem de ir e vir tornou Perséfone profunda conhecedora do caminho entre esses dois mundos. Fez com que ela desenvolvesse a sensível habilidade de perceber e diferenciar a luz e a sombra. É daí que vem toda a sua intuição e a sua profundidade nas relações. - e parou, olhando-a no fundo dos olhos.
Bárbara se sentia contundentemente tocada. Uma voz dentro de si ecoava por recantos do seu mundo interno que ela nem imaginava existirem. Não sabia explicar. Nem sequer conseguia entender. Então, apenas se recostou no sofá e relaxou o corpo. Algo muito importante estava acontecendo e ela sentia. Mas ainda não sabia.
_ Vou concluir sobre o arquétipo de Perséfone e terminamos por hoje, está bem? - Samantha estava delicadamente pedindo permissão para andar no mundo de Bárbara, que só conseguiu balançar a cabeça, positivamente.
_ Quando uma mulher, assim como você, vive um relacionamento tão destrutivo e, ao mesmo tempo, tão profundo quanto o que viveu com Pedro, e ainda assim consegue sair, consegue reencontrar o caminho de volta ao mundo superior, ela tem a chance fascinante de se tornar Rainha do seu próprio mundo. Mas não é só isso! Ela tem a chance de guiar outras mulheres de volta a si mesmas. E dessa forma, ela pode se beneficiar dos dois aspectos de Perséfone, tornando-se flexível, forte e intuitiva e, ao mesmo tempo, jovem, leve, delicada e criativa.
_ E assim ela deixa de ser o que os homens querem que ela seja? - perguntou Bárbara num tom de voz tão baixo que Samantha teve de pedir para que ela repetisse a pergunta.
_ Sim, minha querida. Mas mais do que não ser o que o outro quer, ela aprende a tomar suas próprias decisões e fazer as suas escolhas a seu modo, no seu tempo, com seu próprio ritmo. Ela se torna uma mulher singular, única. E tenho certeza de que você é uma mulher única! - concluiu Samantha levantando-se para abraçar Bárbara e se despedir.
Bárbara saiu do consultório completamente atordoada. Agora sabia que existia um caminho de volta e, mais do que isso, sabia que ter estado num inferno poderia ser a sua grande chance. Mas não tinha a menor ideia de como ir e vir com aquela sabedoria que Perséfone conquistou. Reconhecia claramente sua ida ao submundo, sua dor e seu medo, mas ainda não reconhecia o caminho de volta, para o tal mundo superior, para a liberdade, para a luz que revelaria quem era ela para si mesma.
Pegou-se repetindo mentalmente a última frase de Samantha: "Tenho certeza de que você é uma mulher única". E, de repente, pensou na mãe e se sentiu completamente desamparada. Teve vontade de chorar, mas foi subitamente "acordada" pela buzina de um carro, já que atravessava a rua como se estivesse num outro mundo. E, de fato, estava. No mundo de dentro. No seu mundo.
Trecho do primeiro romance de Rosana Braga. Lançamento em breve. Aguarde informações em link